PREFÁCIO
Por Jonathan Edwards Presidente da Universidade de Princeton - 1758
Existem duas maneiras para representar e recomendar a verdadeira religião e a virtude ao homem — uma é mediante a doutrina e o preceito; a outra é por instância e exemplo. Ambas são abundantemente usadas nas Sagradas Escrituras.
Deus também, na sua providência, tem-se inclinado a fazer uso de ambos esses métodos para trazer luz e motivações à humanidade para que ela cumpra seus deveres em todas as épocas. Ele tem, de tempos em tempos, levantado mestres eminentes para exibirem e darem testemunho da verdade pela sua doutrina e para se oporem aos erros, às trevas e à impiedade do mundo. Também tem levantado pessoas eminentes que têm deixado brilhantes exemplos daquela religião que é ensinada e prescrita na Palavra de Deus; exemplos esses que, no curso da providência divina, têm sido mostrados ao povo.
Temos um excelente exemplo desses na excelente pessoa cuja vida é publicada nestas páginas. Seu exemplo é visto com uma grande variedade de circunstâncias tendentes a prender a atenção do povo religioso. Ele foi o instrumento de um mui notável despertamento, uma maravilhosa e permanente alteração e transformação moral de pessoas que tornam a mudança peculiarmente rara e admirável.
No relato que se segue, o leitor terá a oportunidade de ver não somente quais foram as circunstâncias externas e notáveis desta pessoa, seu comportamento e como gastou seu tempo, dia após dia mas, também, o que se passava em seu próprio coração. Aqui, o leitor verá a maravilhosa mudança que ele experimentou em sua própria mente e em sua disposição; verá a maneira como aquela mudança foi operada, como continuou, quais foram suas consequências na disposição íntima dele, nos seus pensamentos, afeições e exercícios secretos, através de muitas dificuldades e provas por mais de oito anos.
Estou longe de supor que os exercícios e as experiências internas de Brainerd ou sua conduta externa, estiveram livres de imperfeição. O exemplo de Jesus Cristo é o único que já existiu, na natureza humana, totalmente perfeito; o que, portanto, é um critério para testar todos os outros exemplos. As disposições, as atitudes e as práticas de outros devem ser recomendadas e seguidas na medida que foram seguidoras de Cristo.
Há uma coisa facilmente discernível na vida de Brainerd que, por muitos, pode ser considerada uma objecção às evidências extraordinárias de sua religiosidade e devoção, a saber, que ele era, por sua própria constituição e temperamento natural, muito inclinado para a melancolia e desânimo de espírito. Há quem pense que a religião é algo melancólico e que aquilo que se chama de experiência cristã é pouco mais do que melancolia, que perturba o cérebro e excita imaginações entusiásticas.
Mas, ainda que o temperamento e a constituição de Brainerd o inclinassem ao desalento, não é justo supor que sua extraordinária devoção fosse apenas o fruto de uma imaginação calorosa. A despeito dessa inclinação para o desânimo, é claro que ele era um daqueles homens que, usualmente, vivem bem longe de uma imaginação fervilhante, sendo dotado de um génio penetrante, de pensamento claro, de raciocínio lógico e de julgamento muito exacto, como era patente para todos que o conheciam. Possuidor de grande discernimento da natureza humana, perscrutador e judicioso em geral, ele também sobressaía em juízo e conhecimento teológico e, sobretudo, na religião experimental.
Ele distinguia claramente entre a piedade real, sólida, e o mero entusiasmo; entre aquelas afeições que são racionais e bíblicas, alicerçadas sobre a luz e o bom juízo e aquelas baseadas em presunções excêntricas, com impressões fortes na imaginação e em emoções veementes dos espíritos animalescos. Era extremamente sensível à exposição dos homens a estas impressões, a quão extensivamente elas tinham prevalecido, a quantas multidões tinham sido enganadas, as suas perniciosas consequências e ao temível prejuízo que elas têm feito no mundo cristão. Brainerd não confiava nesse tipo de religião e tinha farto testemunho contra ele. Ele percebia de imediato quando coisas dessa natureza surgiam, ainda em seus estágios primários, disfarçadas da maneira mais plausível e aparentemente justa. Ele tinha um talento, como nunca vi igual, para descrever as várias operações dessa religião entusiástica e imaginária, desmascarando sua falsidade e vaidade e demonstrando a enorme diferença entre ela e a autêntica devoção espiritual.
Seu espírito judicioso não transparecia somente quando distinguia entre as experiências alheias, mas, também entre os vários exercícios de sua própria mente, em particular ao discernir o quê, em seu próprio íntimo, devia ser lançado na conta da melancolia, no que ele excedeu a todas as pessoas melancólicas que conheci. Sem dúvida, isso devia-se à profundeza de seu juízo; pois é deveras raro que pessoas, sob a influência da melancolia, mostrem-se sensíveis para com sua própria fraqueza, reconhecendo que os seus frutos e operações deveriam ser atribuídos à mesma.
Brainerd não adquiriu esse grau de habilidade com rapidez, mas, gradualmente; e isso o leitor poderá discernir através deste relato de sua vida. Na parte inicial de sua carreira religiosa, ele atribuía muito desse tipo de tristeza mental ao afastamento espiritual, ao passo que na segunda metade de sua vida reconhecia que era devido à doença de melancolia; conforme frequentemente fez menção de modo claro em seu diário, atribuindo seus surtos de tristeza a essa causa. Em suas conversações, por muitas vezes referiu-se à diferença entre a melancolia e a tristeza piedosa; entre a verdadeira humilhação e o afastamento espiritual; e, também, sobre o perigo de confundir uma coisa com a outra e sobre a natureza mui prejudicial da melancolia. Discursava com grande discernimento sobre ela, sem dúvida, com muito mais profundidade com base naquilo que conhecia por experiência própria.
Uma outra imperfeição em Brainerd que pode ser observada neste relato de sua vida, é que ele era excessivo em seus labores, não levando em conta a devida proporção entre a sua própria fadiga e as suas forças. De fato, os aparentes chamados da Providência, eram, por muitas vezes, extremamente difíceis, levando-o a labutar acima de suas próprias forças. Sem dúvida, as suas circunstâncias e actividades como missionário entre os índios eram tais que tornavam-se inevitáveis grande fadiga física e dificuldades. No entanto, finalmente deixou-se convencer de que estava errando quanto a essa questão e que deveria ter exercido Maior cautela, mostrando-se mais resoluto a resistir à tentação para um tal grau de trabalho que lhe prejudicava a saúde. Foi em consonância com isso que advertiu a seu irmão, que o sucedeu no campo missionário, a ser cuidadoso para evitar esse erro.
Além das imperfeições mencionadas, pode-se admitir prontamente que havia algumas imperfeições que lhe marcaram pela vida toda, misturadas a seus afectos e exercícios religiosos, havendo alguma mistura do que era espiritual com o que era natural, tal como acontece com os melhores santos neste mundo. Sem dúvida, o temperamento natural tinha alguma influência nos exercícios religiosos de Brainerd, como visivelmente tinha em homens devotos como David e os apóstolos Pedro, João e Paulo. Não há dúvida que sempre havia alguma mescla de melancolia com verdadeira tristeza piedosa e real humildade cristã; alguma mistura do fogo natural da juventude com o seu zelo santo por Deus; e também alguma influência de princípios naturais misturados com a graça divina em vários outros aspectos, como sempre foi e será com os santos, enquanto eles estão neste lado do céu. Talvez ninguém se mostrasse mais sensível para com as imperfeições de Brainerd do que ele mesmo; ou talvez ninguém pudesse detectá-las melhor, distinguindo o que era natural daquilo que era espiritual. É fácil para o leitor cuidadoso observar que à medida que as graças amadureciam nele, os exercícios religiosos de seu coração tornavam-se mais e mais puros; e quanto mais ele vivia, mais perspicaz ficava em seu juízo. Ele tinha muito para purificar e ensinar a si mesmo e não falhou em beneficiar-se.
Apesar de todas essas imperfeições, todo leitor piedoso e cuidadoso reconhecerá de pronto que aquilo que aqui expomos é uma notável demonstração da verdadeira e eminente piedade, no coração e na prática — tendendo grandemente a confirmar a realidade da religião vital e do poder da piedade. Isso é mui digno de imitação, em vários sentidos calculado para promover o benefício espiritual de observadores atentos.
O leitor deve tomar consciência de que aquilo que Brainerd escreveu em seu diário, do qual esta narrativa de sua vida foi principalmente tirada, foi registado para seu próprio uso, e não a fim de conquistar o aplauso e honra humanos, nem com o propósito de ser apreciado pelo mundo, nem enquanto vivia nem após a sua morte. Só não foi para seu uso algumas poucas coisas que escreveu, já quase à morte, depois de ter sido persuadido, com dificuldade, a não suprimir inteiramente todos os seus escritos privados. Ele mostrou-se quase invencivelmente contra a publicação de qualquer porção do seu diário, depois que morresse. E quando ele pensava que estava morrendo, em Boston, deu as mais estritas e decisivas ordens sobre isto. Mas depois que alguns de seus amigos dali conseguiram convencê-lo, ele retirou essa proibição estrita e absoluta, tendo cedido até ao ponto em que seus papéis fossem deixados em minhas mãos, a fim de que eu dispusesse deles conforme eu pensasse "redundar mais para a glória de Deus e para o interesse da religião".
NOTA INTRODUTÓRIA
Por Jonathan Edwards
DAVID BRAINERD nasceu a 20 de Abril de 1718, em Haddam, Connecticut. Seu pai chamava-se Ezequias Brainerd, um advogado, e sua mãe, Dorothy Hobart, era filha do Pr. Jeremias Hobart.
Ele foi o terceiro filho de seus pais, que tiveram cinco filhos e quatro filhas. O filho mais velho foi um respeitável cidadão de Haddam; o segundo foi o Pr. Neemias Brainerd, um digno ministro em Eastbury, Connecticut; o quarto, o Sr. John Brainerd, que substituiu a seu irmão, David, como missionário entre os índios, foi pastor da mesma igreja dos índios crentes de Nova Jersey; e o quinto foi Israel, posteriormente estudante do Yale College, e que faleceu pouco depois de seu irmão David. A mãe deles, depois de ter vivido por cerca de cinco anos como viúva, morreu quando o personagem central destas memórias tinha cerca de catorze anos de idade. Assim, em sua juventude, Brainerd ficou órfão de pai e mãe. A seguir, transcrevo o relato que ele fez de sua própria pessoa.
Capítulo 1
Do seu nascimento ao tempo em que começou a estudar para o ministério 1718-1742
Desde bem pequeno fui um tanto sóbrio, inclinado à melancolia; mas não me lembro de qualquer convicção de pecado, digna de qualquer observação, até que eu já estava com cerca de sete ou oito anos de idade. Então fiquei preocupado com a minha alma, aterrorizado diante da ideia da morte; fui impelido ao cumprimento de deveres religiosos; mas isto pareceu ser uma acção da melancolia que destruía a minha vontade de brincar. Embora, infelizmente, essa preocupação religiosa fosse apenas passageira, algumas vezes me entregava a orações secretas; e assim vivia "sem Deus no mundo" e sem muito interesse, até ter mais de treze anos de idade.
Durante o inverno de 1732, fui despertado desse senso de segurança carnal, nem sei dizer direito por quais meios; mas fiquei deveras preocupado diante da prevalência de certa enfermidade mortal em Haddam. Tornei-me frequente, constante e fervoroso em oração e também deleitava-me na leitura, sobretudo do livro do Sr. Janeway, Tokenfor Children [um livro para crianças]. Algumas vezes sentia-me muito enternecido diante dos deveres religiosos, apreciando a realização deles, e algumas vezes esperava que tivesse me convertido, ou, pelo menos, que estivesse num bom e esperançoso caminho para o céu e para a felicidade, sem saber o que era a conversão. Nesta época, o Espírito de Deus trabalhou muito em mim. Eu estava notavelmente morto para o mundo; meus pensamentos volviam-se quase inteiramente para as preocupações da minha alma e posso realmente dizer que estava "quase persuadido a tornar-me cristão". Fiquei extremamente aflito e melancólico com a morte de minha mãe, em março de 1732. Depois disso, porém, meu interesse religioso começou a declinar e pouco a pouco retornei a um considerável grau de segurança própria, embora continuasse fazendo orações secretas.
Em cerca de
15 de Abril de 1733, mudei-me da casa de meu pai
para East Haddam, onde
permaneci por quatro anos. Continuava "sem
Deus no mundo", embora, com
certa frequência, me entregasse a orações secretas. Nunca gostei muito da
companhia e das diversões da juventude;
mas sei que quando me punha em tal
companhia, nunca voltava com
tão boa consciência como quando ia. Isso sempre
me adicionava uma
nova culpa, fazendo-me temeroso de aproximar-me do trono
da graça, e prejudicava aquelas boas disposições que eu tanto, apreciava. Mas,
infelizmente, todas as minhas boas disposições eram apenas justiça
própria, não alicerçadas sobre um
desejo pela glória de Deus.
Perto do fim de Abril de 1737, tendo completado dezanove anos de idade, mudei-me para Durham, a fim de trabalhar em meu sítio, onde fiquei por cerca de um ano; frequentemente anelava por uma educação académica. Quando estava com cerca de vinte anos, apliquei-me aos estudos; e, por esse tempo, estava mais do que nunca engajado em meus deveres religiosos. Tornei-me um homem muito rigoroso e vigilante com os meus pensamentos, palavras e acções; concluí que tinha de ser realmente sóbrio, porquanto tinha resolvido consagrar-me ao ministério; e imaginei que eu me havia dedicado ao Senhor.
Em Abril de 1738, fui residir com o Pastor Fiske, de Haddam, com quem continuei morando enquanto viveu. Lembro-me de que ele aconselhou-me a abandonar de vez a companhia dos jovens e a associar-me a pessoas sérias, mais idosas, conselho esse que segui. Minha maneira de viver, então, foi inteiramente rotineira, cheia de religiosidade. Li a minha Bíblia por mais de duas vezes em menos de um ano, e passava muito tempo, cada dia, em oração e outros deveres secretos, dando grande atenção à palavra pregada, esforçando-me ao máximo por retê-la. Tão preocupado estava com os assuntos religiosos que concordei, com algumas pessoas jovens, em reunirmo-nos aos sábados, para exercícios religiosos, e julgava-me sincero nestes deveres. Terminadas as reuniões, eu costumava repetir para mim os discursos ouvidos naquele dia, relembrando-os o quanto me fosse possível, embora algumas vezes até tarde da noite. Ocasionalmente, nas segundas-feiras relembrei-me dos sermões de domingo; sentia prazer nos exercícios religiosos e pensava seriamente em tornar-me membro de alguma igreja. Em suma, eu tinha uma boa aparência exterior e descansava totalmente no cumprimento dos meus deveres, embora não tivesse consciência disso.
Depois do falecimento do Pastor Fiske, continuei os estudos com meu irmão. Continuava na prática constante dos deveres religiosos e admirava-me da leviandade dos que professavam-se cristãos, lamentando o descuido deles nos assuntos religiosos. Assim prossegui muito tempo sobre essa base de justiça própria; e ter-me-ia perdido e condenado inteiramente, não fora a misericórdia de Deus que impediu isso.
Em algum tempo, no começo do inverno de 1738, agradou a Deus, em um sábado pela manhã, quando eu partia para cumprir meus deveres secretos, dar-me, de repente, um tal senso de meu perigo e da sua ira que fiquei admirado, e logo desapareceram minhas confortáveis disposições anteriores. Diante da visão que tive de meu pecado e vileza, fiquei muito aflito durante todo aquele dia, temendo que a vingança de Deus em breve me alcançaria. Senti-me muito abatido, mantendo-me solitário; cheguei a invejar a felicidade das aves e dos quadrúpedes, pois não estavam sujeitos àquela miséria eterna, como evidentemente eu via que estava sujeito. E assim ia vivendo dia a dia, frequentemente em grande aflição. As vezes parecia que montanhas obstruíam minhas esperanças de misericórdia e a obra de conversão parecia tão grande que pensei que nunca seria o objecto dela. No entanto, costumava orar, clamar a Deus e realizar outros deveres com grande ardor; assim esperava, por alguns meios, melhorar a minha situação.
Por centenas de vezes renunciei a todas as pretensões de qualquer valor em meus deveres, ao mesmo tempo em que os realizava; e com frequência confessei a Deus que eu nada merecia pelos melhores deles, a não ser a condenação eterna; ainda assim tinha uma esperança secreta de recomendar-me a Deus mediante os meus deveres religiosos. Quando orava emotivamente e meu coração, em alguma medida, parecia enternecer-se, esperava que, por causa disso, Deus teria piedade de mim. Nessas ocasiões, havia alguma aparência de bondade em minhas orações, e eu parecia estar lamentando pelo pecado. Em alguma medida aventurava-me na misericórdia de Deus em Cristo, como eu pensava, ainda que o pensamento preponderante, o alicerce de minha esperança, era alguma imaginação de bondade em meu enternecimento de coração, no calor de meus afectos e na extraordinária dilatação de minhas orações.
Havia momentos em que a porta me parecia tão estreita que eu via como impossível entrar; mas noutras ocasiões lisonjeava-me, dizendo que não era assim tão difícil, e esperava que, por meio da diligência e da vigilância, acabaria conseguindo. Algumas vezes, depois de muito tempo em devoções e em forte emoção, achava que tinha dado um bom passo na direcção do céu e imaginava que Deus fora afectado assim como eu, e ouviria tais sinceros clamores, como eu os chamava. E assim, por várias vezes, quando me retirava para oração secreta, em grande aflição, eu voltava confortado; e desta forma procurava curar a mim mesmo com meus deveres.
Certa ocasião, em fevereiro de 1739, separei um dia para jejum e oração secretos, e passei aquele dia em clamores quase incessantes a Deus, pedindo misericórdia, para que Ele me abrisse os olhos para a malignidade do pecado e para o caminho da vida, por meio de Jesus Cristo. Naquele dia, Deus agradou-se em fazer, para mim, notáveis descobertas em meu coração. No entanto, continuei confiando na prática dos meus deveres, embora não tivessem nenhuma virtude em si, não havendo neles qualquer relação com a glória de Deus, nem tal princípio em meu coração. Contudo, aprouve a Deus, naquele dia, fazer de meus esforços um meio para mostrar-me, em alguma medida, minha debilidade.
Algumas vezes eu era grandemente encorajado e imaginava que Deus me amava e se agradava de mim, e pensava que em breve estaria completamente reconciliado com Deus. Mas tudo isto estava fundamentado em mera presunção, surgindo da ampliação nos meus deveres, ou do calor das afeições, ou de alguma boa resolução, ou coisas similares. E quando, às vezes, grande aflição começava a surgir baseada na visão da minha vileza e incapacidade de livrar a mim mesmo de um Deus soberano, então costumava adiar a descoberta como algo que não podia suportar. Lembro-me que, certa vez, fui tomado por uma terrível dor de aflição de alma; a ideia de renunciar a mim mesmo, permanecendo nu diante de Deus, despido de toda bondade, foi tão temível para mim que estive pronto a dizer, como Félix disse a Paulo: "Por agora podes retirar-te" (Atos 24.25).
Assim, embora diariamente anelasse por uma Maior convicção de pecado, supondo que tinha de perceber mais do meu temível estado para que pudesse remediá-lo, quando as descobertas do meu ímpio coração foram feitas, a visão era tão aterradora, e mostrava-me tão cristalinamente minha exposição à condenação, que não podia suportá-la. Eu constantemente esforçava-me por obter quaisquer qualificações que imaginava que outros obtiveram antes de receberem a Cristo, a fim de recomendar-me ao seu favor. De outras vezes, sentia o poder de um coração empedernido e supunha que o mesmo tinha de ser amolecido antes que Cristo me aceitasse; e quando sentia quaisquer enternecimentos de coração, então esperava que daquela vez a obra estivesse quase feita. E, portanto, quando a minha aflição permanecia, eu costumava murmurar contra a maneira como Deus lidava comigo, e pensava que quando outros sentiam seus corações favoravelmente amolecidos, Deus mostrava-lhes sua misericórdia para com eles; mas a minha aflição ainda permanecia.
Às vezes ficava desleixado e preguiçoso, sem quaisquer grandes convicções de pecado, e isso por considerável período de tempo; mas depois de tal período, algumas vezes as convicções me assediavam mais violentamente. Lembro-me de certa noite em particular, quando caminhava solitariamente, que delineou-se diante de mim uma tal visão de meu pecado, que temi que o solo se abrisse debaixo de meus pés e se tornasse a minha sepultura, mandando minha alma rapidamente ao inferno, antes que eu pudesse chegar em casa. Forçado a recolher-me ao leito para que outras pessoas não viessem a descobrir minha aflição de alma, o que eu muito temia, não ousei dormir, pois pensava que seria uma grande maravilha se eu não amanhecesse no inferno. Embora minha aflição às vezes fosse tão grande, todavia eu temia muito a perda de convicções, e de retroceder a um estado de segurança carnal e à minha anterior insensibilidade da ira iminente. Isto fazia-me extremamente rigoroso em meu comportamento, temendo entravar a actuação do Santo Espírito de Deus.
Quando, a qualquer momento, eu examinava minhas próprias convicções, julgando-as consideravelmente fortes, acostumei-me a confiar nelas. Mas essa confiança, bem como a esperança de em breve fazer alguns avanços notáveis na direcção do meu livramento, tranquilizava minha mente e logo tornava-me insensível e remisso. Mas de novo, quando notava que as minhas convicções estavam fenecendo, julgando que estavam prestes a abandonar-me, imediatamente me alarmava e afligia. Algumas vezes esperava dar uma larga passada, avançando muito na direcção da conversão, por meio de alguma oportunidade ou meio particular que tinha em vista.
Os muitos desapontamentos, as grandes aflições e perplexidades que experimentei deixavam-me em uma horrenda disposição de conflito com o Todo-Poderoso; e com veemência e hostilidade interiores achava falhas em suas maneiras de tratar com a humanidade. Meu coração iníquo por muitas vezes desejava algum outro caminho de salvação que não fosse por Jesus Cristo. Tal como um mar tempestuoso, com meus pensamentos confusos, eu costumava planejar maneiras de escapar da ira de Deus por alguns outros meios. Eu traçava projectos estranhos, repletos de ateísmo, planejando desapontar os desígnios e decretos divinos a meu respeito ou de escapar de sua atenção e ocultar-me d’Ele.
Mas ao reflectir vi que estes projectos eram vãos e não me serviriam, e que eu nada poderia criar para meu próprio alívio; isso jogava minha mente na mais horrenda atitude, desejando que Deus não existisse, ou desejando que houvesse algum outro deus que pudesse controlá-Lo. Tais pensamentos e desejos eram as inclinações secretas do meu coração, por muitas vezes actuando antes que pudesse dar-me conta delas. Infelizmente, porém, elas eram minhas, embora ficasse aterrorizado quando meditava a respeito delas. E quando reflectia, afligia-me pensar que meu coração estivesse tão cheio de inimizade contra Deus; e estremecia, temendo que sua vingança subitamente caísse sobre mim.
Antes costumava imaginar que meu coração não era tão mau quanto as Escrituras e alguns outros livros o descreviam. Algumas vezes, esforçava-me dolorosamente para moldar uma boa disposição, uma disposição humilde e submissa; e esperava que houvesse alguma bondade em mim. Mas, de súbito, a ideia da rigidez da lei ou da soberania de Deus irritava tanto a corrupção do meu coração, o qual eu tanto vigiara e esperava ter trazido à uma boa disposição, que tal corrupção rompia todas as ataduras e explodia por todos os lados, como dilúvios de águas quando desmoronam uma represa.
Sensível à necessidade de profunda humilhação a fim de ter uma aproximação salvadora, empenhava-me por produzir em meu próprio coração as convicções exigidas por tal humilhação, como, por exemplo, a convicção de que Deus seria justo se me rejeitasse para sempre, e que se Ele concedesse misericórdia a mim, seria pura graça, embora primeiro eu tivesse de estar aflito por muitos anos e muito atarefado em meu dever, e que Deus de modo algum estava obrigado a ter piedade de mim, por todas as minhas obras, clamores e lágrimas passadas.
Eu me esforçava ao máximo para trazer-me a uma firme crença nessas coisas e a um assentimento delas de todo o coração. E esperava que agora eu estaria livre de mim mesmo, verdadeiramente humilhado, e prostrado diante da soberania divina. Estava inclinado a dizer a Deus, em minhas orações, que agora tinha exactamente essas disposições de alma que Ele requeria, com base nas quais Ele mostrara misericórdia para com outros, e alicerçado nisto implorar e pleitear misericórdia para mim. Porém, quando não achava alívio e continuava oprimido pelo pecado e pelos temores da ira, minha alma entrava em tumulto, e meu coração rebelava-se contra Deus, como se Ele estivesse me tratando duramente.
Mas então minha consciência insurgia-se, fazendo-me lembrar de minha última confissão a Deus de que Ele era justo ao me condenar. E isso, dando-me uma boa visão da maldade de meu coração, jogava--me novamente em aflição; desejava ter vigiado mais de perto meu coração, impedindo-o de rebelar-se contra a maneira como Deus estava me tratando. E até mesmo chegava a desejar não ter pedido misericórdia com base em minha humilhação, porque, desse modo, perdera toda a minha aparente bondade. Assim, por muitas vezes inutilmente imaginava que estava humilhado e preparado para a misericórdia salvadora. E enquanto achava-me nesse estado mental aflito, confuso e em tumulto, a corrupção do meu coração mostrava-se especialmente irritada com as seguintes coisas.
1. A rigidez da lei divina. Descobri que me era impossível, apesar de meus extremos sofrimentos, atender às exigências dela. Com frequência tomava novas resoluções e, com a mesma frequência, as quebrava. Eu imputava tudo à falta de cuidado e à necessidade de ser mais vigilante; costumava chamar-me de tolo por minha negligência. Mas quando, com uma forte resolução e com Maiores esforços, e com muita aplicação ao jejum e à oração, descobria que todas as minhas tentativas falhavam, ficava contendendo com a lei de Deus como se fosse estupidamente rígida. Pensava que se ela se estendesse somente aos meus actos e meu comportamento externos, então poderia aguentá-la; mas descobri que ela me condenava por meus maus pensamentos e pelos pecados do meu coração, os quais eu não podia impedir.
Sentia-me extremamente relutante em admitir a minha total impotência nesta questão. Após repetidos desapontamentos, pensava que antes de perecer eu poderia fazer um esforço ainda um pouco Maior, sobretudo se estas ou aquelas circunstâncias acompanhassem meus esforços e tentativas. Eu esperava poder esforçar-me mais ardentemente do que nunca, se a questão chegasse a tornar-se extrema, embora nunca pudesse achar o tempo para fazer o meu máximo, da maneira como tencionava fazer. Essa esperança de circunstâncias futuras mais favoráveis, e de fazer algo grande dali por diante, guardava-me de um extremo desespero em ver-me caído nas mãos de um Deus soberano, dependendo exclusivamente de sua graça gratuita e ilimitada.
2. Um outro ponto que me irritava era que somente a fé era a condição da salvação, que Deus não baixaria jamais as suas condições, e que Ele não prometia vida e salvação baseado em minhas orações e esforços sinceros, feitos de todo o coração. Aquela declaração de Marcos 16.16: "Quem, porém, não crer será condenado", aniquilava todas as minhas esperanças ali mesmo. Descobri que a fé é um dom soberano de Deus, que eu não poderia obtê-la por mim mesmo, e que não poderia obrigar Deus a outorgá-la a mim, em troca de quaisquer das minhas realizações (Efésios 2.1-8). Eu estava pronto a dizer: "Duro é este discurso, quem o pode ouvir?" (João 6.60). Não podia suportar que tudo quanto eu tinha feito permanecia como nada, porquanto havia sido muito escrupuloso em meus deveres de forma bem consciente; tinha sido muito religioso durante tanto tempo, e, conforme eu pensava, feito muito mais do que muitos outros que já haviam obtido misericórdia.
Eu confessava, de fato, a vileza de meus deveres; mas então o que os fazia parecerem vis na ocasião era mais os meus pensamentos errantes do que o fato de estar eu todo contaminado como um demónio, sendo corrupta a fonte de onde eles fluíam, de tal maneira que me era impossível fazer qualquer coisa de bom. Por isso, eu denominava o que fazia de honestos esforços fiéis e não podia tolerar que Deus não tivesse feito qualquer promessa de salvação com base neles.
3. Uma outra coisa era que eu não podia descobrir o que era fé, ou o que era crer em Cristo e vir a Ele. Eu lia os convites de Cristo aos cansados e sobrecarregados; mas não conseguia descobrir nenhum caminho ao qual Ele os direccionava a vir. Pensava que viria alegremente a Cristo, se soubesse como, pois pensava que a vereda do dever nunca fora tão difícil. Li o livro de Stoddard, "Guia a Cristo" (que, conforme penso, foi o feliz instrumento, nas mãos de Deus, para a minha conversão). Mas o meu coração levantou-se contra o autor; pois embora ele me falasse directamente ao coração, o tempo todo sob convicção, parecendo ser muito benéfico em suas orientações, contudo, para mim ele falhava em uma particularidade: ele não me dizia qualquer coisa que eu pudesse fazer que me levaria a Cristo, mas deixava-me como se houvesse um imenso abismo entre Cristo e eu, sem qualquer orientação sobre como transpor esse abismo. Pois ainda eu não havia sido ensinado, eficaz e experimentalmente, que não pode haver nenhum caminho prescrito, a um homem natural, pelo qual ele possa, por suas próprias forças, obter aquilo que é sobrenatural, e que nem mesmo o mais elevado dos anjos pode dar.
4. Um outro ponto no qual encontrei grande oposição íntima era a soberania de Deus. Eu não podia tolerar que dependia inteiramente da vontade de Deus salvar-me ou condenar-me, conforme Ele quisesse. A passagem de Romanos 9.11-23 era uma constante importunação para mim, sobretudo o versículo 21. Ler ou meditar neste trecho destruía todas as minhas boas disposições; pois, quando pensava que estava quase humilhado, quase resignado, esta passagem resgatava minha inimizade contra Deus. E quando reflectia sobre a minha inimizade e blasfémia interiores, que afloravam nesta ocasião, ficava mais temeroso de Deus e distante de quaisquer esperanças de reconciliação com Ele. Isto dava-me uma terrível visão de mim mesmo, e eu temia, mais do que nunca, ver-me nas mãos de Deus, e cada vez mais sentia-me oposto a submeter-me à sua soberania, porquanto pensava que Ele decretara a minha condenação.
Em todo este tempo, o Espírito de Deus operava poderosamente em mim; e eu estava interiormente pressionado a desistir de toda autoconfiança, de toda esperança de ajudar a mim mesmo por quaisquer meios ao meu alcance. A convicção sobre o meu estado de perdição era, algumas vezes, tão clara e manifesta diante de meus olhos, que era como se me tivesse sido dito com todas as letras: "Está feito, está feito, é para sempre impossível livrares a ti mesmo".
Por três ou quatro dias, minha alma esteve grandemente abatida. Ocasionalmente, por alguns momentos, parecia-me que estava perdido e condenado, mas então retrocedia imediatamente da ideia, porquanto não ousava aventurar-me nas mãos de Deus, como alguém totalmente incapaz, à disposição de sua soberana vontade. Eu não ousava enfrentar aquela importante verdade acerca de mim mesmo — que estava "morto em delitos e pecados". Mas quando tinha em alguma ocasião como que jogado fora estas visões de mim mesmo, sentia-me aflito para ter novamente as mesmas descobertas de mim mesmo; pois temia deveras ser entregue a Deus para a estupidez irreversível. Quando pensava em adiar a questão para um "tempo mais conveniente", a convicção era tão poderosa e íntima que o tempo presente me parecia ser o melhor, e, provavelmente o único no qual eu não ousava pôr de lado tal questão.
Foi da visão da verdade sobre mim mesmo, do meu estado como uma criatura caída e alienada de Deus, sem poder reivindicar a misericórdia divina, mas à sua absoluta disposição, que a minha alma fugia e estremecia ao pensar em contemplar tal situação. Assim, aquele que pratica o mal, como fazem continuamente todos os homens irregenerados, odeia a luz da verdade, não procura vir a ela, porquanto a luz reprova os seus actos, e revela-lhe os seus justos merecimentos (João 3.20).
Algum tempo antes, eu tivera muito empenho, conforme pensava, para submeter-me à soberania de Deus. No entanto, entendi mal e não imaginava que ver e ser experimentalmente sensível a esta verdade, a qual agora minha alma muito temia, e tremia, era exactamente a atitude de alma que eu tão ardentemente havia desejado. Sempre havia esperado que, quando eu atingisse aquela humilhação que supunha ser necessário para preceder a fé, não seria justo que Deus, então, me rejeitasse. Mas agora eu via que reconhecer-me espiritualmente morto e destituído de toda bondade, estava muito distante de qualquer bondade que houvesse em mim, e que, ao contrário, minha boca seria para sempre fechada pela minha verdadeira condição; pois parecia-me espantoso ver a mim mesmo e a meu relacionamento com Deus — eu como um pecador e criminoso, Ele como o grande Juiz e Soberano — como seria para uma pobre e trémula criatura arriscar-se a descer por algum profundo precipício.
Assim sendo, adiava aventurar-me às mãos de Deus e buscava melhores circunstâncias para fazê-lo, tais como: se eu ler uma ou duas passagens bíblicas, ou orar primeiro, ou fizer algo dessa natureza; ou então adiar minha submissão a Deus com uma objecção, dizendo que não sabia como submeter-me a Ele. Mas a verdade era que não percebia qualquer segurança em atirar-me nas mãos de um Deus soberano, nem podia reivindicar qualquer coisa melhor do que a condenação.
Após um tempo considerável, passado em exercícios e aflições similares, certa manhã, enquanto caminhava num local solitário, de repente vi que todas as minhas artimanhas e projectos para efectuar ou procurar livramento e salvação por mim mesmo eram coisas inteiramente inúteis; e fui trazido a uma posição em que me achava totalmente perdido. Muitas vezes antes havia pensado que as dificuldades em meu caminho eram muito grandes; mas agora percebia, sob outra e mui diferente luz, que para sempre me seria impossível fazer qualquer coisa que me ajudasse ou libertasse. Então pensei em acusar a mim mesmo, no sentido que não fizera mais, não me engajara mais, enquanto tivera oportunidade — pois agora parecia-me como se a oportunidade de fazer algo tivesse terminado e ido para sempre — mas de pronto percebi que ter feito mais do que eu já fizera, em nada teria me ajudado; pois fizera todos os apelos possíveis que poderia ter feito por toda a eternidade, e todos foram vãos. O tumulto que antes tinha estado em minha mente, agora se aquietara; e senti-me um tanto aliviado daquela aflição que sentira quando lutava contra a visão de mim mesmo e da soberania divina. Eu tinha a Maior certeza de que, por mais que eu fizesse, o meu estado de alma continuaria miserável para sempre, e admirei-me que nunca tivesse percebido isso antes.
Enquanto permaneci nesse estado, minhas noções sobre os meus deveres eram bem diferentes daquilo que nutrira em tempos passados. Antes, quanto mais cumpria meus deveres, mais difícil achava que seria para Deus rejeitar-me, ainda que, ao mesmo tempo, eu confessasse e pensasse que percebia não haver qualquer bondade ou mérito em meus deveres. Agora, porém, quanto mais orava ou fazia qualquer dever, mais via que estava endividado com Deus, por Ele permitir-me pedir por misericórdia; pois notava que o egocentrismo tinha me levado a orar, e que nunca tinha orado uma vez sequer, motivado por qualquer respeito para com a glória de Deus. Agora percebia que não havia qualquer conexão necessária entre as minhas orações e a concessão da misericórdia divina; que elas não colocavam sobre Deus a mínima obrigação de conferir-me a sua graça; e que não havia mais virtude ou bondade nelas do que em tentar remar com as mãos (a comparação que naquele momento tinha em mente); e isso porque não eram feitas motivadas por qualquer amor ou consideração para com Deus. Percebi que vinha acumulando as minhas devoções diante de Deus, jejuando, orando, etc., fingindo, ou algumas vezes realmente pensando, que visava a glória de Deus, quando de fato eu não a buscava, mas somente a minha própria felicidade.
Vi que, como nunca havia feito qualquer coisa por Deus, não tinha reivindicação alguma em qualquer coisa d’Ele, a não ser a perdição por conta da minha hipocrisia e escárnio. Oh, quão diferentes pareciam agora os meus deveres do que costumavam parecer! Costumava atribuir-lhes pecado e imperfeição; mas isto acontecia somente por causa dos pensamentos vagos e vãos que os acompanhavam, e não por causa da falta de consideração por Deus, pois isto eu achava que tinha. Mas quando vi claramente que nada considerava a não ser meus próprios interesses, então meus deveres pareceram-me um vil escárnio de Deus, uma auto-adoração, e um caminho recoberto de mentiras. Notei que algo pior do que meras distracções tinha acompanhado os meus deveres; pois tudo não passava de auto-adoração, e um horrendo abuso de Deus.
Prossegui nesse estado mental desde sexta-feira pela manhã até à noite do sábado (12 de Julho de 1739), quando eu novamente caminhava naquele mesmo lugar solitário onde fui levado a ver-me como perdido e desamparado. Ali, num lamentoso estado melancólico, estava tentando orar, mas descobri que meu coração não queria envolver-se em oração ou cumprir qualquer outro dever. Agora havia sumido minha preocupação anterior, meus exercícios e afectos religiosos. Pensei que o Espírito de Deus havia me deixado totalmente. Porém, eu não me sentia angustiado; mas sentia-me desconsolado, como se nada, no céu e na terra, me pudesse fazer feliz.
Tendo assim estado me esforçando a orar por quase meia hora, embora, como pensei, isso fosse muito estúpido e insensato; então, quando caminhava num bosque espesso e escuro, uma glória indizível pareceu-me ter aberto os olhos e a compreensão de minha alma. Não estou falando de qualquer esplendor externo, porquanto não vi tal coisa; e nem quero referir-me a qualquer imaginário corpo de luz, em algum lugar no terceiro céu, ou a qualquer coisa desta natureza. Foi uma nova compreensão ou visão interior que tive de Deus, tal como nunca tivera antes, nem ainda qualquer coisa que tivesse a mínima aparência desta compreensão.
Permaneci quieto, admirado e maravilhado! Eu sabia que nunca antes percebera qualquer coisa comparável com aquilo, em excelência e beleza; foi algo totalmente diferente de todas as noções que tivera sobre Deus ou das coisas divinas. Não recebi compreensão particular de qualquer das pessoas da Trindade, quer o Pai, o Filho ou o Espírito Santo; mas parecia-me estar contemplando a glória divina. Minha alma rejubilou-se com uma alegria indizível, por contemplar tal Deus, um tal divino e glorioso Ser; e interiormente sentia-me deleitado e satisfeito, pelo fato de que Ele seria Deus sobre tudo e para todo sempre. Minha alma estava tão cativada e deleitada com a excelência, a amabilidade, a grandeza e outras perfeições de Deus, e estava tão absorvida nEle, que eu não pensava, conforme lembro, acerca de minha própria salvação, e mal reflectia que existia tal criatura como eu.
Foi assim que Deus, eu creio, trouxe-me à uma disposição, de todo o coração, de exaltá-Lo, de entronizá-Lo e de, suprema e finalmente, visar sua honra e glória como Rei do universo. Continuei nesse estado de alegria, paz e admiração até quase escurecer, sem qualquer sensível abatimento. Então comecei a pensar e a examinar o que eu tinha percebido; senti-me docemente sereno por toda a noite que se seguiu. Sentia-me em um mundo novo e tudo ao meu redor aparecia com um aspecto diferente do que aparecera antes.
Foi nesse tempo que abriu-se para mim o caminho da salvação, com tal sabedoria, conveniência e excelência infinitas, que cheguei a admirar-me de ter pensado de qualquer outra maneira a respeito da salvação; e admirei-me que não tivesse desistido mais cedo de minhas próprias astúcias e acedido a esse amorável, bendito e excelente caminho. Se eu tivesse sido salvo através de meus próprios deveres, ou por qualquer outro meio que tivesse inventado antes, agora toda a minha alma teria rejeitado tais meios. Admirei-me que o mundo inteiro não percebia e nem acedia ao verdadeiro caminho da salvação, totalmente baseado na justiça de Cristo.
A doce satisfação do que eu então senti, prosseguiu comigo por diversos dias, quase constantemente, em Maior ou menor intensidade. Eu não podia senão regozijar-me docemente em Deus, quando me deitava ou me levantava. No domingo seguinte senti algo do mesmo tipo, embora não tão poderoso quanto antes. Mas não muito depois, fui novamente envolvido por trevas e grande agonia; contudo, não no mesmo desespero que sentia quando sob convicção. Eu era culpado, estava temeroso e envergonhado para vir a Deus, e muitíssimo pressionado por um forte senso de culpa; mas, não demorou muito para que sentisse verdadeiro arrependimento e gozo em Deus.
No início de Setembro fui para a universidade [Yale College em New Haven, hoje Yale University] e me inscrevi ali; mas com algum grau de relutância, temendo que ali não seria capaz de levar uma vida estritamente piedosa, em meio a tantas tentações. Depois disto, antes que começasse as aulas, agradou a Deus visitar-me com mais claras manifestações de Si mesmo e de sua graça. Estava passando algum tempo em oração e auto-exame, quando o Senhor, por sua graça, resplandeceu de tal maneira em meu coração que desfrutei da plena certeza do seu favor. Minha alma foi indizivelmente refrigerada pelos divinos e celestiais prazeres. Foi especialmente nesta ocasião, assim como em algumas outras, que diversas passagens da Palavra de Deus abriram-se para minha alma com clareza, poder e doçura divinos, ao ponto de me parecerem notavelmente preciosas, com clara e certa evidência de serem elas a palavra de Deus. Desfrutei de considerável dulçor na religião, durante todo o inverno que se seguiu.
Em Janeiro de 1740 houve um grande surto de sarampo na universidade; e eu, que apanhei a doença, voltei para casa, em Haddam. Mas alguns dias antes de ter ficado doente, sentia-me muito desamparado e minha alma lamentava deveras a ausência do Consolador. Parecia-me que todo consolo se fora para sempre. Orava e clamava a Deus, mas não achava consolo e alívio. Mas através da benignidade divina, uma noite ou duas antes de cair doente, enquanto caminhava sozinho por um lugar bem retirado, ocupado em meditação e oração, desfrutei de uma doce e refrescante visita, vinda do alto, de tal modo que minha alma foi soerguida bem acima dos temores da morte. De fato, eu mais desejei a morte do que a temi. Oh, quão refrescante foi aquele período, mais do que todos os prazeres e delícias que a terra pode oferecer.
Um ou dois dias depois de ter sido tomado pelo sarampo, estive mui doente, de tal modo que quase desesperei da vida, mas não tive temores angustiosos da morte. Mediante a bondade divina logo me recuperei; todavia, devido ao árduo estudo e a estar muito exposto a interrupções como aluno do primeiro ano do curso, tinha pouco tempo para os meus deveres espirituais, e minha alma com frequência chorava, por necessidade de mais tempo e oportunidade para estar a sós com Deus. Na primavera e, no verão seguinte, tive melhores oportunidades de descanso e gozei mais consolo na religião, embora minha ambição em meus estudos prejudicasse bastante o vigor e as actividades de minha vida espiritual. Entretanto, usualmente ocorria comigo que "na multidão de meus pensamentos íntimos, o conforto de Deus deleitava principalmente a minha alma". Estas eram minhas Maiores consolações dia a dia.
Certo dia, penso que foi em Junho de 1740, caminhei até uma considerável distância da universidade, ficando sozinho nos campos e, em oração, encontrei tão indizível doçura e deleite em Deus que pensei que se tivesse de continuar neste mundo maligno, eu gostaria de estar sempre ali, para contemplar a glória de Deus. Minha alma amava ternamente a humanidade inteira, e anelava extraordinariamente que todos desfrutassem do que eu desfrutava. Parecia ser uma pequena semelhança do céu.
Em Agosto fiquei com a saúde tão abalada, por muita aplicação aos estudos, que fui aconselhado por meu professor a voltar para casa, desprendendo a minha mente dos estudos tanto quanto pudesse, pois havia me tornado tão débil que comecei a cuspir sangue. Aceitei o conselho dele e esforcei-me para pôr de lado os meus estudos. Pelo fato de estar em um péssimo estado de saúde, contemplei a morte face a face. Ao Senhor agradou dar-me renovadamente um doce prazer e senso das coisas divinas. Particularmente a 13 de Outubro, fui divinamente consolado e ajudado nos preciosos deveres da oração secreta e do auto-exame, e minha alma deleitou-se no Deus bendito — e da mesma forma a 17 de Outubro.
18 de Outubro. Durante minhas devoções matutinas, minha alma sentiu-se extremamente terna e lamentei amargamente minha grande pecaminosidade e vileza. Nunca antes havia tido um senso tão pungente e profundo da natureza odiosa do pecado, como nesta ocasião. Minha alma foi notavelmente envolvida pelo amor a Deus, e tive um vívido senso do amor de Deus por mim. Este amor e esperança, nesta ocasião, lançaram fora o temor.
Dia do Senhor, 19 de Outubro. Pela manhã, senti minha alma faminta e sedenta de justiça. Enquanto contemplava os elementos da Ceia do Senhor e meditava que Jesus Cristo agora era "revelado diante de mim como crucificado", minha alma encheu-se de luz e amor, de tal modo que quase estive num êxtase, enquanto meu corpo estava tão fraco que quase não podia ficar em pé. E, ao mesmo tempo, senti uma extrema ternura e o mais ardente amor para com toda a humanidade, de maneira tal que minha alma e todas as minhas energias, por assim dizer, pareciam derreter-se em ternura e doçura.
21 de Outubro. Tive experiência da bondade de Deus, em "derramar de seu amor em meu coração", dando-me deleite e consolo em meus deveres religiosos; e durante todo o resto da semana minha alma parecia atarefada nas coisas divinas. Agora eu tanto ansiava por Deus e por ser liberto do pecado que, quando senti que estava me recuperando e pensei que deveria voltar à universidade, a qual tinha se mostrado tão prejudicial aos meus interesses espirituais no ano anterior, não pude senão ficar preocupado, e preferiria morrer, pois afligia-me pensar em afastar-me de Deus. Mas antes de voltar, desfrutei de várias outras ocasiões, doces e preciosas, de comunhão com Deus (particularmente a 30 de Outubro e 4 de Novembro), nas quais minha alma gozou de indizível consolo.
Voltei à universidade em cerca de 6 de Novembro, e, pela bondade de Deus, senti o poder da religião quase diariamente, pelo espaço de seis semanas.
28 de Novembro. Na minha devoção nocturna, apreciei preciosas descobertas sobre Deus e fui indizivelmente confortado pela passagem de Hebreus 12.22-24. Minha alma desejava alçar vôo até ao paraíso de Deus; anelei conformar-me com Deus em todas as coisas. Um dia ou dois depois, muito me alegrei com a luz da face de Deus, na Maior parte daquele dia; e minha alma descansou em Deus.
9 de Dezembro. Senti-me em um confortável estado de espírito a Maior parte do dia, mas sobretudo durante minhas devoções vespertinas, quando a Deus agradou assistir-me e fortalecer-me maravilhosamente, de tal modo que pensei que coisa alguma jamais me afastaria do amor de Deus em Cristo Jesus, meu Senhor. Oh! uma hora com Deus ultrapassa infinitamente todos os prazeres e deleites deste mundo terreno.
Aproximando-se a parte final de janeiro de 1741, fiquei mais frio e embotado na religião por causa de minha velha tentação, a ambição nos meus estudos. Mas, devido à vontade divina, um grande e generalizado despertamento propagou-se pela universidade, já nos fins de Fevereiro, pelo qual fui muito estimulado, e engajei-me mais abundantemente na religião.
O Motivo Pelo Qual Brainerd foi Expulso
DA UNIVERSIDADE
Explicação de Jonathan Edwards
Esse despertamento ocorreu no começo daquele notável movimento religioso que então prevaleceu pelo país inteiro, do qual o Yale College compartilhou largamente. Durante treze meses, a partir desse tempo, Brainerd manteve um diário constante, com um relato minucioso do que aconteceu, dia após dia, perfazendo dois volumes de manuscritos. Mas quando jazia em seu leito de morte, deu ordens (que eu desconhecia até depois de sua morte) para que esses dois volumes fossem destruídos, inserindo uma nota, no começo dos manuscritos seguintes, dizendo que um exemplar de sua maneira de viver durante todo aquele período se acharia nas primeiras trinta páginas seguintes (terminando a 15 de Junho de 1742), exceto que agora ele seria mais "refinado de algumas imprudências e fervores intoleráveis" do que antes.
Uma circunstância na vida de Brainerd, que muito ofendeu aos diretores da universidade e ocasionou sua expulsão, é necessário que seja narrada aqui. Durante o despertamento na universidade houve vários estudantes religiosos que se associaram para diálogo e assistência mútua em questões espirituais. Os participantes costumavam abrir o coração livremente um para o outro, como amigos especiais e íntimos; e Brainerd fazia parte do grupo. Sucedeu certa vez que ele e mais dois ou três desses amigos íntimos estavam juntos no salão, depois que o Sr. Whittelsey, um dos professores, tinha orado na presença dos alunos e nenhuma outra pessoa permanecia agora no salão, exceto Brainerd e seus companheiros. Tendo o Sr. Whittelsey se mostrado incomumente patético em sua oração, um dos amigos de Brainerd, na ocasião, perguntou-lhe o que pensava do Sr. Whittelsey. E Brainerd respondeu: "Ele não tem mais graça do que esta cadeira". Um dos primeiranistas, que no momento estava perto do salão (embora não no interior do mesmo), ouviu por acaso estas palavras.
Ainda que esta pessoa não tivesse ouvido qualquer nome mencionado, e não soubesse quem fora assim censurado, informou a certa mulher na cidade, sem dizer-lhe ser sua própria suspeita, que Brainerd dissera aquilo acerca de um dos diretores da universidade. Ela então contou ao reitor, e este mandou chamar o primeiranista e fez-lhe indagações. O aluno disse ao reitor as palavras que ouvira Brainerd proferir e informou-o quem estivera no salão com Brainerd naquela ocasião. Com base nisto o reitor mandou chamá-los. Eles foram muito relutantes em prestar informações contra seu amigo acerca daquilo que consideravam como uma conversa particular, mormente porque ninguém, senão eles, tinha ouvido ou sabia acerca de quem Brainerd havia dito aquelas palavras. Contudo, o reitor compeliu-os a declarar o que ele dissera e acerca de quem falara.
Brainerd considerou-se muito maltratado na administração da questão; achou que ela fora injuriosamente extorquida dos seus amigos e, então, injustamente lhe foi requerido — como se fosse culpado de algum crime aberto e notório — fazer uma confissão pública e humilhar-se diante de toda a universidade, por aquilo que dissera apenas em conversa particular. Não concordando com esta exigência e tendo ido a uma reunião em New Haven, embora proibido disso pelo reitor, e também tendo sido acusado por uma pessoa de haver dito acerca do reitor que "admirava-se que o reitor não esperasse cair morto por haver multado os estudantes que seguiram o Sr. Tennent até Milford", embora não houvesse qualquer prova disso (e Brainerd sempre disse que não se lembrava de jamais ter falado qualquer coisa com aquele propósito), por causa dessas coisas, Brainerd foi expulso da universidade.
Até onde as circunstâncias e exigências daquele dia poderiam justificar tão grande severidade por parte dos directores da universidade, não tentarei determinar; pois o meu alvo não é trazer opróbrio sobre as autoridades da universidade, mas apenas fazer justiça à memória de uma pessoa que foi, eu acho, eminentemente um daqueles cuja memória é abençoada. — O leitor perceberá, na sequência (particularmente sob as datas de 14 e 15 de Setembro de 1743), quão cristã foi a maneira que Brainerd conduziu-se no tocante a essa questão. Ainda que ele sempre, enquanto viveu, julgou-se maltratado na administração desta questão, tendo sofrido por isso. Sua expulsão deu-se no inverno de 1742, estando ele no terceiro ano da universidade.
Capítulo 2
Do tempo em que começou a estudar teologia, até ser licenciado para pregar
Abril - Julho de 1742
Na primavera de 1742, Brainerd foi residir com o Pastor Mills, de Ripton, a fim de continuar seus estudos com ele, para a obra do ministério. Ali passou a Maior parte do seu tempo, até que foi licenciado para pregar; com frequência ia a cavalo visitar os ministros da vizinhança, sobretudo o Pastor Cooke, de Stratford, o Pastor Graham, de Southbury, e o Pastor Bellamy, de Bethlehem. Enquanto estava com o Pastor Mills, começou a escrever o terceiro livro de seu diário, do qual apresentamos os seguintes textos. - Jonathan Edwards
1o de Abril de 1742. Parece que estou em declínio no tocante à minha vida e ao fervor quanto às coisas divinas. Não tenho tido muito livre acesso a Deus em oração como costumava. Oh! Que Deus me humilhasse profundamente ao pó, perante Ele! Mereço o inferno a cada dia, por não amar mais ao meu Senhor, o qual, como creio, "me amou e a si mesmo se entregou por mim" (Gálatas 2.20). Cada vez que sou capacitado, renovadamente, a exercer qualquer graça, fico mais endividado com o Deus de toda a graça por sua assistência especial. "Onde, pois, a jactância?" Por certo, "foi de todo excluída" (Romanos 3.27), quando pensamos sobre quão dependentes somos de Deus pela nossa existência e por todo ato de sua graça. Oh! Se algum dia eu chegar ao céu, assim será porque agrada a Deus e nada mais; pois de mim mesmo nunca fiz qualquer coisa, senão afastar-me dEle! Minha alma ficará embevecida diante das insondáveis riquezas da graça divina, quando eu chegar nas mansões que o bendito Senhor foi preparar-nos.
2 de Abril. Em oração secreta, à tarde, senti-me muito resignado, calmo e sereno. Que são todas as tempestades deste mundo terreno se Jesus, por seu Espírito, vem caminhando por sobre as águas! — Algum tempo atrás tive muito prazer diante da perspectiva dos índios serem conduzidos a Cristo, e desejei que o Senhor me usasse nessa tarefa; mas agora, com Maior frequência, minha alma deseja morrer para estar com Cristo. Oh, que minha alma fosse envolvida pelo amor divino, que meus anelantes desejos por Deus se intensificassem! À noitinha fui refrigerado pela oração, nas esperanças do avanço do reino de Cristo no mundo. Dia do Senhor, 4 de Abril. Meu coração estava vagueante e sem vida. À noite, Deus deu-me fé em oração, fazendo minha alma enternecer-se em parte, e deu-me a provar uma doçura divina. Oh, meu Deus bendito! Deixe-me subir para bem perto dEle, e amá-Lo, e anelar por Ele, pleitear, lutar, e expandir-me até Ele, para libertação do corpo do pecado e da morte. Ai de mim! Minha alma lamenta ao pensar que pode perder de vista novamente o seu Amado. ' 'Amém. Vem, Senhor Jesus.''
À noitinha do dia seguinte, ele queixava-se que parecia estar vazio de todo o deleite das coisas divinas, sentia muito da prevalência da corrupção, e via em si mesmo uma disposição para todo o género de pecado. Isso trouxe uma mui grande tristeza à sua mente e lançou-o nas profundezas da melancolia, ao ponto de falar de si mesmo como pasmado, não tendo conforto, mas cheio de horror, não vendo consolo algum na terra ou no céu. - J.E.
6 de Abril. Fiz um passeio nesta manhã; tive um comovente senso de minha própria maldade; e clamei a Deus para limpar-me, para conceder-me arrependimento e perdão. Então comecei a achar doce o orar. Pude pensar sobre suportar, prazerosamente, os Maiores sofrimentos na causa de Cristo; pude achar-me disposto, se Deus assim o ordenasse, a sofrer banimento de minha terra nativa e estar entre os pagãos, para que pudesse fazer algo pela salvação deles, em aflições e morte de qualquer tipo. Então Deus permitiu-me lutar com fervor por outras pessoas, pelo reino de Cristo no mundo, e por queridos amigos crentes.
8 de Abril. Surgiram esperanças acerca dos pagãos. Oh, que Deus traga grandes números deles a Jesus Cristo! Não posso senão esperar que verei esse dia glorioso. Neste mundo, tudo me parece excessivamente vil e inferior; e assim pareço ser a mim mesmo. Hoje, tive uma pequena aurora de conforto em oração; e especialmente à noite, acho que tive alguma fé e poder de intercessão com Deus. Fui capacitado a pleitear pelo crescimento da graça em mim mesmo; e então muitos dos queridos filhos de Deus caíram com peso sobre meu coração? Bendito seja o Senhor! É bom lutar pelas bênçãos divinas.
10 de Abril. A Maior parte do meu tempo, em minhas devoções matinais, foi gasto sem sensível doçura; contudo, tive uma deleitosa esperança de chegar ao mundo celeste. Estou mais admirado do que antes diante de tais pensamentos; pois vejo a mim mesmo como infinitamente vil e indigno. Nenhuma criatura é tão carente da graça divina quanto eu, e ninguém tem abusado tanto dela quanto eu, e ainda assim o faço.
Dia do Senhor, 11 de Abril. Pela manhã parecia-me que tinha pouca vida; mas, de algum modo, meu coração dilatou-se em agradecimento a Deus por sua admirável graça e condescendência para comigo, nas influências e assistências do seu Espírito. Mais tarde, senti alguma doçura nos pensamentos de chegar ao mundo celeste. Oh, quando chegará aquele dia feliz? Após o culto público, Deus deu-me uma ajuda especial em oração; lutei com meu querido Senhor, e a intercessão tornou-se-me uma actividade deleitosa. À noitinha, quando olhava a aurora boreal, deleitei-me na contemplação da gloriosa manhã da ressurreição.
12 de Abril. Nesta manhã, o Senhor agradou-se em levantar a luz do seu rosto sobre mim, em oração secreta, e fez aquele momento muito precioso para a minha alma. Embora tenha me sentido tão deprimido antigamente, acerca de minhas esperanças de serviço futuro na causa de Deus, contudo, hoje fiquei muito encorajado. Fui especialmente ajudado a interceder e pleitear pelas pobres almas, e pela ampliação do reino de Cristo no mundo, e por uma graça especial para mim mesmo, a fim de preparar-me para serviços especiais. Minha fé elevou-me acima do mundo e removeu todas aquelas montanhas por cima das quais, no passado, eu não podia olhar. Não quis o favor dos homens para apoiar-me, pois sabia que o favor de Cristo é infinitamente melhor, e que a questão não é quando, nem para onde, e nem como Cristo me enviará, nem com quais provações Ele ainda me exercitará, se eu tiver de ser preparado para seu trabalho de acordo com a sua vontade.
14 de Abril. Minha alma ansiava por comunhão com Cristo, bem como pela mortificação da corrupção interior, especialmente o orgulho espiritual. Oh, um doce dia se aproxima, no qual "repousam os cansados!" (Jó 3.17). Minha alma tem gozado de muita satisfação, hoje, na esperança da rápida chegada daquele dia.
15 de Abril. Sentindo meus desejos centrados em Deus, tive grande atração de alma por Ele, em vários momentos do dia. Sei que anelo por Deus e pela conformidade com a sua vontade, pela pureza e santidade interiores, dez mil vezes mais do que por qualquer coisa terrena.
Dia do Senhor, 18 de Abril. Cedo pela manhã, retirei-me ao bosque para oração; tive a assistência do Espírito de Deus, e minha fé foi exercitada; fui capacitado a pleitear fervorosamente pelo avanço do reino de Cristo no mundo, e a interceder em favor de queridos amigos ausentes. Ao meio-dia, Deus permitiu-me lutar com Ele e sentir, como creio, o poder do amor divino em oração. À noite, vi-me infinitamente devedor a Deus e tive percepção de minhas falhas em meus deveres. Pareceu-me como se eu nada tivesse feito por Deus, e que tinha vivido para Ele apenas algumas horas durante toda a minha vida.
19
de Abril.
Dediquei este dia ao jejum e à oração a Deus,
pedindo a sua graça, especialmente para preparar-me para a obra do
ministério,
para dar-me ajuda e orientação divinas e, no tempo por Ele escolhido,
enviar-me à sua seara.
De acordo com isso, pela manhã
esforcei-me
por pleitear pela presença divina para o dia, e isso com certa manifestação
de vida.
Ainda pela manhã, senti o poder da intercessão pelas almas
imortais e
preciosas, pelo avanço do reino de meu querido Senhor e
Salvador no
mundo, e também senti a mais doce resignação, até mesmo
consolo e
alegria diante da ideia de sofrer dificuldades, aflições e a
própria
morte, na promoção do reino; senti minha alma expandir-se ao
rogar pela
iluminação e conversão dos pobres pagãos.
À tarde, Deus esteve comigo de verdade. Oh, realmente foi uma bendita companhia! Deus capacitou-me para agonizar em oração, ao ponto de eu ficar molhado de suor, embora estivesse na sombra e a brisa fosse fresca. Minha alma foi muito dilatada em favor do mundo; eu ansiava por multidões de almas. Penso que me preocupei mais pelos pecadores do que pelos filhos de Deus, embora sentisse que poderia passar a minha vida clamando por ambos. Tive grande gozo em comunhão com meu querido Salvador. Penso que nunca em minha vida senti tal desapego total deste mundo, e tão resignado a Deus em todas as coisas. Oh, que eu sempre viva para, e na dependência do meu Deus bendito! Amém, amém.
20 de Abril. Estou completando hoje vinte e quatro anos de idade. Oh, quanta misericórdia recebi no ano passado! Com quanta frequência Deus tem "feito a sua bondade passar diante de mim". E quão pobremente tenho respondido aos votos feitos um ano atrás, para ser totalmente do Senhor, para ser dedicado para sempre ao seu serviço! Que, no futuro, o Senhor me ajude a viver mais para a sua glória. Hoje tem sido um dia doce e feliz para mim; bendito seja Deus. Penso que minha alma nunca foi tão dilatada na intercessão por outros como sucedeu-me esta noite. Tive uma luta fervorosa com o Senhor em favor de meus inimigos; e dificilmente tanto desejei antes viver para Deus, dedicar-me totalmente a Ele; queria gastar minha vida em seu serviço e para a sua glória.
21 de Abril. Senti muita calma e resignação; e Deus, uma vez mais, capacitou-me a lutar por muitas almas, e deu-me fervor no doce dever da intercessão. De algum tempo para cá tenho podido desfrutar mais da doçura da intercessão pelo próximo do que de qualquer outro aspecto da oração. Meu bendito Senhor deveras tem-me permitido chegar mais perto dEle, a fim de fazer-Lhe minhas petições.
Dia do Senhor, 25 de Abril. Hoje pela manhã passei cerca de duas horas em deveres secretos, e fui capacitado, mais do que nunca, a agonizar pelas almas imortais. À noite eu estava muito enternecido com o amor divino e pude sentir algo da bem-aventurança do mundo superior. As palavras do Salmo 84.7 arrebataram-me com muita doçura divina: "Vão indo de força em força; cada um deles aparece diante de Deus em Sião". Como Deus, vez por outra, nos concede um acesso até bem perto dEle, em nossos apelos a Ele! Isso bem pode ser designado de "aparecer diante de Deus". De fato, assim sucede, em um verdadeiro sentido espiritual e no mais aprazível sentido. Penso que nestes vários meses não tenho tido tal poder de intercessão, tanto pelos filhos de Deus quanto pelos pecadores mortos, como tive nesta noite. Desejei e ansiei pela vinda de meu querido Senhor; desejei juntar-me às hostes de anjos em louvores, totalmente livre da imperfeição. Oh, o bendito momento se aproxima! Tudo quanto quero é ser mais santo, mais parecido com meu querido Senhor. Oh, quero muito a santificação! Minha própria alma anela pela completa restauração da bendita imagem de meu Salvador, a fim de que eu esteja pronto para os benditos aprazimentos e actividades no mundo celeste.
"Adeus, mundo vão; minha alma pode dar-te adeus.
MEU SALVADOR ensinou-me a abandonar-te.
Teus encantos podem satisfazer a uma mente sensual;
Mas não podem alegrar uma alma destinada a DEUS.
Reprime tua atracção; cessa de chamar a minha alma;
Está fixado pela graça: meu Deus será meu TUDO.
Enquanto Ele assim me permitir ver as glórias celestes,
Tuas belezas murcham, não há lugar para ti no meu coração."
O Senhor refrigerou-me a alma com muitos doces trechos de sua Palavra. Oh, a Nova Jerusalém! Minha alma deseja-a muito. Oh, o cântico de Moisés e do Cordeiro! E aquele cântico bendito que ninguém pode aprender, exceto os que foram "remidos da terra!"
"Senhor, sou aqui um estranho solitário;
A terra nenhum consolo verdadeiro pode oferecer;
Embora ausente de meu mais Querido,
Minha alma compraz-se em clamar: Meu Senhor!
Jesus, meu Senhor, meu único amor,
Possui minha alma e dali não te apartes,
Concede-me amáveis visitas, Pomba celestial:
Meu Deus terá então todo o meu coração."
27 de Abril. Levantei-me e retirei-me cedo para minhas devoções secretas; e, em oração, Deus agradou-se em derramar tão inefáveis consolos em minha alma que, por algum tempo, eu nada pude fazer senão dizer, por repetidas vezes: Oh, meu doce Salvador! a "quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra" (Salmo 73.25). Se tivesse mil vidas, minha alma jubilosamente as teria oferecido todas de uma vez, para estar com Cristo. Minha alma nunca antes gozou tanto do céu; foi o mais refinado e o mais espiritual período de comunhão com Deus que já experimentei.
28 de Abril. Dirigi-me ao meu lugar usual de retiro, em grande paz e tranquilidade, gastei duas horas em deveres secretos, e experimentei tanto quanto ontem pela manhã, apenas mais fraco e mais submisso. Eu parecia depender totalmente de meu querido Senhor, desvinculado de todas as outras dependências. Não sabia o que dizer ao meu Deus, mas somente reclinar em seu peito, por assim dizer, e exprimir os meus desejos por uma perfeita conformidade com Ele, em todas as coisas. Minha alma foi possuída por desejos sedentos de uma perfeita santidade e por anelos insaciáveis. Deus tornou-se tão precioso para mim que o mundo, com todos os seus prazeres, tornou-se infinitamente vil. Não tive mais consideração pelo favor dos homens do que teria pelas pedrinhas. O Senhor era meu Tudo, e saber que Ele governa tudo muito me deleitou. Penso que minha fé e dependência dEle jamais se elevaram tanto. Eu O vi como uma tal fonte de bondade que pareceu-me impossível que pudesse desconfiar dEle de novo, ou a estar de algum modo preocupado com qualquer coisa que pudesse me suceder.
Agora tenho grande satisfação ao orar por amigos ausentes e pela propagação do reino de Cristo no mundo. Muito do poder desses divinos aprazimentos permaneceu comigo durante o dia. A noitinha, meu coração parecia desfazer-se e creio que realmente fui humilhado por causa da corrupção interior, e "lamentei-me como uma pomba". Percebi que toda a minha infelicidade vem do fato que sou um pecador. Com resignação poderia dar boas-vindas a todas as outras provações; mas o pecado pende duramente sobre mim, pois Deus desvendou-me a corrupção de meu coração. Fui deitar-me com o coração pesado, por ser eu um pecador, posto que de modo algum tenha duvidado do amor de Deus. Oh, que Deus me "expurgasse de toda a minha escória e tirasse o meu metal impuro", fazendo-me dez vezes refinado!
1o de Maio. Pude clamar a Deus com grande fervor, por qualificações ministeriais, rogando-Lhe que se manifeste para o avanço de seu reino e que Ele atraia os pagãos. Fui muito ajudado em meus estudos. Para mim, esta tem sido uma semana proveitosa; e tenho desfrutado de muitas comunicações do bendito Espírito em minha alma.
13 de Maio (em Wethersfield). Percebi tanto da iniquidade do meu coração que desejei fugir de mim mesmo. Nunca antes pensei que houvesse tanto orgulho espiritual em minha alma. Senti-me quase pressionado a morrer com a minha própria maldade.
14 de Junho. Senti algo da doçura da comunhão com Deus, bem como a força constrangedora de seu amor; quão notavelmente esse amor cativa a alma, e faz com que todos os desejos e afectos centralizem-se em Deus! Separei este dia para jejum e oração secretos, para rogar a Deus dirigir-me e abençoar-me no tocante à grande obra que tenho em vista, — pregar o evangelho — e para que o Senhor volte para mim e, individualmente, "mostre-me a luz de seu rosto".
Tive pouca vida e poder pela manhã; pela metade da tarde Deus capacitou-me a lutar ardorosamente em intercessão por amigos ausentes; mas foi somente à noite que o Senhor me visitou maravilhosamente em oração. Penso que minha alma nunca esteve antes em tal agonia. Não senti empecilhos, pois os tesouros da graça divina foram abertos para mim. Lutei em favor de amigos ausentes, pela colheita de almas, por multidões de pobres almas, e por muitos que julgo serem filhos de Deus, em muitos lugares distantes. Estive em tal agonia de alma, de meia hora antes do pôr-do-sol até quase chegarem as trevas da noite, que fiquei todo molhado de suor. No entanto, pareceu-me que tinha desperdiçado o dia e que nada fizera. Oh, o meu querido Salvador suou sangue pelas pobres almas! Muito desejei ter mais compaixão pelas almas. Senti-me ainda em uma atitude meiga, debaixo de um senso do amor e da graça divinos; e recolhi-me ao leito com essa atitude, com o coração posto em Deus.
15 de Junho. Tive os mais ardentes anelos por Deus. Ao meio-dia, em meu retiro secreto, nada pude fazer senão dizer a meu querido Senhor, em doce calma, que Ele sabia que eu nada desejava a não ser Ele mesmo, nada senão santidade; que Ele mesmo me concedera esses desejos, e somente Ele poderia dar-me o que eu desejava. Eu nunca parecera estar tão desprendido de mim mesmo e estar tão completamente consagrado a Deus. Meu coração estava totalmente absorvido em Deus durante a Maior parte do dia. À noitinha tive uma visão de minha alma, como que sendo expandida para conter mais santidade, de modo que parecia pronta a separar-se de meu corpo. Em seguida, lutei em agonia pelas bênçãos divinas; tive meu coração dilatado em oração por alguns amigos crentes, além do que já tivera antes. Sentia-me diferente do que quando sob quaisquer gozos anteriores; mais empenhado a viver para Deus para sempre, e menos contente com minhas próprias disposições. Não estou satisfeito com minhas disposições, nem me sinto de qualquer modo mais à vontade depois dessas lutas do que antes, pois parece-me que tudo quanto faço é pouco demais. Quem me dera que sempre fosse assim. Oh, quão aquém eu fico da minha obrigação em meus mais doces momentos!
18 de Junho. Considerando minha grande inaptidão para a obra do ministério, minha presente falta de acção, e minha total inabilidade para fazer qualquer coisa para a glória de Deus naquela direcção e sentindo-me muito desamparado, e muito incerto sobre o que o Senhor quer que eu faça, separei este dia para orar a Deus e passei a Maior parte dele nesse dever; mas fiquei admiravelmente desamparado durante grande parte do tempo. Contudo, achei Deus graciosamente próximo, particularmente em certo momento. Enquanto rogava por mais compaixão pelas almas imortais, meu coração pareceu abrir-se imediatamente e fui capaz de clamar com grande veemência por alguns minutos. Oh, fiquei angustiado ao pensar que estava oferecendo um culto tão frio e morto ao Deus vivo! Minha alma parecia aspirar por santidade, uma vida de devoção permanente ao Senhor. Mas algumas vezes sinto-me quase perdido na busca dessa bênção, pronto a afundar-me, pois constantemente fico aquém, e perco de vista meu desejo. Oh, que o Senhor me ajude a aguentar, ao menos um pouco mais, até que chegue a hora feliz do livramento!
30 de Junho. Passei o dia sozinho no bosque, em jejum e oração; experimentei os mais temíveis conflitos de alma. Percebi-me tão vil que estava pronto a dizer: "Venha eu a perecer nas mãos de Saul" (1 Samuel 27.1). Pensei que não tinha forças para defender a causa de Deus, e quase tinha medo do sacudir de uma folha. Passei quase todo o dia em oração. Não podia tolerar a ideia dos crentes mostrarem respeito para comigo. Quase desesperei de fazer qualquer serviço no mundo: não pude sentir qualquer esperança de consolo no tocante aos pagãos, o que costumava dar-me algum refrigério nestas horas mais negras. Passei o dia em amargor de alma. Perto da noite, senti-me um tanto melhor; e mais tarde desfrutei de alguma tranquilidade em oração secreta.
1o de Julho. Nesta manhã tive algum prazer em minhas orações; e muito mais do que o usual, à noite, nada desejando tão ardentemente como o que Deus fizesse comigo como melhor Lhe agradasse.
2 de Julho. Senti-me tranquilo em oração secreta, pela manhã. Meus desejos ascenderam a Deus neste dia, enquanto eu viajava; senti-me confortável à noitinha. Bendito seja o Deus de todas as minhas consolações.
3 de Julho. Meu coração parecia ter afundado de novo. A vergonha à qual fui submetido na universidade pareceu amortecer-me o bom ânimo; pois ela abre as bocas dos opositores. Não encontrei refúgio senão em Deus. Bendito seja o seu nome, porquanto posso apelar a Ele e achar nEle um "socorro bem presente" (Salmo 46.1).
Dia do Senhor, 4 de Julho. Tive considerável ajuda. Retirei-me à noitinha e desfrutei de um feliz momento em oração secreta. Deus agradou-se em conceder-me o exercício da fé, e através dela trouxe o mundo eterno e invisível até bem perto de minha alma, o que me pareceu dulcíssimo. Tive esperança que minha cansativa peregrinação no mundo seria curta e que não demoraria muito até que eu fosse conduzido à minha casa celeste e à casa do Pai. Resignei-me a aceitar a vontade de Deus, a esperar pelo tempo dEle, a fazer o seu trabalho e a sofrer segundo a sua vontade. Senti gratidão a Deus por todas as minhas provações opressivas de ultimamente; pois estou persuadido que elas têm sido um meio de fazer-me mais humilde e muito mais resignado. Senti-me satisfeito por ser pequeno, por ser nada, por jazer no pó. Desfrutei da vida e do consolo ao rogar pelos queridos filhos de Deus e pelo reino de Cristo no mundo. E minha alma anelou fortemente por santidade e por prazer em Deus. Oh, Senhor Jesus, volta em breve.
29 de Julho. Prestei exames diante da Associação, reunida em Danbury, quanto aos meus conhecimentos e às minhas experiências no campo religioso, e recebi licença para pregar o evangelho de Cristo. Depois disso, senti-me muito consagrado a Deus; num local conveniente, uni-me em oração a um dos ministros, meu peculiar amigo, e acabei recolhendo-me ao leito resolvido a viver para Deus por todos os meus dias.
Capítulo 3
Do tempo de sua licença para pregar até ser indicado como missionário aos índios
Julho - Novembro de 1742
30 de Julho de 1742. Cavalguei de Danbury a Southbury, e preguei ali, com base em 1 Pedro 4.8, "Acima de tudo, porém, tende amor intenso". Senti muito a presença consoladora de Deus nessa prática. Parecia-me ter o poder de Deus na oração, bem como o poder de segurar a atenção dos ouvintes na pregação.
12 de Agosto (perto de Kent). Nesta manhã e na noite passada, fui exercitado com amargas provações interiores: não tinha poder para orar e parecia estar excluído, longe de Deus. Tive perdidas, em grande medida, minhas esperanças de ser enviado por Ele aos distantes pagãos, e de vê-los achegando-se a Cristo. Percebi muito de minha maldade, chegando a admirar-me que Deus me permitisse continuar vivendo, ou que o povo não me apedrejasse, ou que chegassem ao ponto de ouvir minha pregação. Senti como se nunca mais pudesse pregar; mas cerca das nove ou dez horas, o povo começou a chegar e fui forçado a pregar; e, bendito seja Deus, Ele me concedeu sua presença e seu Espírito na oração e na pregação, de tal modo que me senti muito amparado, tendo falado com poder, com base em Jó 14.14. "Morrendo o homem, porventura tornará a viver?" Alguns índios, ali residentes, clamaram em grande aflição, e todos pareceram muito preocupados. Depois de termos orado e de exortá-los a buscarem ao Senhor de forma constante, contratamos uma mulher inglesa para manter uma espécie de escola entre eles, e então voltamos a Danbury.
17 de Agosto. Extremamente deprimido no espírito, confrange-me e fere-me o coração pensar quanta auto-exaltação, orgulho espiritual e ardor de temperamento eu mesclara anteriormente com meus esforços para promover a obra de Deus. Algumas vezes tenho anelado por cair aos pés dos opositores e confessar que pobre e imperfeita criatura tenho sido e ainda sou. Que o Senhor me perdoe e, para o futuro, torne-me "prudente como as serpentes e símplice como as pombas" (Mateus 10.16). Depois, desfrutei de considerável consolo e deleite de alma.
19 de Agosto. Hoje, quando estava prestes a sair da casa do Pastor Bellamy, em Bethlehem, onde havia residido com ele por algum tempo, orei com ele e dois ou três outros amigos crentes. Dedicamo-nos a Deus de todo o coração para sermos dEle para sempre; e, enquanto eu orava, pareceu-me que a eternidade estava bem próxima. Se nunca mais visse aqueles crentes neste mundo, pareceu-me por alguns momentos que logo eu haveria de encontrá-los no outro mundo.
23 de Agosto. Tive um doce período de oração: o Senhor chegou bem perto de minha alma e encheu-me com paz e consolação divinas. Oh, minha alma saboreou da doçura celeste, e foi impelida a orar em favor do mundo para que ele viesse a Cristo! Muito fui consolado nos pensamentos e esperanças sobre a colheita dos pagãos, e muito fui ajudado em intercessão por amigos crentes.
1o de Setembro. Fui a Judeia para a ordenação do Pastor Judd. O Pastor Bellamy pregou baseado em Mateus 24.46: "Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim". Senti a solenidade do momento; meus pensamentos giraram sobre a ocasião do retomo de nosso Senhor, o que muito refrigerou a minha alma, embora eu tenha temido não ser achado fiel, em face da vileza de meu coração. Meus pensamentos demoraram-se na eternidade, onde anelo habitar. Bendito seja Deus por aquele solene momento. Cavalguei esta noite com o Pastor Bellamy, conversei com amigos até altas horas da noite, e então retirei-me para descansar com uma tranquila atitude mental.
4 de Setembro. Tenho gozado de pouca saúde, sentindo-me extremamente deprimido em minha alma, a uma incrível distância de Deus. Já perto da noite, por algum tempo fiquei meditando de modo mui proveitoso sobre Romanos 8.2, "Porque a lei do Espírito da vida..." Em seguida, passei um período muito deleitoso em oração. Deus permitiu-me lutar ardentemente pelo avanço do reino do Redentor; e roguei intensamente por meu próprio irmão, John [o qual, afinal, tornou-se sucessor de Brainerd como missionário entre os índios], pedindo que Deus o tornasse mais um peregrino e estrangeiro na terra, preparando-o para um serviço cristão singular no mundo; e meu coração exultou docemente no Senhor, ao reflectir sobre quaisquer aflições que sobreviessem a ele ou a mim, no progresso do reino de Cristo. Foi uma hora aprazível e consoladora para a minha alma, enquanto entregava-me livremente às petições, não só por mim mesmo, mas também por muitas outras almas.
16 de Setembro. A noite, desfrutei da presença de Deus em oração secreta; senti resignação notável para ser e fazer o que melhor agradasse ao Senhor. Alguns dias atrás, fiquei muito abatido por causa de minha conduta passada. Minha amargura e minha falta de amor e gentileza cristãos têm sido muito angustiante à minha alma. Que o Senhor perdoe minha mornidão não-cristã e essa falta de espírito humilde!
22 de Outubro. Senti-me estranhamente desligado do mundo neste dia; minha alma deleitou-se em ser um' 'peregrino e forasteiro na terra''. Senti uma disposição em mim de nunca ter qualquer coisa a ver com este mundo. O carácter atribuído a alguns dos antigos filhos de Deus, em Hebreus 11.13, pareceu-me muito digno de apreciação: "...confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra'', e isso em sua prática diária. Que assim eu sempre pudesse viver! Passei algum tempo em um bosque aprazível, em oração e meditação. Oh, quão bom é ser assim desligado de amigos e de mim mesmo, morto para o mundo presente, para que assim eu possa viver totalmente para, e dependendo do Deus bendito! Vi-me como alguém pequeno, baixo e vil, como sou em mim mesmo.
À tarde preguei em Bethlehem, baseado em Deuteronômio 8.2. "Recordar-te-ás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou..." Deus ajudou-me a falar aos corações daqueles queridos crentes. Bendito seja o Senhor por esta oportunidade; confio que eles e eu nos regozijaremos, por causa disso, por toda a eternidade. O querido Pastor Bellamy chegou (de volta de uma viagem) enquanto eu fazia minha primeira oração, e, após nos encontrarmos, saímos juntos, passando o anoitecer em um gostoso diálogo sobre as coisas divinas, orando com terno amor cristão mútuo, e então nos retiramos para dormir, com nossos corações em um solene estado de espírito.
26 de Outubro (em West Suffield). Estive em grande agonia sob um senso de minha própria indignidade. Pareceu-me mais que merecia ser expulso do lugar, e não que alguém me tratasse com gentileza e viesse ouvir-me pregar. De fato, estava de ânimo tão deprimido, naquelas horas (e em várias outras ocasiões), que me parecia impossível que pudesse tratar almas imortais com fidelidade. Sentia-me tão infinitamente vil em mim mesmo que pensei que não poderia tratá-las com fidelidade e intimidade. Oh, não passo de pó e cinzas, para pensar em pregar o evangelho aos outros! De fato, nunca poderei ser fiel por um momento sequer, mas certamente ficarei apenas "caiando paredes", no dizer de Ezequiel 13.10, se Deus não me outorgar ajuda especial. À noite fui à casa de oração, e pareceu-me quase tão fácil para um morto levantar-se do sepulcro e pregar, como o foi para mim. Entretanto, Deus deu-me vida e poder, tanto na oração quanto no sermão. O Senhor agradou-se em enlevar-me, mostrando que podia capacitar-me a pregar. Oh, a maravilhosa bondade de Deus para com um pecador tão vil! Voltei aos meus aposentos e desfrutei do dulçor da oração a sós, e lamentei que não pudesse viver mais para Deus.
4 de Novembro (em Lebanon). À tarde, recebi o senso da doçura de uma devoção estrita, íntima e constante a Deus, e minha alma foi confortada com as suas consolações. Minha alma sentiu uma preocupação agradável, mas dolorosa, temendo que passaria momentos sem Deus. Que eu possa sempre viver para Deus. À noite alguns amigos me visitaram, e passamos o tempo em oração e conversas que tendiam para a nossa edificação mútua. Foram momentos de consolo para minha alma; senti um intenso desejo de passar com Deus cada momento de minha vida. Deus é indescritivelmente gracioso para comigo, continuamente. No passado, Ele concedeu-me uma inexprimível doçura no cumprimento de meus deveres. Com frequência, minha alma tem desfrutado intensamente de Deus, sentindo-se pronta a dizer: "Senhor, é bom estar aqui", abandonando-se ao prazer, enquanto executo minhas tarefas. Ultimamente, porém, Deus tem-se agradado em manter minha alma faminta; e, por isso, tenho sido tomado por uma espécie de dor agradável. Quando, realmente, desfruto de Deus, sinto que meu anelo por Ele torna-se ainda mais insaciável e minha sede por santidade ainda mais inextinguível; e que o Senhor não me permite sentir como se estivesse plenamente suprido e satisfeito, mas mantém-me avançando. Sinto-me estéril e vazio, como se não pudesse viver sem mais de Deus, e sinto-me envergonhado e culpado diante dEle. Vejo que "a lei é espiritual, mas eu, todavia, sou carnal" (Romanos 7.14). Não vivo e nem posso viver para Deus. Oh, anelo por santidade! Oh, anelo por mais de Deus em minha alma! Oh, essa dor agradável! Ela faz minha alma seguir em busca de Deus. A linguagem dela é: "...quando acordar, eu me satisfarei com a tua semelhança" (Salmo 17.15), mas nunca, nunca antes disso. E, assim, "prossigo para o alvo" (Filipenses 3.14), dia a dia. Quem me dera poder sentir esta fome contínua, sem qualquer retardo, mas antes, sempre animado, por todo cacho colhido em Canaã, a avançar na vereda estreita, para o pleno aprazimento e possessão da herança celeste!
19 de Novembro (em New Haven). Recebi uma carta do Pastor Pemberton, de Nova York, convidando-me a ir até lá o mais breve possível, para consultas acerca da evangelização dos índios naquela região do país, e entrar em contacto com certos cavalheiros encarregados dessa actividade. Minha mente foi de imediato invadida por interesse pela questão; e retirei-me, com dois ou três amigos crentes, e pus-me a orar. Foram doces momentos para mim. Pude deixar com o Senhor tanto a mim mesmo como a todas as minhas preocupações; e, despedindo-me daqueles amigos, cavalguei até Ripton. Na oportunidade, fui consolado por ver e conversar com o querido Pastor Mills.
24 de Novembro. Cheguei a Nova York; continuo me sentindo muito preocupado quanto à importância das negociações. Fiz muitas petições fervorosas a Deus, pedindo sua ajuda e orientação. Senti-me confuso diante do ruído e do tumulto da cidade, e pude gozar apenas de pouco tempo a sós com Deus, mas minha alma anelou muito por Ele.
25 de Novembro. Passei muito tempo em oração e súplica. Fui submetido a exames acerca de minha experiência cristã, minha familiaridade com a teologia, e também acerca de outros estudos e minhas qualificações para a importante obra da evangelização dos pagãos,1 sensibilizando-me em face de minha profunda ignorância e incapacidade para o ministério público. Fui assaltado pelos mais aviltantes pensamentos sobre mim mesmo, sentindo-me o pior miserável que já viveu na terra. Meu coração doía quando alguém demonstrava algum respeito por mim. Infelizmente, quão tristemente tais pessoas estavam enganadas acerca de mim! Quão desgraçadamente desapontadas ficariam se me conhecessem por dentro! Oh, meu coração! E assim, nessa condição deprimida, fui forçado a ir pregar a uma considerável assembleia, na presença de alguns importantes e eruditos ministros; e o fiz sentindo a forte pressão do senso de minha vileza e despreparo para aparecer em público, ao ponto de quase me deixar dominar por tal senso. Minha alma entristecia-se pela congregação, por estarem ali para ouvir pregar um cão morto como eu. Sentia-me infinitamente endividado para com o povo, e ansiei que Deus os recompensasse com as recompensas de sua graça. E passei sozinho grande parte da noitinha.
CAPÍTULO 4
Do tempo de seu exame e indicação
até sua chegada entre
os índios
de Kaunaumeek
1742 – 1743
27 de Novembro. Entreguei
minha alma aos cuidados de Deus, sentindo algum consolo nisso. Parti de Nova
York cerca de nove horas da manhã, ainda perturbado com minha indizível falta
de dignidade. Por certo posso amar a todos os meus irmãos, pois nenhum deles é
tão vil quanto eu; sejam quais forem os seus acdtos, parece-me que ninguém
experimenta tanto senso de culpa diante de Deus. Oh, minhas más tendências,
minha esterilidade, minha carnalidade, meu antigo amargor de espírito, minha
falta de virtudes próprias do evangelho! Essas coisas me oprimem a alma.
Cavalguei de Nova York até White Plains, uma distância de quarenta e oito
quilómetros; e por quase todo o percurso continuei elevando meu coração a Deus,
rogando-lhe misericórdia e graça purificadora. Passei a noite muito abatido de
espírito.
10 de Dezembro. Minha alma
aspira por Deus, em doces desejos e anelos espirituais de conformação com Ele, sendo
levada a descansar em sua rica graça. Assim fui fortalecido e encorajado para
enfrentar ou sofrer qualquer coisa que a providência divina permita atingir-me.
Cavalguei por cerca de trinta e dois quilómetros, de Stratfield até Newtown.
11 de Dezembro. Conversei
com um amigo querido, ao qual eu tencionava proporcionar uma educação académica,
encarregando-me dela de modo a prepará-lo para o ministério do evangelho.1
Assim, familiarizei-o com as minhas ideias sobre o assunto, e deixei-o a
considerá-lo, até que nos pudéssemos ver de novo. Então cavalguei até Bethlehem
e cheguei à moradia do Pastor Bellamy; pernoitei com ele; conversamos e oramos
agradavelmente. Entregamos a Deus a preocupação de enviar meu amigo para
estudar na universidade. Bendito seja o Senhor por essa oportunidade de
conversarmos naquela noite.
Dia
do Senhor, 12 de Dezembro. Pela manhã, senti como se tivesse pouco ou nenhum poder para orar ou
pregar; e senti uma aflitiva
necessidade da ajuda
divina. Fui à reunião tremendo por dentro; mas agradou a Deus ajudar-me na
oração e no sermão. Penso
que raramente minha alma penetrara tanto no mundo imaterial, em qualquer oração
que já tenha feito, e que
nem minhas devoções jamais estiveram tão isentas de grosseiros conceitos e
imaginações, com base na contemplação de objectos materiais. Preguei, com
alguma satisfação, alicerçado sobre Mateus 6.33: "Buscai, pois, em
primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão
acrescentadas". À tarde preguei sobre Romanos 15.30: "Rogo-vos, pois,
irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo e também pelo amor do Espírito, que
luteis juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor". Entre os
ouvintes houve uma excelente reacção. Foi um agradável domingo para mim; e,
bendito seja Deus, tenho razão em pensar que minha religião tornou-se mais
espiritual por causa de meus recentes conflitos espirituais. Amém. Que eu
sempre me disponha a permitir que Deus use comigo os seus próprios métodos!
14 de Dezembro.
Minha mente ficou envolta por certa perplexidade; na noite
anterior, e também hoje pela manhã, fiquei preocupado pelos interesses de Sião,
especialmente por causa das falsas aparências de religiosidade, que mais
servem para criar confusão, principalmente em alguns lugares. Clamei a Deus
pedindo-Lhe ajuda e que me capacitasse a dar testemunho contra aquelas coisas
que, ao invés de promoverem, impedem o progresso da piedade vital. À tarde,
cavalguei até Southbury, conversando de novo com meu amigo sobre o importante
assunto de seguir ele na obra ministerial; ele me pareceu favoravelmente
inclinado a consagrar-se à obra, contanto que Deus o qualificasse para poder
obter sucesso nesse grandioso mister. À noite, preguei com base em 1
Tessalonicenses 4.8, esforçando-me para solapar, embora com ternura, a falsa religiosidade.
E o Senhor prestou-me alguma assistência nisso.
15
de Dezembro.
Pude manter algum diálogo confortante e refrescante para minha
alma, com amigos queridos, quando nos despedíamos uns dos outros, e chegamos a
pensar na possibilidade de nunca mais nos vermos, senão quando chegássemos ao
mundo eterno.2 Não duvido que, pela graça, alguns de nós em breve
nos reuniremos lá. Bendito seja Deus por esse encontro, bem como por vários
outros. Amém.
18 de Dezembro.
Passei muito tempo orando na floresta próxima, sentindo-me
como se tivesse sido erguido acima do nível das coisas deste mundo. Minha alma
fortaleceu-se no Senhor dos Exércitos, mas também tomei consciência de minha
lamentável esterilidade.
27 de Dezembro. Tive um período realmente precioso; meu coração muito se enterneceu diante
das coisas divinas, diante da pura espiritualidade da religião de Cristo Jesus.
À noite, preguei com base em Mateus 6.33, e senti muita liberdade, poder e
vigor: a presença de Deus foi fortemente sentida em nossa reunião. Oh, que
doçura e ternura
senti em minha alma! Se nunca eu sentira a disposição mental de Cristo,
penso que agora a experimentei. Bendito seja o meu Deus, raramente tenho
desfrutado de um dia de Maior consolo e
proveito do que hoje. Oh, se pudesse passar todo o meu tempo a
serviço de Deus!
14 de Janeiro de 1743.
Meus conflitos espirituais, hoje, foram indizivelmente temíveis, mais pesados
do que as montanhas e os dilúvios inundantes. Fui privado de todo senso da
presença de Deus, e até do ser de Deus; e
nisso consistiu a minha miséria. Os tormentos dos condenados, estou
certo, consistirão em muito na privação de Deus, e, em consequência, na
ausência de todo bem. Isso ensinou-me a absoluta dependência de toda
criatura a Deus, o Criador, quanto a cada migalha de felicidade de que ela
goza. Oh, sinto que, se Deus não existisse, eu teria de viver aqui para sempre,
gozando não somente deste mundo, mas até de todos os outros, e seria dez mil vezes mais
miserável do que um réptil.
Dia do Senhor, 23 de Janeiro.
Penso que dificilmente já me sentira antes tão indigno de
existir como agora. Percebi não ser digno de ocupar lugar entre os índios, para
o meio dos quais estou me dirigindo, se Deus permitir, pensando que ficaria
envergonhado de olhá-los no rosto, e
mais ainda de receber deles algum respeito. De fato, sinto-me como
que banido da terra, como se todos os lugares fossem bons demais para um tão
grande miserável como eu. Pensei que deveria ter vergonha de dirigir-me até
mesmo aos selvagens da África, pois me considero uma criatura imprestável para
qualquer coisa, quer no céu quer na terra. Ninguém sabe, senão aqueles que o
experimentam, aquilo que a alma suporta, quando é sensivelmente separada da
presença de Deus. Desafortunadamente, isso é mais amargo do que a morte.
2 de Fevereiro. Preguei na
noite passada o meu sermão de despedida, na casa de um idoso homem, incapacitado de
frequentar há algum tempo o culto público. Nesta manhã, passei parte do tempo
em oração. Tendo-me despedido dos amigos, parti em minha jornada até ao território
dos índios, embora tivesse de passar primeiro algumas semanas em East Hampton,
em Long Island, para despedir-me dos representantes, pois o inverno é
considerado desfavorável para o início da missão.
12 de Fevereiro (em East
Hampton). Obtive um pouco mais de consolo espiritual; pude meditar com grande
equilíbrio
mental; e, especialmente à noite, senti minha alma mais refrigerada em oração,
como há algum tempo não acontecia. Minha alma parecia poder valer-se da
"força de Deus", e foi
consolada com as suas consolações. Oh, quão deleitosos são certos vislumbres da
glória divina! quão fortalecedor e vivificador!
15 de Fevereiro.
No começo do dia senti algum consolo; depois fui dar um passeio numa
floresta das proximidades, e tive a forte impressão de ser um alienígena na
terra, mais do que em qualquer outra
oportunidade
— morto para qualquer
aprazimento do mundo. À noite passei pelo dulçor divino da oração secreta. Deus
foi então a minha porção e a minha alma elevou-se acima daquelas águas profundas
até onde havia me afundado ultimamente. Minha alma então clamou em favor de
Sião, deleitando-me ao assim fazer.
17 de Fevereiro.
Preguei hoje numa pequena aldeia, em East Hampton. Deus agradou-se
em dar-me muito de sua graciosa presença e ajuda, de tal modo que falei com
liberdade, ousadia e algum poder. A noite passei algum tempo com um querido
amigo crente, e senti-me sério, à beira da eternidade. Nossa entrevista foi,
realmente, um pequeno emblema do próprio céu. Percebo que minha alma está mais
refinada, mais desligada de minha anterior dependência às minhas atitudes e sentimentos
espirituais.
18 de Fevereiro. Tive algum
gozo a Maior parte do dia, achando acesso fácil ao trono da graça. Bendito seja o Senhor
por quaisquer intervalos de deleite e serenidade celestiais, enquanto estou
engajado no campo de batalha. Que pudesse eu ser sempre sério, solene e vigilante,
enquanto continuo neste mundo! Tive alguma oportunidade de ficar a sós com
Deus, e senti liberdade para estudar. Oh, anelo viver para Deus.
Ao que parece, durante as duas
semanas subsequentes, Brainerd gozou, a Maior parte do tempo, de muito consolo
e paz espirituais. Em seu diário, quanto a esse período de tempo, foram registadas
coisas como as seguintes: pesar diante do pecado habitando nele,
despreendimento do mundo, anelo por Deus e de viver para sua glória,
desejos que enterneciam o coração por seu lar eterno, dependência fixa de Deus
como seu auxílio, experiência de muita ajuda divina no exercício privado e
público de sua religião, força interior e coragem no serviço prestado a Deus,
frequente refrigério de alma, o consolo e a doçura divina na meditação, na
oração, na pregação e em simples conversas com outros crentes. E, com base em
seu diário, parece que esse espaço de tempo foi cheio de grande diligência e
ardente desejo de servir a Deus, no estudo, na oração, na meditação, na
pregação, na instrução particular e no aconselhamento. -
J.E.
7 de Março.
Nesta manhã, quando
me levantei, notei que meu coração buscava a Deus, querendo ardentemente
conformar-me com Ele. Em oração secreta, senti-me deliciosamente vivificado,
inclinado a louvar a Deus por causa de tudo quanto Ele tem feito por mim, sem
excetuar minhas provações internas e minhas dificuldades recentes. Meu coração
atribuiu glória, glória, glória ao Deus bendito! e estava disposto a acolher,
uma vez mais, toda aflição no íntimo, se a Deus parecesse bem exercitar-me por
esse intermédio. O tempo parecia-me curto, e a eternidade bem próxima. Pensei
que, com paciência e bom ânimo,
poderia
suportar qualquer coisa em favor da causa de Deus; pois percebi que bastaria um
momento para levar-me a um mundo de paz e bem-aventurança. Minha alma,
mediante a força do Senhor, elevou-se muito acima deste mundo inferior, com
todos os seus vãos entretenimentos e com todos os seus temíveis
desapontamentos.
Dia do Senhor, 13 de Março.
Ao meio-dia, pensei
que me seria impossível pregar, em razão de minha debilidade física e de uma
sensação de morte no íntimo. Na primeira oração, sentia-me tão fraco que quase
não conseguia permanecer de pé; mas quando comecei a pregar, Deus veio
fortalecer-me, pelo que fiquei pregando por quase hora e meia com notável
liberdade, clareza e um suave poder, baseado no trecho de Génesis 5.24:
"Andou Enoque com Deus..." Fui docemente ajudado ao insistir que o
crente precisa andar bem próximo de Deus, deixando esse pensamento como
conselho final para o povo de Deus que me ouvia, insistindo que deveriam
"andar com Deus". Que o Deus de toda a graça confira êxito a meus
pobres labores neste lugar!
14 de Março.
Pela manhã estive
muito ocupado em preparativos para a minha viagem, e estive quase continuamente
ocupado em orações fervorosas. Cerca de dez horas, despedi-me do querido povo
de East Hampton; meu coração lamentou-se e entristeceu-se, embora, ao mesmo
tempo, tenha se regozijado. Cavalguei quase oitenta quilómetros até certo ponto
de Brook Haven, onde me alojei, entrando em uma tonificante conversa com um
amigo crente.
Dois dias mais tarde, Brainerd
chegou a Nova York; mas queixando-se de muita improdutividade e senso de apatia
pelo caminho. Ficou um dia em Nova York, e então, na sexta-feira, partiu para a
residência do Sr. Dickinson, em Elizabeth Town. - J.E.
Dia do Senhor, 20 de Março.
Preguei um pouco
antes do meio-dia. Deus outorgou-me alguma ajuda, permitindo-me falar com real
ternura, amor e imparcialidade. Preguei novamente à noitinha; e Deus teve por
bem ajudar a um pobre verme. Bendito seja Deus, pois fui capacitado a falar com
vida, poder e desejo que o povo de Deus fosse edificado, e também, com algum
poder, dirigi-me aos perdidos. À noite mantive-me vigilante, a fim de que de
modo algum meu coração se afastasse de Deus. Oh, quando chegarei àquele mundo
bendito onde cada faculdade de minha alma estará incessante e eternamente empregada
em actividades e aprazimentos celestes, no mais elevado grau!
Na segunda-feira, Brainerd foi até Woodbridge, Nova
Jersey, onde encontrou-se com os representantes, os quais, ao invés de enviá-lo
aos índios de Forks of Delaware, como combinado, orientaram-no para que fosse
ao encontro de alguns índios, em Kaunaumeek, um lugar do
Estado de Nova York, na floresta entre Stockbridge e Albany. Essa
alteração
nos planos foi motivada por duas coisas: (1) Os representantes tinham recebido
informações sobre alguma contenção entre os civilizados e os índios do
Delaware, acerca de seus territórios, que eles supunham poderia servir de
obstáculo ao sucesso de uma missão entre os índios, naquela ocasião. (2) Havia
algum rumor, recebido da parte do Pastor Sergeant, missionário entre os índios
em Stockbridge, a respeito dos índios de Kaunaumeek, e uma esperançosa
perspectiva de sucesso que um missionário evangélico poderia obter entre eles.
No dia seguinte, Brainerd partiu para Kaunaumeek, chegando na casa
do Pastor Sergeant, em Stockbridge, a 31 de Março. - J.E.
Notas:
1 Tendo Brainerd passado a ocupar-se como
missionário
entre os índios, e visto que uma propriedade lhe fora deixada por seu pai,
julgou que não havia como empregar com Maior fidelidade a mesma, para a glória
de Deus, senão custeando a educação de certos jovens talentosos e piedosos,
preparando-os para o ministério. O jovem aqui aludido foi escolhido para esse
propósito, e educado às custas de Brainerd, enquanto viveu o seu benfeitor, concluindo
o seu terceiro ano na universidade.
2 Havia sido resolvido
pelos representantes, que comissionaram Brainerd como missionário, que ele deveria
ir, logo que lhe fosse conveniente, aos índios que viviam perto do Rio Forks
of Delaware, e aos índios do Rio Susquehanna. A distância desses locais e a sua
exposição a muitas durezas e perigos foram os motivos dele despedir-se dessa
maneira.
CAPÍTULO 5
Do início de seu ministério aos índios em Kaunaumeek
até sua ordenação
1743 – 1744
1º de Abril de 1743.
Cavalguei até Kaunaumeek, na floresta,
cerca de trinta e dois quilómetros de Stockbridge, e a cerca de igual distância
de Albany, onde vivem os índios que me interessa evangelizar. Fiquei alojado
com um escocês pobre, a pouco menos de dois quilómetros e meio distante deles.
O quarto era de troncos de árvores, sem soalho. Coube-me descansar sobre um
monte de palha. Assaltaram-me temores, como se não houvesse Deus para quem
pudesse apelar. Oh, que Deus me ajude!
7 de Abril.
Minha impressão é que sou extremamente ignorante, fraco, impotente,
indigno, incapaz de realizar a minha tarefa. Era como se jamais pudesse prestar
qualquer serviço, como se nunca pudesse obter êxito entre os índios. Minha alma
estava cansada de minha vida; anelava pela morte, quase sem poder conter-me.
Quando pensava sobre alguma alma piedosa que havia partido, minha alma invejava
tal privilégio, pensando: "Oh, quando chegará a minha vez? mas antes
terão de passar-se anos!" Porém, reconheço que esses ardentes desejos,
naquela e em outras ocasiões, originavam-se, pelo menos em parte, de minha
falta de resignação a Deus, no tempo de minhas misérias, ou seja, eu estava
impaciente. Mas ao aproximar-se a noite, entreguei-me ao exercício da fé, em
oração, e consegui escrever alguma coisa. Oh, que Deus me conserve perto dEle!
Dia do Senhor, 10 de Abril.
Levantei-me
cedo pela manhã e saí do alojamento, tendo passado um tempo considerável na
floresta, entregue à oração e à meditação. Preguei aos índios, tanto antes do
meio-dia como à tarde. Eles comportaram-se com sobriedade, em geral, e dois ou
três deles, em particular, pareciam ter interesse espiritual. Assim, conversei
individualmente com eles. Um deles, uma índia, disse-me que seu coração havia
chorado desde que me ouvira pregar pela primeira vez.
16 de Abril.
À tarde preguei à
minha própria gente; mas sentia-me mais desencorajado com eles do que antes,
temendo que jamais poderia fazer algo por eles com qualquer efeito feliz.
Retirei-me e derramei minha alma diante de Deus, pedindo-Lhe misericórdia, mas
não consegui nenhum alívio sensível. Pouco depois, chegaram dois homens ímpios,
com o propósito, segundo disseram, de ouvir-me pregar no dia seguinte; mas
ninguém pode expressar como me sentia com a conversa profana deles. Oh,
como desejei que algum crente querido tomasse conhecimento de minhas
dificuldades. Entrei numa espécie de choupana, e ali gemi diante de Deus,
apresentando-Lhe minha queixa; senti gratidão a Deus, com acção de graças,
porquanto Ele, como reconheci através de sua graça, me fizera diferir daqueles
homens.
Dia do Senhor, 17 de Abril.
Pela manhã, assim que acordei, senti o coração agoniado, pois
ouvia muita coisa acerca do mundo e das coisas dele. Percebi que os homens, de
alguma maneira, estavam receosos de mim; falei sobre santificar o domingo, pois
talvez aquilo devolvesse alguma sobriedade às suas mentes; mas quando estavam a
pequena distância de mim, tornaram a conversar livremente sobre assuntos
mundanos. Oh, pensei, que inferno seria conviver com tais homens por
toda a eternidade! O Senhor concedeu-me alguma ajuda na pregação, durante o dia
todo, e, alguma resignação e um pouco de consolo em oração, à noite.
19 de Abril.
Pela manhã tive o privilégio de um doce repouso e descanso em Deus,
sentindo-me fortalecido na minha confiança nEle. Minha alma até certo ponto
descansou no refrigério e consolo recebidos. Passei a Maior parte do dia
escrevendo, e tive algum exercício da graça, sensível e confortante. Minha alma
parecia elevada acima das águas profundas onde, durante longo tempo,
estava prestes a afundar. Fui tomado por anelos espirituais, suspirando por
Deus; acabei engajado no avanço do reino de Cristo em minha própria alma.
20 de Abril. Separei este dia
para jejum e oração, inclinando minha alma diante de Deus com o fim de receber
mais da sua graça, sobretudo para que toda a minha aflição espiritual e
inquietude interior fossem santificadas para a minha alma. Também esforcei-me
para relembrar a bondade que Deus demonstrara para comigo no ano passado,
sendo este o dia de meu aniversário. Tendo obtido a ajuda divina, tenho vivido
até este ponto, chegando à idade de vinte e cinco anos. Minha alma dói diante
de minha esterilidade e inércia, diante do fato que tenho vivido tão pouco para
a glória do Deus eterno. Passei o dia sozinho, na floresta, e ali derramei
minha queixa diante de Deus. Oh, que para o futuro Deus me capacite a viver
para a sua glória!
10 de Maio. Encontro-me no mesmo
estado mental em que tenho vivido por algum tempo: extremamente oprimido pelo
senso de culpa, contaminação e cegueira. "Por que hei de eu temer nos dias da
tribulação, quando me salteia a iniquidade dos que me perseguem?" (Salmo
49.5). Os pecados de minha mocidade pareciam postos em ordem diante de mim,
como uma carga pesadíssima, pesada demais para suportá-la! Quase todos os actos
de minha vida passada pareciam-me manchados pelo pecado e pelo senso de culpa;
e aqueles que pratiquei com Maior rebeldia, agora me enchem de vergonha e
confusão, ao ponto de não poder levantar o meu rosto. Oh, orgulho, egoísmo,
hipocrisia, ignorância, amargura, partidarismo, bem como a falta de amor,
candura, mansidão e gentileza que têm acompanhado minhas tentativas de promover
os interesses religiosos; e isso quando tenho razão de esperar que tenha
recebido a ajuda do alto, algum doce relacionamento com o céu! Infelizmente,
porém, quanta mistura de corrupção tem maculado os meus melhores deveres!
18 de Maio. Minhas circunstâncias são tais que
não disponho de qualquer tipo de conforto, senão o que tenho em Deus. Vivo na
mais solitária floresta; e só há uma pessoa que pode falar inglês e conversar
comigo.1 Quase tudo quanto ouço falar é escocês ou indígena. Não
conto com nenhum crente com quem possa desabafar, abrindo-me quanto à minha
tristeza espiritual, com quem possa aconselhar-me acerca das realidades
espirituais, ou com quem possa unir-me em oração. Minha vida carece de todos os
confortos da vida; minha dieta consiste principalmente em milho cozido, pudim
de farinha, etc. Durmo sobre um monte de palha, meu trabalho é duro e
extremamente difícil, e não parece que esteja obtendo sucesso, o que poderia
animar-me. Os índios não têm um território que possam ocupar, senão as terras
que os holandeses reclamam, e estes ameaçam expulsá-los. Os holandeses não se
importam com as almas dos pobres índios, e até onde me foi possível
perceber, eles me odeiam porque vim pregar para os selvagens. Porém, o que mais
me torna difícil a existência é que Deus oculta seu rosto de mim.
20 de Maio. Fiquei muito abatido
durante boa parte do dia; mas quando a noite já ia caindo, meditei sobre Isaías
40.1, e me consolei. "Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso
Deus." Pude adoçar meu espírito em oração. Depois disso, minha alma alçou voo
até muito acima das águas profundas, de tal maneira que ousei regozijar-me em
Deus. Percebi que tinha motivo suficiente de consolação no Deus bendito.
Na segunda-feira, 30 de Maio,
Brainerd viajou a Nova Jersey a fim de consultar os representantes, e obter
autorização
para fundar uma escola entre os índios, em Kaunaumeek, e para que o seu intérprete
fosse nomeado professor. E assim sucedeu. Então, partiu de Nova Jersey para New
Haven, onde chegou a 6 de Junho, uma segunda-feira. Tentou uma reconciliação
com o corpo docente da universidade, e visitou seus amigos daquela região. Em
sua viagem de volta para casa, manteve-se numa atitude de mente bastante
confortável. No sábado,
no caminho de Stockbridge para
Kaunaumeek, perdeu-se no mato, e passou a noite inteira a céu aberto.
Felizmente, encontrou de novo o caminho ao amanhecer, e chegou onde estavam
seus índios no domingo, 12 de Junho, tendo pregado entre eles com grande
proveito como nunca fizera antes, desde que chegara ali.
Daquele tempo em diante, esteve
sujeito a variadas atitudes e exercícios mentais, em geral mais ou menos como
vinha lhe sucedendo, desde que pela primeira vez chegara a Kaunaumeek, até que
ocupou sua própria casa (uma pequena cabana, que levantara com suas próprias
mãos, com longo e árduo labor). Também descobriu que a distância da família com
quem se hospedara a início, impedia-o de muitas oportunidades favoráveis de
acesso aos índios, sobretudo de manhã e à noite. Após cerca de três meses,
mudou-se dali e passou a viver em companhia dos índios, numa das tendas deles.
Ali continuou residindo por cerca de um mês, quando então terminou a pequena
casa sobre a qual ele aqui faz menção.
Embora se sentisse muito
desanimado durante a Maior parte desse tempo, contudo houve muitas interrupções em seu estado de
melancolia, com alguns breves períodos de consolo, doce tranquilidade e
resignação mental, e gozou de frequente ajuda especial de Deus, a julgar pelo
seu diário. A maneira como sua tristeza foi aliviada, certa ocasião, é digna de
ser mencionada com as próprias palavras dele. - J.E.
25 de Julho.
Pouco ou nenhum resultado tenho obtido acerca de uma vida de
santidade. Já estava prestes a renunciar à minha esperança de viver para Deus.
Quão tenebroso pareceu-me pensar em existir sem santidade, eternamente! Era
algo que não conseguia suportar. O clamor de minha alma era o mesmo do Salmo
65.3: "...prevalecem as nossas transgressões". Mas de alguma forma
senti alívio, face à consoladora meditação sobre a eternidade de Deus, um Ser
que nunca teve começo. Com base nisso, fui levado a admirar mais ainda sua
grandeza e poder, de tal maneira que parei e louvei ao Senhor em razão de suas
próprias glórias e perfeições. E ainda que eu continuasse a ser (e se
continuasse sendo, para sempre) uma criatura profana, minha alma sentia-se consolada
por apreender o Deus eterno, infinito, poderoso e santo.
30 de Julho.
No início da noite, mudei-me para minha própria casa, e alojei-me
para passar a noite. Descobri que ali era muito melhor do que passar o tempo
sozinho na tenda índia onde eu residira antes.
Dia do Senhor, 31 de Julho.
Senti-me mais confortável do que há alguns dias passados. Bendito
seja o Senhor, que agora me deu um lugar para onde eu posso me retirar. Oh, que
aqui eu possa encontrar Deus, e
que Ele resida comigo para sempre!
1o de Agosto.
Continuo ocupado na arrumação e arranjo de minha pequena casa. Os
exercícios religiosos têm-me deixado mais terno, e tenho pensado que vale a pena seguir a Deus mesmo através
de mil
armadilhas, abandonos e a própria morte. Oh, quem me dera poder seguir sempre a
santidade, para que possa conformar-me totalmente a Deus! Pude experimentar
algum enternecimento em oração secreta, embora muita tristeza também me
assaltasse.
4 de Agosto.
Pude dedicar-me continuamente
à oração, durante o dia; mediante a bondade
divina, percebi intensidade de propósitos em meus deveres, como costumava
fazer, e alguma capacidade de perseverar em minhas súplicas. Tenho recebido
algum entendimento das coisas divinas, que me têm proporcionado coragem e
resolução. Tenho visto que é bom perseverar nas tentativas de orar,
mesmo que eu não possa orar com perseverança, isto é, continuar por
muito tempo conversando com o Ser divino. Tenho descoberto, de modo geral, que quanto
mais me dedico à oração secreta, mais me deleito nela, e mais tenho
apreciado o espírito de oração. Frequentemente tenho descoberto o contrário,
quando, ao viajar ou fazer alguma outra coisa, tenho sido privado de tempo para
oração secreta. O cumprimento oportuno e constante de deveres secretos, nas
horas apropriadas, e um aprimoramento cuidadoso de todo o tempo, que preencha
cada hora com algum labor proveitoso, que ocupe o coração, a mente, ou as mãos,
são meios excelentes para obtermos paz espiritual e ousadia diante de Deus.
Ocupar o nosso tempo com Deus e em favor dEle é o caminho para quem
quiser levantar-se e deitar-se em paz.
13 de Agosto.
Em oração secreta, pude elevar a minha alma a Deus, com ardor e deleite.
Foram momentos deveras abençoados. Tenho descoberto quão consolador é ser
crente; e tenho "por certo que os sofrimentos do tempo presente não são
para comparar com a glória'' (Romanos 8.18) dos aprazimentos divinos, mesmo
neste mundo. Todas as minhas tristezas passadas pareceram sumir, e não mais
"lembrei-me da tristeza, por causa da alegria". Oh, quão gentilmente,
e com que ternura filial, nestes dias, a minha alma confia na "Rocha dos
Séculos", e de que Ele "nunca a abandonará nem se esquecerá
dela", fazendo todas as coisas "cooperarem juntamente para o seu
bem!" Tenho anelado que outros possam conhecer quão bom Deus é o Senhor.
Minha alma encheu-se de ternura e amor, mesmo pelo mais inveterado de meus
inimigos. Como anelei que eles pudessem compartilhar da mesma misericórdia; e
apreciei que Deus fizesse aquilo que Lhe agrada, quanto a mim e quanto a tudo
mais. Senti-me peculiarmente sério, calmo e tranquilo, encorajado a prosseguir
na busca pela santidade, enquanto viver, sem importar as dificuldades e
provações que tenha de encontrar no percurso. Que o Senhor sempre me ajude a
agir assim. Amém e amém.
15 de Agosto.
Passei a Maior parte do dia trabalhando, procurando algo para
alimentar meu cavalo durante o inverno. Pela manhã, não tive muita satisfação
espiritual. Estive muito debilitado no corpo, durante
o dia; pensei que este meu enfraquecido corpo logo haveria de cair
morto no pó,
e então percebi, com alguma apreensão, que em breve eu estaria entrando no
outro mundo. Nessa minha debilidade física, fiquei não pouco preocupado por me
faltarem alimentos apropriados. Eu não tinha pão e nem poderia comprar algum.
Sou forçado a caminhar ou a mandar alguém, entre dezesseis e vinte e quatro quilómetros,
para conseguir todo o pão que preciso. Às vezes o pão fica azedo ou bolorento,
antes que eu possa consumi-lo, quando o compro em quantidade considerável.
Outras vezes, por dias seguidos, não disponho de pão
algum, pois falta-me oportunidade de adquiri-lo ou mandar buscá-lo, ou não
posso encontrar meu cavalo na floresta, para que possa buscar o pão pessoalmente.
Assim está acontecendo no momento. Mas pela bondade divina, tenho alguma farinha
indígena, com a qual faço bolos e os frito. Não obstante, sinto-me contente
diante de minhas circunstâncias, mansamente resignado diante de Deus. Tenho
desfrutado de grande liberdade em minhas orações. E, bendito seja Deus, até
onde vão minhas presentes circunstâncias, agradeço ao Senhor como se eu fosse
um monarca. Também tenho descoberto a disposição de viver contente sob quaisquer
circunstâncias. Bendito seja Deus!
Dia do Senhor, 21 de Agosto.
Senti-me bastante limitado nas devoções matutinas; meus
pensamentos pareciam espalhados até aos confins da terra. Ao meio-dia,
prostrei-me diante do Senhor, gemendo sob o senso de minha vileza, esterilidade
e espírito mortiço; senti-me como se fosse culpado de assassinar alguma alma,
ao falar diante de almas imortais do modo como tenho feito. À tarde, Deus
agradou-se em conferir-me algum apoio; fui capacitado a expor, aos meus ouvintes,
a natureza e a necessidade do arrependimento autêntico. Depois disso, senti-me
agradecido a Deus. À noite sentia-me muito enfermo e cheio de dores, e minha
alma lamentava-se por ter passado tanto tempo com tão pouco proveito.
23 de Agosto.
Estudei antes do meio-dia, e desfrutei de certa liberdade.
À tarde labutei ao ar
livre; procurei orar, mas não achei muita alegria na prática, e nem grande
intensidade mental. Ao aproximar-se a noite, estava exausto, cansado deste
mundo de tristezas. Os pensamentos a respeito da morte e da imortalidade
pareciam-me muito desejáveis, e chegaram a refrigerar-me a alma. As seguintes
linhas poéticas me surgiram na mente, dando-me algum prazer:
"Vem morte, dá-me a mão; beijo tua
mortalha; Para mim é felicidade poder morrer. Quê? Pensas que haverei de
retroceder? Antes, sigo para a imortalidade."
Em oração nocturna, Deus
agradou-se em aproximar-se de minha
alma, embora
seja ela muito pecadora e indigna; e assim pude lutar com Deus, perseverando em
minha petição,
rogando-Lhe a graça. Derramei minha alma em favor do mundo inteiro, amigos e
inimigos. Minha alma estava preocupada não simplesmente pelas almas, mas antes,
pelo reino de Cristo, para o mesmo concretizar-se no mundo, para que Deus venha
a ser conhecido como Deus no mundo. E, oh! minha alma abominou a própria ideia
de um partido no terreno religioso! Que a graça divina manifeste-se,
onde quer que ela esteja; e que Deus receba toda a glória para sempre. Amém.
Foi, realmente, um período de grande consolo. Pensei estar recebendo alguma
antecipação dos aprazimentos e atividades
do mundo superior. Oh, que minha alma amolde-se ao outro mundo!
31 de Agosto
(em uma viagem a Nova York). Passei por uma
doce, séria e, segundo espero, cristã atitude mental. As realidades eternas
tomaram conta de meus pensamentos; e anelei por estar no mundo dos espíritos.
Oh, quanta felicidade há quando todos os nossos pensamentos ocupam-se do mundo
espiritual — sentindo-nos estranhos neste mundo, buscando com diligência um
caminho que o atravesse, o caminho melhor e mais seguro para a Jerusalém
celestial.
Brainerd prosseguiu nessa viagem,
e após
demorar-se por dois ou três dias em Nova York, partiu para New Haven,
tencionando chegar para a formatura. - J.E.
Dia do Senhor, 11 de Setembro
(em Horse Neck). Preguei
à tarde sobre Tito 3.8. Penso que Deus
nunca me ajudou tanto em descrever a verdadeira religiosidade, detectando com clareza
e desmascarando, embora de modo cortês, as falsas aparências na religião, o
zelo mal dirigido, os ciúmes partidários, o orgulho espiritual, etc., bem como
um espírito dogmático e autoconfiante, juntamente com sua fonte originária, ou
seja, a ignorância de coração. No começo da noite, dediquei-me a
conversar com aquela gente a fim de tentar suprimir certas ideias confusas que
havia percebido entre eles.
13 de Setembro.
Cavalguei até New Haven. Senti-me deprimido, pois não estava em minha melhor
atitude mental. À noite mantive proveitoso diálogo com alguns crentes. Embora
minhas tribulações interiores sejam grandes, a vida de solidão oferece-me Maior
oportunidade para fixar e penetrar
até aos mais profundos recessos da alma. Ainda assim é melhor viver sozinho do
que viver sobrecarregado pela agitação e pelo tumulto. Sinto grande dificuldade
em manter qualquer senso das realidades divinas, ao mesmo tempo em que vagueio
de lugar para lugar, sempre cheio de cuidados e actividades variadas. Uma actividade
estável e fixa em um
lugar facilita uma vida dedicada à religião.
14 de Setembro.
Hoje deveria ter recebido o meu diploma. Mas Deus achou
melhor negar-me esse privilégio. Pensei que me sentiria
grandemente temeroso, sendo dominado pela perplexidade e confusão mental, ao ver
meus colegas de classe receberem seu diploma. No entanto, naquele
momento, Deus permitiu-me dizer, com calma e resignação: "Seja feita a
vontade do Senhor''. De fato, pela bondade divina, dificilmente tenho sentido
minha mente tão calma, tão sedada, em tão grande consolo, faz muito tempo. Há
muito venho temendo um período como este, esperando que a minha humildade,
mansidão, paciência e resignação seriam muito testadas; mas achei muito Maior
prazer e consolo divino do que esperava. Espiritualmente, senti-me sério, terno
e afectuoso na oração particular que fiz hoje com um querido amigo crente.
15 de Setembro.
Fiquei satisfeito ao ouvir os ministros exporem os seus sermões. Sempre é um
consolo para mim ouvir e participar de diálogos religiosos e espirituais. Oh,
quem dera que os ministros e os crentes em geral fossem mais espirituais e mais
consagrados a Deus! Ao avizinhar-se a noite, a conselho de meus amigos crentes,
ofereci as reflexões que constam abaixo, por escrito, ao reitor e directores da
universidade — reflexões essas que são essencialmente as mesmas que havia
oferecido ao reitor tempos antes, rogando-lhe que as aceitasse — a fim de que,
se possível, eu evitasse todo motivo de escândalo da parte daqueles que buscam
tais motivos. As reflexões que ofereci foram as seguintes:
"Se eu disse, diante de várias pessoas, acerca
do Sr. Whittelsey, um dos professores do Yale College, que não acreditava que
ele tivesse mais graça do que a cadeira sobre a qual eu estava recostado, agora
confesso humildemente que nisso pequei contra Deus, agindo de maneira contrária
às normas de sua Palavra, e ofendi o Sr. Whittelsey. Eu não tinha o direito de
brincar assim com o seu carácter e nem tinha justa razão para falar como o fiz.
Minha falta foi ainda agravada por ter dito aquilo acerca de quem era meu
superior em muito, a quem eu tinha a obrigação de tratar com respeito e honra
especiais, em razão da relação entre eu e ele na universidade. Confesso também
que esse tipo de conduta não cabe a um crente; exagerei e não demonstrei o
humilde respeito que deveria ter expresso para com o Sr. Whittelsey. Há muito
estou convicto da falsidade daquela apreciação por meio da qual então eu havia
justificado a minha conduta. Com frequência tenho refletido, com tristeza,
sobre essa minha conduta. Por ter sido um ato pecaminoso, espero e estou
disposto a humilhar-me, rebaixando-me por tal motivo diante de Deus e dos
homens. Humildemente peço perdão aos directores da universidade e de toda a
sociedade, e do Sr. Whittelsey em particular. Mas quanto à acusação, feita por
uma pessoa, de haver dito acerca do reitor do Yale College, que me admirava que
ele não tivesse caído morto por haver multado os eruditos que seguiram o Sr.
Tennent a Milford, professo aqui, com toda a seriedade, que não me recordo de
haver dito qualquer
coisa nesse sentido; mas se o fiz,
o que não
tenho certeza que fiz, condeno rigorosamente essa atitude, detestando toda essa
espécie de comportamento, mais ainda da parte de um aluno contra o reitor. E
agora me apresento para julgar e condenar a mim mesmo por ter ido uma vez à
reunião em New Haven, pouco antes de ter sido expulso, embora o reitor me
tivesse recusado o visto de saída. Por causa disso, peço humildemente o perdão
do reitor. E quer os directores da universidade acharem por bem remover a
censura académica que pesa sobre mim, ou não, ou acharem por bem me conferir os
privilégios que desejo, estou disposto a apresentar-me, se assim acharem correcto,
a fim de admitir isso, humilhando-me pelas coisas aqui confessadas."
Deus tornou-me disposto a fazer
qualquer coisa que seja coerente com a verdade, por amor
à concórdia, e a fim
de que eu não sirva de pedra de tropeço a outras pessoas. Por esse motivo,
posso esquecer e desistir daquilo em que realmente acredito ser meu direito, em
algumas instâncias, após a busca mais madura e imparcial. Deus deu-me a boa
disposição de que, se alguém me ofendeu por cem vezes, e eu tenha ofendido a
esse alguém apenas uma vez, (embora por tantas vezes provocado), sinta-me inclinado
e deseje de todo o coração humildemente confessar a minha falta, pedindo-lhe
perdão de joelhos; embora, ao mesmo tempo, ele sinta-se justificado em todas as
ofensas feitas contra mim, fazendo uso de minha humilde confissão somente para
denegrir o meu carácter ainda mais, apresentando-me como a única pessoa
culpada; sim, ainda que essa pessoa me quisesse ofender e dissesse: "ele
sabia de tudo antes, e eu o estava ajudando a arrepender-se". Embora o que
eu disse sobre o Sr. Whittelsey tenha sido dito somente em conversa particular,
a um amigo ou dois, e tenha sido ouvido por alguém que apenas passava, e tenha
sido relatado ao reitor, e por ele extraído de meus amigos, e visto que a
questão foi divulgada e tornou-se pública, dispus-me a confessar minha falta
publicamente. Mas confio que Deus pleiteará a minha causa.
Fui testemunha do profundo espírito cristão que
Brainerd demonstrou na ocasião. Eu estava então em New Haven, e ele achou
conveniente consultar-me. Aquela foi a minha primeira oportunidade de vê-lo pessoalmente.
Ele demonstrava uma grande calma e humildade, sem a mínima aparência de
exaltação de espírito quanto a quaisquer maus tratos que pudesse supor que
sofreria, ou quanto a qualquer hesitação para rebaixar-se diante daqueles que,
segundo ele pensava, tinham-no prejudicado. A sua confissão foi feita sem
qualquer reclamação ou aparência de relutância, até mesmo em particular, a seus
amigos, diante dos quais se abriu francamente. Foram feitos vários apelos, em
seu favor, às autoridades da universidade, a fim de que ele pudesse receber seu
diploma de formatura; e, particularmente, pelo Pastor Burr, de
Newark, um dos representantes da sociedade escocesa. Ele fora
enviado de Nova Jersey a New Haven, pelos demais representantes, com essa
finalidade. Foram usados muitos argumentos, mas sem qualquer sucesso. De fato,
os directores da universidade ficaram tão satisfeitos com as reflexões que Brainerd
fez acerca de si mesmo, que se manifestaram dispostos a admiti-lo novamente na
universidade. Mas não dariam seu diploma de formatura, enquanto não tivesse
permanecido ali pelo menos por doze meses, o que não aceitou, visto ser
contrário à opinião declarada dos representantes de sua missão. Ele desejava
receber seu diploma, pois pensava que poderia contribuir para ampliar a sua
utilidade. Não obstante, quando esse privilégio lhe foi negado, Brainerd não
manifestou qualquer desapontamento ou ressentimento. - J.E.
20 de Setembro (em Bethlehem). Tive a
ideia de prosseguir em minha jornada até aos meus índios; mas quando aproximava-se a
noite, fui acometido por uma terrível dor de dente, acompanhada por um frio que
me fazia tremer todo. Por toda a noite não consegui recuperar-me a um grau
confortável de calor. Fiquei padecendo com fortíssima dor e ao amanhecer, tinha
febre alta com dores por quase todo o corpo. No entanto, tinha o senso da
bondade divina, que determinara este lugar para a enfermidade, estando eu entre
amigos que foram muito bondosos para comigo. Provavelmente teria perecido, se
tivesse me dirigido para minha própria casa, na floresta, onde não tinha
ninguém com quem conversar, senão os pobres, rudes e ignorantes índios. Vi,
pois, que havia a manifestação da misericórdia divina, em meio à minha aflição.
Assim continuei, a Maior parte do
tempo, recolhido ao leito, até sexta-feira à noite, cheio de dores por quase todo o
tempo; mas devido à bondade divina, não tinha medo da morte. Então pude
compreender quão grande é a insensatez daqueles que só apelam para Deus quando
já estão acamados. Certamente, este não é o tempo certo para preparar a alma
para a eternidade. Na sexta-feira à noite, minhas dores desapareceram de
maneira um tanto repentina. Sentia-me extremamente fraco, quase desmaiando; mas
estava bem melhor na noite seguinte. Pensei que devemos dar valor à continuação
da vida, por somente um motivo — "exibir a bondade de Deus e as operações
da graça".
4 de Outubro.
Hoje cavalguei de volta
à minha própria casa e ao meu povo. Os pobres
índios pareceram alegrar-se muito com a minha volta. Encontrei minha casa e
todas as coisas em plena segurança. Imediatamente caí de joelhos e agradeci a
Deus pelo retorno em segurança. Tenho feito muitas viagens longas desde este
tempo, no ano passado, e, no entanto, nunca qualquer de meus ossos foi
quebrado, e nem qualquer calamidade penosa me sobreveio, exceptuando que me
senti muito mal, em minha última viagem. Por muitas vezes tenho ficado exposto
ao frio e à fome, na floresta, sem os confortos normais da vida, e onde, por
várias vezes, tenho me perdido. Algumas vezes tenho sido forçado a
cavalgar uma boa parte da noite; de certa feita fiquei no mato a noite inteira,
contudo, bendito seja Deus, Ele tem me preservado!
3 de Novembro.
Passei o dia em jejum e oração secretos, da manhã à noite. Cedo pela
manhã, fui sensivelmente ajudado em oração. Depois, li o relato sobre o profeta Elias, em 1 Reis
17-19, e também 2 Reis 2 e 4. Minha alma ficou muito comovida, observando a fé,
o zelo e o poder daquele santo homem;
como ele lutava com Deus em oração, etc. Minha alma, então, clamou como fez
Eliseu: "Onde está o Senhor, Deus de Elias?" Oh, como anelei por Maior
fé! Minha alma aspirou por Deus e pleiteou junto a Ele, a fim de que uma
"dupla porção do Espírito" que foi dado a Elias viesse repousar
"sobre mim".
O que foi divinamente refrescante
e revigorante à minha alma, é que Deus é o mesmo Deus que actuou nos dias
de Elias. Pude lutar com Deus em oração, de modo mais afectuoso, fervoroso,
humilde, intenso e importunador do que pudera fazer durante muitos meses. Nada
me parecia difícil demais para Deus realizar; e nada grande demais para eu
esperar da parte dEle.
Por muitos meses havia perdido
inteiramente a esperança de ser instrumento no cumprimento de qualquer serviço especial
para Deus, no mundo; pois me parecia impossível que alguém tão vil como eu
pudesse ser empregado por Deus. Agora Deus tem-se agradado em reavivar essa
minha esperança.
Depois, li
Êxodo, capítulos 3 a
20, e vi mais da glória e da majestade de Deus, naqueles
capítulos, do que percebera antes. Por muitas vezes, entrementes, prostrando-me
de joelhos e implorando por fé igual a de Moisés, roguei por uma manifestação
da glória divina. Sobretudo os capítulos 3 e 4, e uma parte dos
capítulos 14 e 15 mostraram-se indizivelmente doces para minha alma. Minha alma
bendisse a Deus que se mostrara tão gracioso para seus servos da antiguidade. O
capítulo 15 pareceu-me ser a mesma linguagem usada por minha alma diante de
Deus no período de meu primeiro consolo espiritual, quando acabara de
atravessar o meu Mar Vermelho, por um caminho inesperado.
Oh, como minha alma então regozijou-se em
Deus. E agora, todas aquelas coisas subiram frescas e vivas, à minha mente;
agora minha alma bendisse de novo a Deus, porquanto Ele abrira aquele caminho
inesperado para livrar-me do temor dos egípcios, quando quase cheguei a
desesperar de continuar vivo.
Em seguida, li a história das
peregrinações de Abraão na terra de Canaã. Minha alma ficou enternecida ao
observar a sua fé, como ele dependia do Senhor, como tinha comunhão com
Deus, como foi um forasteiro neste mundo. Depois, li a história dos
sofrimentos de José, e sobre como Deus foi bondoso com ele. Bendito seja Deus
por esses
exemplos de fé e paciência. Minha alma mostrou-se ardente
em oração, e fui capacitado a lutar intensamente por mim mesmo, por amigos
crentes e pela igreja de Deus; senti Maior desejo por ver o poder de Deus na
conversão de almas do que me acontecia já há muito tempo. Bendito seja Deus por
esse período de jejum e oração! Que sua bondade permaneça para sempre comigo,
atraindo a Ele a minha alma!
10 de Novembro.
Passei este dia sozinho, em jejum e oração. Pela manhã
sentia-me muito embotado e sem vida, melancólico e desencorajado. Mas depois
de algum tempo, enquanto lia 2 Reis 19, minha alma comoveu-se profundamente,
sobretudo ao ler do versículo 14 em diante. Vi que não há outro caminho pelo
qual um aflito filho de Deus possa enveredar senão ir a Deus, com todas as suas
tristezas. Ezequias, diante de sua grande aflição, assim fez, expondo a sua
queixa diante do Senhor. Fui então capaz de ver o imenso poder de Deus, bem
como a minha extrema necessidade desse poder; e clamei a ele afectuosa e
ardentemente, rogando-Lhe o seu poder e graça em meu favor.
Em seguida, li a narrativa das
provações
de David, observando o curso que ele tomou, e como o Senhor fortalecera suas
mãos. Assim minha alma foi arrebatada na busca por Deus, podendo clamar a Ele,
depender dEle e sentir-se fortalecida no Senhor. Depois senti-me refrigerado,
observando a bendita atitude de espírito insuflada em David por suas provações:
toda a amargura e desejo de vingança pareceram desaparecer totalmente, ao
ponto dele chorar pela morte de seus inimigos (2 Samuel 1.17 e 4.9-12). Pude
bendizer a Deus que me dera algo dessa atitude divina, permitindo que minha
alma perdoasse livremente e amasse meus inimigos de todo o
coração.
29 de Novembro. Comecei a
estudar a língua dos índios com o Pastor Sergeant, em Stockbridge.2
Fiquei ansioso por viver com Maior privacidade. Gosto de viver sozinho em minha
própria pequena cabana, onde posso passar muito tempo em oração.
6 de
Dezembro.
Fiquei perplexo ao ver a leviandade e a vaidade dos cristãos professos. Passei
o anoitecer com um amigo cristão, que foi capaz de simpatizar comigo, em alguma
medida, em meus conflitos espirituais. Fui um pouco animado por encontrar
alguém com quem pude conversar sobre as provações íntimas.
8 de
Dezembro.
Minha mente ficou muito distraída com diferentes sentimentos. Parecia estar
numa surpreendente distância de Deus, a olhar ao redor para ver se não havia
alguma felicidade a derivar-se do mundo. Deus e certos objectos no mundo
pareciam, cada um, convidar meu coração e minhas afeições; minha alma parecia
confundida entre eles. Há muito tempo eu não tenho sido tão cercado pelo mundo,
isto em relação a alguns
objectos em particular para os quais pensava estar morto. Mas, mesmo quando
estava desejando agradar a mim mesmo com qualquer
coisa sem valor, a culpa, a tristeza e a perplexidade assistiram
aos primeiros impulsos do desejo. Certamente que não posso ver a
aparência do prazer e da felicidade do mundo, como costumava ver, e bendito
seja Deus por qualquer habitual insensibilidade para com o mundo. Eu não
encontrei paz ou libertação dessa distracção e perplexidade mental até que
obtive acesso ao trono da graça. Logo que tive qualquer senso de Deus e das
coisas divinas, os encantamentos do mundo sumiram e meu coração ficou decidido
por Deus. Mas minha alma lamentava pela minha insensatez, que desejara algum
prazer sem derivá-lo somente de Deus. Deus perdoe minha idolatria espiritual.
22 de Dezembro. Passei este dia
sozinho, em jejum e oração, acompanhando, na Palavra de Deus, os exercícios espirituais e
os livramentos de seus filhos. Conforme creio, pude exercer mais fé e
experimentar uma compreensão Maior do poder, da graça e da santidade de Deus;
também percebi a imutabilidade de Deus, por ser Ele agora o mesmo que no
passado livrava de grandes tribulações os seus santos. Diversas vezes minha
alma dilatou-se em oração pela igreja e o povo de Deus. Que Sião torne-se a
"alegria de toda a terra"! É melhor o crente esperar em Deus com
paciência do que depositar sua confiança em qualquer coisa deste mundo
inferior. "Minha alma, espera tu no Senhor", porquanto dEle "vem
a tua salvação".
Dia do Senhor, 1o
de Janeiro de 1744.
Pela manhã recebi alguma ajuda
em oração. Vi-me tão vil e indigno que não pude olhar a minha gente no rosto,
quando fui pregar a eles. Oh, a minha maldade, insensatez, ignorância e
poluição interior! À noitinha, novamente fui ajudado em oração, a tal ponto que
esse dever espiritual me deleitou, ao invés de parecer uma carga. Reflecti
sobre a bondade de Deus para comigo, no ano anterior. Na verdade, Deus tem-se
mostrado gentil e gracioso para comigo, embora me tenha feito passar por muitas
provações. Ele tem provido para mim com abundância tudo o que preciso, de tal
modo que, em quinze meses, tenho podido doar para fins caridosos cerca de cem
libras em moedas da Nova Inglaterra, até onde posso agora lembrar. Bendito seja
o Senhor que até aqui tem me usado como um mordomo, para distribuir uma
porção dos seus bens. Que eu jamais esqueça que tudo me tem vindo da parte
de Deus. Bendito seja o Senhor que me tem feito atravessar todas as labutas,
fadigas e dificuldades por que passei no ano passado, sem falar nas tristezas e
nos conflitos espirituais que me assediaram. Oh, que eu possa iniciar este ano com
Deus, passando todo ele visando sua glória, quer na vida quer na
morte!
3 de Janeiro.
Na Maior parte do dia dediquei-me a escrever; e passei algum tempo
em outras actividades necessárias. Mas o meu tempo escoa-se tão depressa que me
espanto quando reflicto a respeito e vejo quão pouca coisa faço. Minha vida
solitária não faz as horas passarem
vagarosamente.
Quantos motivos de gratidão tenho por causa de minha vida isolada! Já percebi que não levo
e nem posso levar, ao que parece, uma vida cristã, quando estou longe de
casa, e também não posso passar algum tempo em práticas como devoção,
conversação cristã e meditação séria, como deveria fazer. As semanas em que sou
forçado a ficar fora de casa, a fim de aprender a língua dos índios, são para
mim dias de ansiosidade e esterilidade, sem poder apreciar direito as coisas
divinas; sinto-me como um estrangeiro diante do trono da graça, pela falta de
retiros espirituais mais frequentes e contínuos. Mas quando volto para casa e
me dedico à meditação, à oração e ao jejum, uma cena nova descortina-se diante
de minha mente e minha alma anela por mortificação, auto-negação, humildade e
divórcio de todas as coisas deste mundo. Nesta noite, meu coração esteve um
tanto cálido e fervoroso em oração e meditação, de tal modo que eu recusava
entregar-me ao sono. Continuei nesses deveres até cerca de meia-noite.
6 de Janeiro. Tomando consciência de minha
extrema fraqueza e falta de graça, da poluição de minha alma e do perigo de
tentação por todos os lados, separei este dia para jejum e oração, não comendo
nem bebendo de uma tarde à outra, implorando a Deus que tenha misericórdia de
mim. Minha alma desejou intensamente que fossem apagadas de si as horríveis
manchas e máculas do pecado. Percebi algo do poder e de toda a suficiência de
Deus. Minha alma parecia descansar em seu poder e graça; anelei por resignação
à sua vontade, pela mortificação para com todas as coisas deste mundo.
7 de Janeiro. Passei o dia com
pensamentos sérios, tomando resoluções de perseverança diante de Deus e uma
vida de mortificação. Estudei com grande concentração até sentir que as forças
me faltavam. Pude resignar-me sensivelmente, aquiescendo diante de sua vontade
expressa. Entristeci-me por fazer tão pouco para Deus, antes de minhas forças
se exaurirem. A noitinha, embora cansado, pude continuar em insistente oração
por algum tempo. Passei o tempo a ler, a meditar e a orar, até que a noite já
ia adiantada: e lamentei que não pudesse vigiar em oração a noite
inteira. Bendito seja Deus, pois, embora a vida na terra seja insípida, o céu é
um lugar de contínua devoção.
23 de Janeiro. Acho que nunca me senti
mais resignado a Deus, nem tão mais morto para o mundo, em cada aspecto, como agora;
estive morto para todo o desejo de boa reputação e grandeza, quer em vida, quer
após a morte. Tudo o que desejei foi ser santo, humilde e crucificado para o
mundo.
3 de Fevereiro. Tenho recebido mais
liberdade e consolo do que ultimamente; estive ocupado em meditação sobre os diversos
sussurros dos vários poderes e afectos de uma mente piedosa, que se ocupa
em boa variedade de actividades; não pude deixar de escrever e de meditar
sobre assunto tão interessante. Penso que o Senhor deu-me um senso
verdadeiro sobre as coisas divinas; mas é lamentável quão grandes e
pressionantes são os remanescentes da corrupção interior! Sou agora mais
sensível do que nunca ao fato que somente Deus é "o Autor e Consumador"
de nossa fé, isto é, que a totalidade e cada aspecto da santificação, bem como
toda boa palavra, obra ou pensamento, achado em mim, é efeito de seu poder e
graça, e que "sem Ele nada poderei fazer", no mais estrito sentido, e
também que Ele "opera em nós tanto o querer como o realizar, segundo a sua
boa vontade'', e não por qualquer outro motivo. Quanto me surpreende que as
pessoas possam falar tanto acerca da capacidade e da bondade dos homens, quando
a verdade é que se Deus não nos refreasse a cada instante, seríamos como
demónios encarnados! Essa foi a minha amarga experiência, pelo menos por diversos
dias no passado recente, o que muito me ensinou a respeito de mim mesmo.
7 de Fevereiro.
Minha alma
sentiu e provou que o Senhor
é gracioso; que Ele é o supremo bem, a única felicidade
que satisfaz uma alma; que Ele é a minha porção completa, suficiente e
todo-poderosa. A linguagem do meu coração foi: "Quem mais tenho eu no céu?
Não há outro em quem eu me compraza na terra". Oh, sinto que é céu agradar
ao Senhor, ser exactamente aquilo que Ele quer que eu seja! Quem dera que minha
alma fosse "santa, como Ele é santo"! Quem dera fosse ela "pura,
como Cristo é puro", e "perfeita como é perfeito o meu Pai
celeste"! Penso que esses são os mais aprazíveis mandamentos do Livro de
Deus, que abrangem todos os demais. Haveria eu de desobedecer--lhes? Deveria eu
violá-los? Será que sou destinado a quebrá-los, enquanto viver na terra?
O, minha alma, ai de mim, pois sou
apenas um pecador que continuamente entristece e ofende a esse Deus bendito,
infinito em bondade e graça! Opino que se Ele punisse meus pecados, não feriria tanto o meu
coração como quando O ofendo; mas, embora eu peque continuamente, Ele continua
a ser gentil para comigo! Penso que poderia suportar quaisquer sofrimentos;
mas como posso tolerar entristecer e desonrar a esse Deus bendito? Como poderei
prestar-Lhe honra, mil vezes mais do que faço? Que poderei fazer para
glorificar e adorar a esse melhor de todos os seres? Que eu possa consagrar-me
eternamente, de corpo e alma, ao seu serviço! Como gostaria de poder dedicar-me
a Ele de tal maneira que nunca mais tentasse nada por mim mesmo, que nunca mais
qualquer volição ou afecto fugisse da mais perfeita conformidade com Ele!
Infelizmente, porém, tenho descoberto que não consigo consagrar-me assim tão
completamente a Deus. Não posso viver sem pecar.
O vós anjos, glorificai-0 incessantemente; e, se possível,
prostrai-vos diante do bendito Rei do céu! Anelo
participar convosco; e, se
possível, ajudar-vos. Oh,
depois de termos feito tudo quanto pudermos, por toda a eternidade, não teremos
sido capazes de prestar uma milésima parte da homenagem que merece o Deus da
glória!
3 de Março.
Pela manhã, segundo
acredito, passei uma hora em oração, com notável intensidade e liberdade, e com
os mais suaves e ternos afectos para com toda a humanidade. Desejo que aqueles
que, segundo tenho razão de pensar, querem-me mal, sejam eternamente felizes.
Pareceu-me um tónico pensar em encontrar a esses no céu, sem importar o quanto
me tenham injuriado na terra. Nem senti vontade de insistir em que deveriam
confessar-me qualquer coisa, para sermos reconciliados, para eu exercer amor e
bondade para com eles.
Isso
é um emblema do
próprio céu, amar o mundo inteiro com um amor gentil, perdoador, benévolo;
sentir nossas almas sedadas, suavizadas, mansas; viver vazio de toda suspeita
e cisma, e dificilmente pensar mal de qualquer pessoa, em qualquer ocasião;
verificar que nosso coração é simples, franco e livre no tocante àqueles que
nos olham com maus olhos! A oração pareceu-me um exercício tão doce, que não
sabia como parar, receoso de perder o espírito de oração. Não senti o desejo de
comer ou beber para satisfazer meu apetite, mas apenas para sustentar minha
natureza, para ter energias para o serviço divino. Não pude contentar-me
enquanto não mencionei especificamente grande número de amigos queridos diante
do trono da graça, e também circunstâncias particulares de muitos, na medida
dos meus conhecimentos.
10 de
Março.
Pela manhã, notei que
meu coração estava sensivelmente morto para o mundo e todas as suas
satisfações. Pensei que estivesse pronto e disposto a desistir da vida e de
todos os seus confortos, tão logo fosse necessário, no entanto, tinha tanto
conforto da vida quanto quase sempre tivera. Anelei ficar perpétua e
inteiramente crucificado para todas as coisas deste mundo, mediante a
cruz de Cristo. Minha alma resignou-se com doçura à disposição de Deus,
quanto a todas as questões; e então percebi que nada acontecia que não visasse
meus melhores interesses. Confiei em Deus que Ele jamais me abandonará, mesmo
que eu "ande pelo vale da sombra da morte". Era meu alimento e bebida
ser santo, viver para o Senhor, morrer para o Senhor. Pensei que estava gozando
de um céu que em muito excedia aos mais sublimes conceitos que uma alma
não-regenerada pode ter; e até mesmo muitíssimo mais do que eu mesmo poderia
ter concebido em outro tempo no passado. Não estranhei que Pedro tenha dito:
"Senhor, bom é estarmos aqui", quando fui assim refrigerado pelas
glórias divinas.
Minha alma encheu-se de amor e
ternura no dever da intercessão; senti um afecto dulcíssimo e especial para com alguns
preciosos e piedosos ministros, conhecidos meus. Assim, orei fervorosamente por
alguns queridos crentes, e até por aqueles que tenho razão em pensar que são
meus inimigos; e não pude proferir uma única palavra de amargura, nem pude
entreter um único pensamento amargo, contra o mais vil dos homens. Antes, tive
o senso de minha própria imensa indignidade. Minha alma parecia aspirar
renovadamente pelo amor e pelo louvor a Deus, ao pensar que Ele permitiria que
seus filhos me amassem e acolhessem como um de seus irmãos e concidadãos. Ao
pensar que eles assim me tratariam, desejei prostrar-me a seus pés; e não pude
imaginar maneira de exprimir a sinceridade e a singeleza de meu amor e estima
para com eles, senão como serem muito melhores do que eu.
Dia do Senhor, 11 de Março.
Minha alma, em certa
medida, foi fortalecida em Deus nas devoções matinais, de tal modo que
fui liberto do receio trémulo e da aflição. Preguei para minha gente com base
na parábola do semeador, em Mateus 13, e desfrutei de alguma ajuda
divina em todas as horas do dia. Pude dirigir-me à minha gente com alguma
liberdade, afecto e fervor; anelei que Deus tomasse conta de seus corações,
tornando-os espiritualmente vivos. De fato, eu tinha tanta coisa para
dizer-lhes que não sabia como parar de falar.
Isso sucedeu no
último domingo em que
Brainerd dirigiu um culto público em Kaunaumeek. Esses foram os últimos sermões
que pregou aos índios dali. Os métodos que adoptara, em busca da salvação
deles, foram descritos em uma carta que escreveu ao Pastor Pemberton, de Nova
York. - J.E.
"Em meus labores com eles, a
fim de 'tirá-los das trevas para a luz', estudei o que era mais claro e
fácil, e melhor adaptado às suas capacidades. Esforcei-me por
expor-lhes, com certa frequência, na medida que eram capazes de absorver, as
verdades mais importantes e necessárias do cristianismo, como
aquelas que diziam respeito à uma imediata conversão a Deus; verdades que eu
pensava tendiam ser meios para efectuar uma gloriosa transformação nas vidas
deles. Mais especificamente, fiz de escopo e roteiro de todos os meus
trabalhos, levá-los a uma total familiaridade com estas duas questões: (1) A pecaminosidade
e a miséria do estado em que se achavam naturalmente; a maldade de
seus corações, a corrupção de suas naturezas; a pesada culpa sob a qual
estavam, e como estavam sujeitos à punição eterna. E também a total
incapacidade deles salvarem-se a si mesmos, quer de seus pecados quer das suas
misérias, as quais são ajusta punição dos pecados; de seu não-merecimento de
misericórdia da parte de Deus, diante de qualquer coisa que eles mesmos
pudessem ter feito para obter o favor divino, e, em consequência, sua extrema
necessidade de Cristo, a fim de serem salvos. (2) Ainda, por muitas vezes
procurei mostrar-lhes a plenitude, a toda-suficiência e a liberdade
da redenção operada pelo Filho de Deus, com base em sua obediência e
sofrimentos, em favor
de pecadores que estão perecendo, como
essa sua provisão ajusta-se a todas as carências deles; e como Ele os chamava e
convidava a aceitarem a vida eterna gratuitamente, não obstante toda a
pecaminosidade deles.
"Depois de estar vivendo
entre os índios
já por vários meses, compus diversas formas de oração, adaptadas às
circunstâncias e capacidades deles. Com a ajuda de meu intérprete, eu as
traduzi para o idioma deles; e logo aprendi a pronunciar as palavras, podendo
orar com eles na sua própria língua. Também traduzi diversos salmos, e
pouco depois éramos capazes de entoá-los, no culto a Deus.
"Quando minha gente já se acostumara com
muitas das verdades mais simples do cristianismo, de tal modo que agora eram
capazes de receber e entender outras verdades, dei-lhes um relato histórico sobre
o trato de Deus com seu antigo povo, os judeus, com alguns dos ritos e
cerimónias que eles eram obrigados a observar, como seus sacrifícios, etc, e o
que essas coisas simbolizavam; e também alguns dos surpreendentes milagres operados
por Deus com vistas à salvação deles, enquanto nEle confiassem. Também
mencionei os duros castigos que algumas vezes lhes sobrevieram, quando
esqueciam-se de Deus e pecavam contra Ele. Posteriormente, passei a dar-lhes um
relacionamento entre o nascimento, vida, milagres, sofrimentos, morte e
ressurreição de Cristo, como também sua ascensão e a maravilhosa efusão do
Espírito Santo que, em consequência, ocorreu mais tarde.
"Tendo-me esforçado assim para abrir
o caminho por meio de uma série de fatos, passei a ler e expor diante
deles o evangelho de Mateus (pelo menos a sua substância), passo a passo. Por
meio disso adquiriram uma visão melhor daquilo sobre o que antes tinham apenas
uma noção generalizada. Eu me encarregava dessas exposições quase a cada noite,
quando eles reuniam-se em um bom número, excepto quando eu mesmo tinha de
ausentar-me, a fim de aprender mais da língua indígena com o Pastor Sergeant.
Além desses meios de instrução, funcionava também uma escola de inglês,
que o meu intérprete fazia funcionar constantemente entre os índios. Eu
costumava frequentar essas aulas, para dar às crianças e aos jovens algumas
instruções apropriadas, de acordo com suas idades.
"O grau de conhecimento obtido por alguns deles era considerável. Muitas das
verdades cristãs pareciam fixas em suas mentes, especialmente em alguns
aspectos, pois falavam comigo e perguntavam sobre tais verdades, sendo
necessário proporcionar a elas Maior simplicidade e clareza para o seu
entendimento. As crianças e os jovens que frequentavam a escola também
tornaram-se bastante eficientes (pelo menos alguns deles) em seu aprendizado,
de tal maneira que se entendessem bem a língua inglesa, teriam sido capazes de
ler facilmente alguma coisa no saltério.
"Mas o que era mais desejável, transmitindo-me
grande encorajamento em meio às minhas muitas dificuldades e horas de
desconsolo, era que as verdades da Palavra de Deus pareciam, às vezes, ser
acompanhadas por algum poder espiritual nos corações e consciências dos
índios. Isso parecia especialmente evidente em alguns poucos deles, os quais
foram despertados para algum senso de seu estado miserável por natureza,
parecendo solícitos em obter sua libertação. Vários deles vinham, voluntariamente,
conversar comigo acerca dos interesses de suas almas; e alguns deles, entre
lágrimas, indagavam o que deveriam fazer para serem salvos."
Visto que os
índios de Kaunaumeek
eram poucos, depois que Brainerd já havia labutado entre eles por cerca de um
ano, e tendo-os persuadido a deixarem Kaunaumeek e mudarem-se para Stockbridge,
para viverem constantemente sob o ministério do Pastor Sergeant, ele pensou que
agora poderia prestar um Maior serviço a Cristo, entre índios de outros
lugares. Assim, Brainerd foi para Nova Jersey, para colocar a questão aos
representantes da missão. Reunidos em Elizabeth Town, eles resolveram que
Brainerd deveria partir de Kaunaumeek para trabalhar com os índios do Rio
Delaware.
Pelo número de convites
recebidos então por Brainerd, parece que não foi por necessidade, nem por falta
de oportunidades para estabelecer-se como ministro, que ele resolveu abandonar
todos os confortos externos que poderia ter gozado, a fim de passar a sua vida
entre os selvagens, enfrentando as dificuldades e abnegações de uma missão
entre os índios. Exactamente quando estava de partida de Kaunaumeek,
Brainerd recebeu um urgente convite para estabelecer-se em East Hampton, uma
das cidades mais agradáveis de Long Island. As pessoas dali mostraram-se
unânimes em seu desejo de tê-lo como pastor, e durante bastante tempo
continuaram a insistir com ele, quase sem quererem desistir de seus esforços e
de sua esperança de tê-lo como pastor. Ainda, ele recebeu o convite de pregar
em um povoado, em Millington, perto de sua cidade natal, em meio a amigos seus.
Brainerd também não escolheu o trabalho de missionário entre os índios, em
lugar dos convites mencionados, por não ter conhecimento das dificuldades e
sofrimentos que faziam parte de tal serviço; porquanto ele já tivera
experiência com essas dificuldades no verão e no inverno, tendo passado cerca
de um ano, numa floresta isolada, entre aqueles selvagens, onde experimentou
dificuldades extremas, sujeito a uma série de tristezas externas e internas,
mas ainda bem frescas em sua memória.
Depois disso, ele continuou por
dois ou três
dias em Nova Jersey, sentindo-se muito doente, e então retornou a Nova York, e
dali partiu para a Nova Inglaterra, dirigindo-se à sua cidade natal de Haddam,
onde chegou no sábado, 14 de Abril. Mas ali continuou queixando-se amargamente
da falta de privacidade. Enquanto esteve em Nova York, expressou-se desta
maneira: "Oh, não são os prazeres deste mundo
que podem consolar-me! Se Deus negar-me sua presença, de que me
adiantam os prazeres da cidade". Uma hora de doce comunhão
solitária com Deus é melhor do que o mundo inteiro". - J.E.
17 de Abril.
À noite, na casa de
meu irmão, entoando hinos com amigos, minha alma parecia enternecer-se muito; e
depois, em oração, desfrutei do exercício da fé, tendo recebido grande
fervor de espírito, tendo achado a presença de Deus mais do que em qualquer
tempo de minha última e cansativa viagem. A eternidade me pareceu bem próxima;
minha natureza estava debilitada, parecendo estar prestes a dissolver-se, como
se o sol estivesse declinando e as sombras da noite já estivessem descendo. Oh,
anelei poder preencher meus momentos finais todos para Deus! Embora meu corpo
estivesse muito débil, cansando ao pregar e até ao conversar muito, desejei
ficar sentado a noite inteira para fazer alguma coisa para Deus. A Deus, doador
desses refrigérios, seja a glória para todo o sempre. Amém.
18 de Abril.
Senti-me extremamente fraco e quase não recebi consolo
espiritual. Entrei em debate com alguém que zombava do pecado original. Que o
Senhor abra os olhos dele para que veja a fonte do pecado em si mesmo!
Depois disso, Brainerd visitou vários ministros do
Estado de Connecticut. Então viajou para Kaunaumeek, tendo chegado à residência
do Pastor Sergeant, em Stockbridge, numa quinta-feira, 26 de Abril, tendo feito
essa viagem com um estado físico muito debilitado. - J.E.
27 e 28 de Abril.
Passei algum tempo visitando amigos, conversando com minha gente
(que agora tinham se mudado de seu próprio lugar para onde morava o Pastor
Sergeant), tendo-os encontrado muito alegres por me verem retornar. Minha mente
ficou impressionada com a minha própria indignidade.
Dia do Senhor, 29 de Abril.
Preguei em lugar do Pastor Sergeant de manhã e à tarde, com base
em Apocalipse 14.4: "São estes os que não se macularam..." Desfrutei
de boa desenvoltura na pregação, embora não de grande espiritualidade. À noite,
meu coração até certo ponto elevou-se em agradecimento a Deus pela sua
assistência.
30 de Abril.
Cavalguei até Kaunaumeek, embora me sentindo extremamente doente. Não senti o
conforto que esperava ter em minha própria casa.
1o de Maio.
Tendo recebido nova autorização para encontrar-me com alguns índios à
beira do Rio Delaware, na Pensilvânia, e visto que quase toda a minha gente
tinha se mudado para perto da residência do Pastor Sergeant, tomei hoje todas
as minhas roupas, os livros, etc, e arrumei-os
para serem enviados para o Rio Delaware, mas só parti de volta à casa do Pastor
Sergeant hoje, depois de ter anoitecido. Cavalguei
durante várias horas na chuva, através da floresta, embora me sentisse tão
mal, pois continuava cuspindo sangue.
8 de Maio.
Viajei por cerca de setenta e dois quilómetros até um local
chamado Fishkill, e ali encontrei alojamento. Enquanto jornadeava,
passei grande parte do tempo orando para que Deus fosse comigo até o Rio
Delaware. Algumas vezes, meu coração parecia prestes a afundar diante das
dificuldades de minha tarefa, visto que estava me embrenhando na floresta e não
sabia direito para onde; contudo, senti-me consolado ao pensar que outros dos filhos
de Deus tinham-se "ocultado em cavernas e antros da terra". E quando
Abraão recebeu ordem de partir, "saiu sem saber para onde ia". Que eu
possa seguir o Senhor!
No dia seguinte, Brainerd
prosseguiu em sua viagem. Passou o Rio Hudson e chegou a Goshen, nas Highlands;
assim atravessou a floresta, entre o Hudson e o Delaware, uma distância de quase cento
e sessenta quilómetros, por um território desolado e difícil, acima de Nova
Jersey, onde havia bem pouca ocupação humana. Nessa jornada fatigou-se muito e
enfrentou incríveis obstáculos. No caminho, visitou alguns índios em um local
chamado Miunissinks, conversando com eles a respeito do cristianismo.
Sentiu-se muito abatido e desconsolado, sozinho em um lugar deserto e
desconhecido. No sábado, 12 de Maio, chegou a um povoado de irlandeses e
holandeses, e, avançando cerca de vinte quilómetros, chegou em Sukhauwotung,
uma aldeia indígena, já em Forks of Delaware. - J.E.
Dia do Senhor, 13 de Maio.
Levantei-me cedo. Após minha longa viagem, senti-me muito mal,
molhado e fatigado da viagem. A melancolia tomara conta de mim; dificilmente eu
vira uma manhã tão escura em minha vida. Nem parecia ser um dia de descanso.
Todas as crianças estavam brincando; eu era apenas um estranho na floresta,
e não sabia para onde dirigir-me; todas as circunstâncias pareciam conspirar
para tornar meu ambiente negro e desencorajador. Fiquei desapontado quanto a
certo intérprete, e ouvi que os índios viviam ali muito dispersos.
Oh, como eu chorava pela presença de Deus, parecendo
uma criatura banida de sua vista! Contudo, o Senhor alegrou-se em apoiar minha
alma que afundava-se em meio a todas as minhas tristezas, de tal modo que nunca
entretive qualquer pensamento de desistir de meu trabalho entre os pobres
índios. Antes, senti consolo ao pensar que a morte, em breve, haveria de
libertar-me de todas essas aflições. Cavalguei cerca de cinco ou seis
quilómetros até à colónia irlandesa, onde encontrei alguns que pareciam sóbrios
e sérios acerca das questões religiosas. Diante disso, meu coração tomou um
pouco de coragem. Fui e preguei primeiro aos irlandeses, e então aos índios. À
noite senti-me mais confortado; minha alma pareceu descansar em Deus,
encorajando-se.
Dia do Senhor, 20 de Maio.
Preguei por duas vezes aos pobres
índios e desfrutei
alguma liberdade ao falar, enquanto tentava remover seus preconceitos contra o
cristianismo. Minha alma anelava continuamente pela ajuda do alto, pois vi que
não dispunha de forças suficientes para essa obra. Em seguida, fui pregar
novamente aos irlandeses, sentindo grande ajuda na primeira oração, e, de certa
forma, no sermão. Várias pessoas pareceram legitimamente preocupadas com o
estado de suas almas. Mais tarde pude conversar com elas, com grande liberdade
e algum poder. Bendito seja Deus por qualquer assistência conferida a um verme
indigno como eu. Oh, que eu viva exclusivamente para Ele!
Dia do Senhor, 27 de Maio.
Visitei os meus
índios pela manhã e fiz-me presente a um
funeral que houve entre eles. Fiquei deveras impressionado ao ver suas práticas
pagãs. Oh, que eles se convertessem "das trevas para a luz"! Em
seguida, consegui reunir um considerável número deles e lhes anunciei a
Palavra, tendo observado que mantiveram-se muito atentos. Depois disso, preguei
aos civilizados com base em Hebreus 2.3: "Como escaparemos nós, se
negligenciarmos tão grande salvação?" Pude falar com alguma liberdade e
poder. Diversas pessoas pareceram muito preocupadas com suas almas,
especialmente uma delas, criada como católica-romana. Bendito seja o Senhor
pela ajuda que recebi da parte dEle.
28 de Maio.
Deixei os
índios que vivem acima de Forks of Dela-ware e viajei para Newark,
em Nova Jersey, de acordo com as ordens que recebi. Cavalguei atravessando a
floresta e acabei muito fatigado por causa do grande calor. Alojei-me em um
lugar chamado Black River, quando já estava excessivamente cansado e
desgastado.
11 de Junho.
Hoje reuniu-se o presbitério em Newark, tendo em vista a minha ordenação.
Meu corpo estava muito débil e em má saúde; no entanto, esforcei-me por
depositar a minha confiança em Deus. Passei sozinho a Maior parte do dia,
especialmente antes do meio-dia. Às três da tarde preguei meu sermão de
aprovação, um texto sugerido a mim com esse propósito, baseado em Actos
26.17,18: "livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu te envio,
para lhes abrir os olhos e convertê-los..." Mas não me sentia bem, nem no
corpo nem na mente. Entretanto, Deus conduziu-me confortavelmente até o fim.
Estava muito cansado, e minha mente preocupava-se com as dimensões daquela incumbência
que estava prestes a ser colocada sobre mim. Minha mente sentia-se tão
pressionada pela responsabilidade da obra que estava sendo encarregado que nem
pude dormir na noite passada, embora estivesse exausto e em grande necessidade
de repouso.
12 de Junho.
Hoje pela manhã fui examinado em Maior
profundidade acerca de minha familiaridade experimental com o cristianismo.
Às dez horas da manhã ocorreu a minha ordenação pastoral. O sermão
foi pregado pelo Pastor Pemberton. Na oportunidade, fui invadido pelo
senso da importante responsabilidade que me estava sendo entregue;
mas mantive-me controlado e solene, sem distracções levianas. Espero que então, como
em muitas outras ocasiões anteriores, tenha-me dedicado ao Senhor, para ser
somente dEle, e de mais ninguém. Oh, que eu possa estar sempre
atarefado no serviço a Deus, lembrando-me devidamente da solene incumbência que
recebi na presença de Deus, dos anjos e dos homens. Amém.
-------------------------------
Notas:
1 Essa pessoa era o intérprete de Brainerd,
um jovem e habilidoso índio, residente em Stockbridge, cujo nome era John
Wauwaumpequunnaunt. Ele fora instruído na religião cristã pelo Pastor
Sergeant, havia morado com o pastor Williams, em Long Meadow. Depois, recebera Maior
instrução da parte dele, sob o encargo do Sr. Hollis, de Londres. Entendia
muito bem tanto o inglês como a língua indígena, além de ter boa caligrafia.
2 Os representantes que o
comissionaram tinham-no orientado a passar grande parte do inverno em companhia
do Pastor Sergeant, a fim de aprender a língua dos índios. Isso requeria que ele
cavalgasse com frequência para lá e para cá, por mais de trinta quilómetros
através da floresta desabitada entre Stockbridge e Kaunaumeek. E isso, por
muitas vezes, o expôs a grandes dificuldades na severa estação do inverno.
Capítulo 6
De sua ordenação
até ao início da pregação
aos índios de
Crossweeksung
13 de Junho de 1744 - 18 de Junho de 1745
13 de Junho de 1744
(em Elizabeth Town). Passei um tempo considerável escrevendo um
relato da maneira de viver dos índios, para ser enviado à Escócia. Também
passei algum tempo conversando com amigos, mas não com grande prazer
espiritual.
14 de Junho.
Recebi alguma atenção especial da parte de amigos e admirei-me que Deus
abrisse os corações de alguns para tratar-me com bondade. Via a mim mesmo como
sendo indigno de qualquer favor procedente de Deus ou de quaisquer dos meus
companheiros. Sofri muito com dor na cabeça. Entretanto, estava determinado a
empreender minha viagem para Delaware à tarde. Mas, quando a tarde chegou,
minha dor aumentou excessivamente, de modo que fui obrigado a ir para a cama.
Na terça-feira, 19 de Junho,
Brainerd partiu de viagem e dentro de três dias chegou à sua casa, perto de
Forks of Delaware. Esta viagem foi feita em meio a muita debilidade física, mas
sua alma foi consolada. - J.E.
Dia do Senhor, 24 de Junho.
Estou extremamente débil e quase não posso caminhar. Porém,
visitei meus índios e muito esforcei-me por instruí-los. Trabalhei com alguns
deles que antipatizavam muito com o cristianismo. Minha mente sentia-se
sobrecarregada diante do peso e da dificuldade de minha tarefa. Toda a minha
esperança e dependência de sucesso pareciam estar em Deus, pois só Ele poderia
tornar os índios dispostos a receber instrução. Meu coração voltou-se para a
oração, enviando pedidos silenciosos a Deus, mesmo enquanto falava a eles. Oh,
que eu sempre aja na força do Senhor!
25 de Junho.
Melhorei um pouco de saúde em comparação com os últimos dias, e fui
capaz de passar uma boa parte do dia em oração e estudo intenso. Tive grande
liberdade e fervor; anelei especialmente
pela presença de Deus em meu
trabalho, e que os pobres pagãos se convertessem. Na oração da noitinha, minha
fé e esperança em Deus receberam uma nova vitalidade. Para os olhos da
razão, tudo quanto diz respeito à conversão dos pagãos é negro como a
meia-noite; mas só posso esperar em Deus quanto ao acontecimento de algo
glorioso entre eles. Minha alma debateu-se pelo avanço do reino do Redentor na
face da terra. Temi muito em admitir algum pensamento vão e então perder o
senso das realidades divinas. Desejo muito manter uma atitude celestial
permanente!
26 de Junho.
Pela manhã, meus desejos pareciam elevar-se livremente até Deus. Estive
ocupado a Maior parte do dia, traduzindo orações para a língua dos
índios Delaware; tive grande dificuldade, pois meu intérprete não estava nada
familiarizado com a tarefa. Embora me sentisse muito desencorajado diante da
extrema dificuldade do trabalho, Deus me susteve, e, especialmente à noite,
refrigerou-me docemente a alma.
Em oração, minha alma pôde
expandir-se e minha fé actuou em um exercício sensível, e assim fui capacitado
a clamar a Deus pelos pobres índios. Embora a conversão deles pareça impossível
para o homem, para Deus tudo é possível. Minha fé foi muito fortalecida
quando observei a admirável ajuda dada por Deus a seus servos Neemias e Esdras,
na reforma do povo de Deus e no restabelecimento da antiga comunidade de
Israel. Fui poderosamente ajudado em oração em favor de meus queridos amigos
crentes, como também em favor de outros, segundo penso, sem Cristo. Mas minha
preocupação Maior foi acerca dos pobres pagãos, sobretudo aqueles que estão ao
meu encargo; e pude orar fervorosamente por eles, esperando que Deus descesse
dos céus para a salvação deles. Pareceu-me que não poderia mesmo haver
empecilho suficiente para obstruir essa obra gloriosa, porquanto o Deus vivo,
segundo minhas vivas esperanças, estava engajado nela.
Continuei assim em uma solene
atitude mental, elevando meu coração a Deus com ajuda e graça divinas, rogando
que eu pudesse me mortificar mais ainda para o mundo presente, a fim de que
minha alma estivesse voltada continuamente para o avanço do reino de Cristo.
Desejei ardorosamente que Deus me purificasse mais, para que eu fosse como um
vaso escolhido para levar o seu nome entre os pagãos.
28 de Junho.
Passei a manhã lendo várias porções das Santas Escrituras e também em
oração fervorosa pelos meus índios, a fim de que Deus estabelecesse o seu reino
entre eles, colocando-os em sua igreja. Cerca das nove horas recolhi-me ao meu
lugar usual de retiro, na floresta, e novamente recebi alguma ajuda em oração.
Minha Maior preocupação foi a conversão dos pagãos a Deus; e o Senhor ajudou-me
a implorar-Lhe em favor deles. Aproximando-se o meio-dia, cavalguei até os
índios para pregar, e, enquanto seguia, meu coração orava a Deus em favor
deles. Pude dizer abertamente a Deus que Ele sabia que a causa na
qual eu estava engajado não era minha, e, sim, a sua própria causa, e que a conversão dos
pobres índios redundaria em sua própria glória. Louvei a Deus por não ter o
desejo da conversão deles a fim de que eu fosse honrado pelo mundo como
instrumento dessa conversão. Senti alguma desenvoltura ao falar aos índios.
30 de Junho.
Minha alma ficou muito solene diante da leitura da Palavra de
Deus, em especial o capítulo 9 de Daniel. Vi como Deus chama os seus servos à oração,
levando-os a lutarem com Ele, quando Ele decide derramar qualquer bênção
misericordiosa sobre a sua igreja. Contudo, senti-me infeliz ao pensar em minha
lentidão e inactividade, quando parecia haver tanta coisa para fazer na
edificação de Sião. Oh, como Sião jaz desolada!
Dia do Senhor, 1o
de Julho.
Depois que cheguei entre os
índios, minha mente
ficou confusa, e nada senti daquela doce dependência de Deus, com a qual minha
alma fora consolada nos dias anteriores. Passei as horas antes do meio-dia
nessa postura mental e preguei aos índios em nada encorajado.
À tarde continuava sentindo-me estéril quando comecei a pregar,
isso pelo espaço de meia hora; parecia que eu nada sabia e que nada linha para
dizer aos índios. Mas pouco depois achei em mim mesmo um espírito de amor,
calor e poder, e Deus me ajudou a pleitear com eles, para que se voltassem das
vaidades do paganismo para o Deus vivo. Estou persuadido que o Senhor tocou em
suas consciências, pois eu nunca notara tal atenção da parte deles. Quando os
deixei, passei o tempo todo em que cavalgava de volta a meu alojamento, cinco
quilómetros dali, em oração e louvores a Deus.
Depois de chegar quase
à metade do percurso,
ocorreu-me que deveria dedicar-me novamente a Deus, o que fiz com a Maior
solenidade e indizível satisfação. Dediquei-me renovadamente tendo em vista a
obra do ministério. Isso fiz pela graça divina, espero, sem qualquer omissão ou
reserva, disposto a não evitar quaisquer dificuldades que pudessem acompanhar
essa grande e bendita obra. Até parecia que eu estava mais livre, animado e
sincero nessa minha dedicação a Deus. Minha alma toda clamava; "Senhor,
dedico-me a Ti! Oh, aceita-me, e deixa-me ser eu para sempre. Senhor, nada mais
desejo; não desejo outra coisa. Oh, vem, vem, Senhor, aceita um pobre
verme".
Meu coração rejubilava-se em
minha obra particular como missionário; regozijava-me em minha
necessidade de abnegação em vários aspectos. Continuei a dedicar-me a Deus,
implorando-Lhe a misericórdia, orando incessantemente, a cada momento, com um
doce fervor. Visto que meu corpo nestes últimos dias está enfraquecendo
visivelmente e que me sinto muito desgastado, agora parecia muito abatido; meus
dedos
ficaram fracos e um tanto entorpecidos, de tal maneira que
quase não
podia esticá-los direito, e quando eu desmontava de meu cavalo, quase não podia
andar, pois minhas juntas pareciam soltas umas das outras. Mas senti forças
abundantes em meu homem interior. Preguei aos civilizados; Deus muito me
ajudou, especialmente em oração. Diversos de meus pobres índios sentiram-se tão
impulsionados que vieram também à reunião, e um deles pareceu muito interessado.
3 de Julho.
Continuo muito fraco. Pela manhã pude orar sob o senso de minha necessidade
da ajuda divina, e confio que exerci alguma fé nesse exercício; e bendito seja
Deus, pude pleitear junto dEle por bastante tempo. Na verdade, Deus tem sido bondoso
comigo. Todavia, minha alma lamenta, entristecendo-se diante de minha
pecaminosidade e esterilidade, e anelei por atarefar-me mais no serviço do
Senhor. Perto das nove, retirei-me novamente para orar, e, através da bondade
divina, recebi o bendito espírito de oração. Minha alma amou a esse dever,
anelando por Deus. Oh, quão bom é pertencer ao Senhor, quão bom é
dedicar-se sensivelmente a Ele! Quão bendita porção é Deus! Quão glorioso e
amorável é Ele em Si mesmo! Minha alma anelou por utilizar melhor meu tempo
para Deus! Passei a Maior parte do dia traduzindo orações para a língua dos
índios. À noite, fui capacitado novamente a lutar com Deus em oração fervorosa.
Pude manter uma atitude espiritual de autodesconfiança e de vigilância,
sentindo-me preocupado e apreensivo, a fim de não permitir qualquer atitude de
descuido e autoconfiança.
6 de Julho.
Hoje pela manhã despertei no temor de Deus e passei meus primeiros
minutos acordado em oração pela minha santificação, a fim de que minha alma
fosse lavada de sua excessiva poluição e contaminação. Quando me levantei,
passei algum tempo lendo a Palavra de Deus e orando. Clamei a Deus, premido
pelo senso de minha grande indigência. Ultimamente tenho-me preocupado muito
com as qualificações ministeriais e com a conversão dos pagãos. No ano
passado, eu desejava estar preparado para o mundo da glória, desejando partir
prontamente deste mundo; mas de um tempo para cá só me interesso pela conversão
dos pagãos, e assim, anelo continuar vivo.
Mas bendito seja Deus, tenho menos
desejo de viver para os prazeres deste mundo do que jamais me acontecera antes.
Gosto e amo viver como um peregrino e desejo a graça para poder imitar
a vida, os labores e os sofrimentos de Paulo entre os pagãos. E quando agora
desejo Maior santidade, não é tanto por minha própria causa, como antes, e,
sim, para que eu possa tornar-me um capaz ministro do evangelho, especialmente
em favor dos pagãos.
7 de Julho.
Hoje pela manhã senti uma grande indisposição, com o vigor desgastado e
exaurido. Mas ao ler a história do arrebatamento de Elias, senti-me refrigerado
e tocado, podendo desfrutar de alguma
disposição e fervor em
oração. Muito ansiei por ter os dons e as graças ministeriais, a fim de poder
fazer alguma coisa pela causa de Deus. Depois, fui refrigerado e revigorado,
enquanto lia o primeiro Caso de Consciência, de Alleine. Em seguida pude
orar com algum ardor de alma, temendo a negligência e a autoconfiança, mas
desejando Maior santificação.
Dia do Senhor, 8 de Julho.
Minha alma sentiu-se extremamente unida aos santos da
antiguidade, mas também aos santos contemporâneos; ficou especialmente enternecida,
sentindo-se ligada a Elias e Eliseu. Pude clamar a Deus com um espírito de
confiança infantil, continuando em oração fervorosa por algum tempo.
Dediquei-me ao doce dever da intercessão; pude relembrar um bom número de
queridos amigos e de almas preciosas, sem esquecer-me dos ministros de Cristo.
Prossegui nessa atitude mental, temendo qualquer pensamento vazio, até que
adormeci.
21 de Julho. Nesta manhã fiquei muito
oprimido pelo senso de culpa e de vergonha, devido à minha vileza e poluição
internas. Cerca das nove horas retirei-me para a mata a fim de orar, mas não
recebi grande consolo, pois a mim mesmo eu parecia ser a mais vil e ruim das criaturas
da terra, quase não conseguindo tolerar-me. Tão vil e ruim me sentia que pensei
jamais poder erguer o rosto no céu, se Deus, em sua graça infinita, chegasse a
levar-me até lá. Já perto da noite, começou a avultar-se diante de mim a
responsabilidade de meu trabalho entre os índios. Isso foi agravado por
diversas coisas que ouvi; em particular, que tencionavam reunir-se no dia
seguinte para uma festa idólatra, com danças. Entrei em angústia. Pensei que,
por motivo de consciência, eu deveria tentar interrompê-la, mas não sabia como
conseguiria isto.
Porém, retirei-me para orar e pedir poder
do alto. Meu coração expandiu-se muito em oração e minha alma debateu-se como
nunca, até onde me recordo. Entrei em tal angústia e implorei com tanto fervor
e importunação que, quando me ergui, estava extremamente fraco e abatido, e
quase não podia manter-me erecto. Minhas juntas pareciam frouxas, o suor
escorria pelo meu rosto e pelo meu corpo todo; minha constituição física
parecia prestes a dissolver-se. Até onde eu podia julgar, tinha-me
desvencilhado de toda finalidade egoísta, em minhas súplicas fervorosas
pelos pobres índios. Eu sabia que eles estavam ali reunidos para adorar aos
demónios, e não a Deus. Isso fazia-me clamar do fundo da alma, para que Deus me
ajudasse prontamente, em minhas tentativas de interromper aquela reunião
idólatra. Minha alma derramou-se por muito tempo e pensei que Deus me ouviria,
indo comigo a fim de vindicar a sua própria causa. Parecia-me poder confiar em
Deus quanto à sua presença e assistência. Assim passei o anoitecer orando
incessantemente pela ajuda divina, a fim de que eu não mais dependesse tanto de
mim mesmo, mas que dependesse o tempo todo de Deus. Aquilo pelo que
passei foi notável, de fato, inexpressível. Tudo aqui desvaneceu-se e
nada parecia importante para mim, excepto a santidade no coração e na vida, e a
conversão dos pagãos a Deus. Todos os meus cuidados, temores e desejos que
poderiam ser classificados como mundanos, desapareceram, e, em minha estima,
pareciam menos importantes que um pequeno sopro. Ansiei muito que Deus fizesse
um nome entre os pagãos, e apelei a Ele com a Maior liberdade, dizendo-Lhe que
Ele sabia que eu preferia a Ele do que à minha Maior satisfação. Com efeito,
não me restou noção de alegria deste mundo; não me importava onde ou como
vivesse, e nem quais dificuldades eu tivesse de passar, contanto que pudesse
ganhar almas para Cristo. Continuei nessa atitude mental noite a dentro. Quando
dormia, sonhava sobre essas coisas, e quando acordava (o que sucedeu por
diversas vezes), a primeira coisa que me ocorria era o grande trabalho de rogar
a Deus protecção contra Satanás.
Dia do Senhor, 22 de Julho.
Ao despertar, minha alma concentrou-se no que parecia
estar diante de mim. Clamei a Deus antes mesmo de sair do leito, e assim que me
vesti, fui para a mata, a fim de derramar minha alma aflita diante de Deus, em
especial pedindo-Lhe ajuda para meu grande trabalho, pois quase não podia pensar em
outra coisa. Desfrutei do mesmo fervor, e com inigualável liberdade dediquei-me
de novo a Deus, para a vida ou para a morte, para todas as durezas a que Ele me
chamasse entre os pagãos; e senti como se nada pudesse desencorajar-me daquele
bendito trabalho. Tive a forte esperança de que Deus "romperia os céus e
desceria", fazendo alguma maravilha entre os pagãos. Enquanto cavalgava
até onde estavam os índios, cerca de cinco quilómetros de distância, meu
coração elevava-se continuamente a Deus, em busca de sua presença e ajuda,
quase na expectativa que Deus faria deste o dia de seu poder e graça entre os
pobres índios.
Quando cheguei onde eles estavam,
encontrei-os ocupados em seus festejos; mas mediante a bondade divina consegui
persuadi-los a desistir e a ouvir a minha pregação. No entanto, ainda assim
pareceu-me que não manifestava-se coisa alguma do poder de Deus entre eles.
Preguei-lhes novamente à tarde e pude notar que os índios estavam mais sérios
do que antes, mas ainda assim nada observei de especial entre eles. Diante
disso, Satanás tirou proveito da ocasião para tentar-me e esbofetear-me com
malditas sugestões: "Deus não existe; ou mesmo que exista, Ele não é capaz
de converter os índios, antes deles terem mais conhecimentos". Sentia-me
cansado e debilitado, com a alma esmagada por perplexidades; porém, eu estava
mortificado quanto a todos os encantos do mundo, resolvido a continuar
esperando em Deus no tocante à conversão dos pagãos, embora o diabo me tentasse
a pensar o contrário.
24 de Julho.
Cavalguei quase vinte e sete quilómetros na direcção oeste, subindo por
uma íngreme montanha, a fim de chegar a alguns índios. Consegui reunir cerca de
trinta deles e preguei à noitinha. Fiquei alojado entre eles. Eu estava fraco e
bastante desconsolado, mas não aceitava a ideia de quaisquer outras
circunstâncias ou actividades na vida. Meu desejo todo era a conversão dos
pagãos e toda a minha esperança estava fixa em Deus. Deus não me permitiu
agradar ou consolar a mim mesmo com a esperança de ver amigos, ao retornar à
companhia de meus conhecidos e então desfrutar de confortos materiais.
1o de Setembro.
Depois de um período de muita debilidade física, senti-me
mais robustecido, ao ponto de ser capaz de passar duas ou três horas escrevendo
sobre um assunto divino. Pude gozar de algum consolo e doçura de sentimentos
sobre as coisas sagradas; e visto que minhas forças físicas me foram um tanto
restauradas, minha alma também me pareceu revigorar-se um pouco, atarefando-se
nas coisas de Deus.
Dia
do Senhor, 2 de Setembro. Fui capaz de falar a meus pobres
índios com muito empenho e fervor.
Estou persuadido que Deus me permitiu exercer fé nEle, enquanto pregava.
Percebi que alguns deles temiam dar ouvidos e abraçar o cristianismo, para
não serem enfeitiçados e envenenados por algum dos powaws ou
feiticeiros. No entanto, pude exortá-los a não temerem tais coisas, mas antes a
confiarem em Deus quanto ao livramento e à segurança. Lancei um desafio a todos
esses poderes das trevas, para que primeiro desfechassem seu pior ataque
contra mim. Expliquei àquela minha gente que eu era um crente, e
perguntei deles por que os powaws não me enfeitiçavam e nem me
envenenavam. Mas raramente me sentira tão inadequado e indigno do que nesse meu
ato. Percebi que estava directamente envolvida a honra de Deus; e desejei ser
preservado — não por algum motivo egocêntrico, mas para que pudesse dar
testemunho do poder e da bondade de Deus, bem como da veracidade do
cristianismo, a fim de que Deus fosse glorificado. Depois percebi que minha
alma regozijava-se em Deus, devido à ajuda prestada por sua graça.
Depois disso, Brainerd encetou uma
viagem até
a Nova Inglaterra, e esteve ausente de sua cabana, em Forks of Delaware, pelo
espaço de três semanas. Durante esse tempo, esteve quase sempre em grande
debilidade física. Todavia, na parte final da jornada era notório que ele
conseguira bastante melhora em seu estado de saúde e em sua aparência geral. -
J.E.
26 de
Setembro.
Cavalguei de volta para casa, em Forks of Delaware. Quanto motivo
tenho para bendizer a Deus, o qual me preservou em viagem a cavalo por mais de
seiscentos e setenta quilómetros, sem que nenhum de meus ossos fosse quebrado! Também tenho
recuperado muito de minha saúde. Oh, que eu possa dedicar todo o meu ser a
Deus! Só assim posso dar-Lhe algum retorno.
Quando Brainerd começou a pregar ali, não
tinha mais do que vinte ou vinte e cinco ouvintes. Com o tempo, esse número
aumentou para quarenta ou mais; e, com frequência, pessoas que residiam nas
imediações vinham para ouvi-lo. Em carta ao Pastor Pemberton, ele afirmou o que
segue. - J.E.
"Os efeitos que as
verdades da Palavra de Deus têm tido sobre alguns dos índios deste lugar são um tanto
encorajadores. Alguns deles têm sido levados a renunciar a idolatria e
estão deixando de participar daquelas festas nas quais costumam oferecer
sacrifícios a certos supostos poderes desconhecidos. Alguns poucos dentre eles,
já faz agora algum tempo, têm manifestado uma séria preocupação pelo seu
bem-estar eterno. Eles continuam a 'inquirir pelo caminho para Sião', com tal
diligência, fervor e compatível solicitude que isso me tem dado razão para
esperar que Deus, que tem iniciado essa obra neles, dará prosseguimento à
mesma, até que daí resulte a conversão salvadora deles ao Senhor. Esses não
somente passaram a detestar suas antigas noções idólatras, mas também a
esforçar-se para trazerem de longe os seus amigos. E visto que estão buscando a
salvação para suas próprias almas, assim também parecem desejosos — e alguns
deles mostram-se intensos nisso — que outros sejam estimulados a fazer a mesma
coisa.
"Também há muitas dificuldades
que acompanham a cristianização desses pobres pagãos.
"Em primeiro lugar, suas
mentes vivem cheias de preconceitos contra o cristianismo, por causa de
suas vidas caracterizadas pelos vícios
e por causa da conduta não-cristã de
certas pessoas que se dizem cristãs. Esses não somente lhes dão o pior exemplo
possível, mas existem até alguns que usam de muitas palavras para dissuadir os
índios de tornarem-se cristãos, prevendo que se estes converterem-se a Deus,
perder-se-ia assim 'a sua esperança de lucro ilegítimo'.
"Além disso, aqueles
pobres pagãos são extremamente apegados a seus costumes, tradições e lendas
fantásticas de seus antepassados. Parece que o alicerce de todas as suas
outras noções têm por base a ideia que 'o Deus que os criou não foi o mesmo que
fez os brancos'. Esse outro Deus ordenou que vivessem caçando, etc., jamais
amoldando-se aos costumes das pessoas brancas. Assim, mesmo quando desejam
tornar-se cristãos, com frequência respondem que 'viverão conforme seus pais
sempre viveram, para irem para junto deles quando morrerem'. Quando os milagres
de Cristo e de seus apóstolos são mencionados como prova da veracidade do
cristianismo, eles também mencionam diversos milagres que seus pais lhes
contaram que foram operados entre os índios; e Satanás leva-os a acreditar que
assim sucedeu. Apegam-se muito à idolatria, realizando festas frequentes,
quando comem em honra a algum
dos seres desconhecidos,
os quais, segundo supõem, lhes falam por meio de sonhos, prometendo-lhes sucesso
na caça e em outros afazeres, quando oferecem-lhes sacrifícios. Também, por
muitas vezes, oferecem seus sacrifícios aos espíritos dos mortos, os quais,
segundo supõem, carecem de favores da parte dos vivos, mas que, no entanto,
acham-se em uma condição tal que podem recompensar as demonstrações de bondade
que os vivos mostram para com eles. E explicam todas as suas calamidades à
negligência quanto a esses sacrifícios.
"Ainda, admiram muitíssimo aqueles,
dentre eles, que chamam de powaws, os quais, supostamente, possuem o
poder de enfeitiçar, de envenenar alguém até à morte, ou, pelo menos, de uma
maneira muito maléfica. E entendem que seria a triste sorte deles ficarem assim
enfeitiçados no caso de se tornarem cristãos.
"A maneira deles
viverem
também é uma grande desvantagem ao
desígnio de sua cristianização. Vivem continuamente vagueando de lugar para
lugar, sendo muito raro que surja alguma oportunidade para instruir mais
detidamente qualquer deles."
1o de
Outubro.
Estive ocupado em preparar-me para a minha tencionada viagem ao
Rio Susquehanna. Por várias vezes retirei-me para a floresta, a fim de orar em secreto,
e procurei pedir que a presença divina fosse comigo até aos pobres pagãos, a
quem me competia pregar o evangelho. Pouco antes de anoitecer, cavalguei cerca
de seis quilómetros e meio e tive um encontro com o irmão Byram, que a meu
pedido viera ser meu companheiro de viagem até o território índio. Regozijei-me
ao vê-lo e confio em Deus que o nosso diálogo me foi proveitoso. Conforme acho,
percebi-o mais morto do que eu para o mundo, para os seus cuidados ansiosos e
para as suas atracções. Isso levou-me a examinar a mim mesmo, conferindo-me um
senso mais profundo de minha culpa, ingratidão e miséria.
2 de Outubro. Parti de viagem
em companhia do querido irmão Byram e de meu intérprete, além de dois chefes índios
de Forks of Delaware. Viajamos por cerca de quarenta quilómetros e ficamos
alojados numa das últimas cabanas existentes em nossa estrada, depois da qual
nada mais havia senão a floresta horrenda e uivante.
3 de Outubro.
Em nossa jornada, continuamos na floresta e enfrentamos a mais
difícil
e perigosa viagem que já tínhamos feito até então. Quase não havia mais nada à
nossa frente senão elevadas montanhas, vales profundos e rochedos imensos, entre
os quais tivemos de avançar. Entretanto, pude sentir certa alegria espiritual
durante parte do dia e minha mente ocupou-se em intensa meditação sobre certo
assunto espiritual. Quando já escurecia, minha égua prendeu uma perna entre
umas rochas e caiu debaixo de mim, e, somente pela bondade divina, não fiquei
machucado. Mas a égua quebrou a perna. Visto que o local era
tão desolado, longe cerca de cinquenta quilómetros de qualquer
casa, nada vi que pudesse preservar a vida do animal, e assim fui obrigado a
matá-la, prosseguindo viagem a pé. Esse acidente uma vez mais me fez admirar a
bondade divina, que sempre impediu que algum osso meu fosse quebrado, embora
todos eles me doessem. Quando já estava escurecendo, acendemos uma fogueira,
cortamos alguns arbustos e fizemos um abrigo sobre as nossas cabeças, para
proteger-nos da geada que caía pesada naquela noite. Então, entregando-nos a
Deus por meio de uma oração, deitamo-nos no chão e dormimos tranquilamente.
No dia seguinte, os viajantes
prosseguiram viagem, e quando anoiteceu, abrigaram-se na floresta da mesma
maneira que tinham feito na noite anterior. - J.E.
5 de Outubro.
Chegamos
à beira do Rio Susquehanna em um local chamado Opeholhaupung, e
ali encontrei doze cabanas de índios. Depois de ter saudado o chefe de maneira
amigável, disse-lhe o que viera fazer e que o meu desejo era ensinar-lhes o cristianismo.
Após alguma consulta, os índios reuniram-se e pude pregar para eles. Depois
que terminei, perguntei se gostariam de ouvir-me de novo. Eles responderam que
iam resolver, e logo mandaram-me um recado de que estariam presentes
imediatamente se eu quisesse pregar. Assim, por ambas as vezes, preguei com
grande liberdade. Quando perguntei novamente se eles gostariam de continuar a
ouvir-me, responderam que o fariam no dia seguinte. Percebi claramente a
impossibilidade de fazer qualquer coisa por aqueles pobres pagãos, se não
houvesse uma ajuda especial do alto; então minha alma pareceu descansar em
Deus, deixando nas mãos dEle fazer conforme melhor Lhe agradasse, por ser
aquela a sua própria causa. De fato, por meio da bondade divina, sentira algo
dessa atitude mental por quase todo o tempo em que estive em jornada e, até
certo ponto, antes de ter partido para lá.
6 de Outubro.
Levantei-me cedo e busquei o Senhor para que me ajudasse em minha
importante obra. Perto do meio-dia, preguei novamente aos
índios; à tarde
visitei-os de casa em casa, convidando-os a virem ouvir-me novamente no dia
seguinte, pedindo que desistissem de caçar até a segunda-feira, conforme tinham
planejado. Confio que "nesta noite o Senhor se pôs ao meu lado", a
fim de encorajar e fortalecer a minha alma. Passei mais de uma hora em retiro
secreto, quando pude "derramar o meu coração diante de Deus",
rogando-Lhe que aumentasse a acção de sua graça em minha alma, que me desse
mais dons ministeriais e sucesso no meu trabalho entre os infelizes índios,
além de fazer petições pelos ministros e pelo povo de Deus, por queridos amigos
distantes. Bendito seja Deus!
8 de Outubro.
Visitei os
índios com o propósito de despedir-me
deles, supondo que iriam
à caça esta manhã; mas como nem havia esperado,
eles desejavam ouvir-me pregar novamente. Alegremente atendi o pedido deles, e
depois esforcei-me por responder às suas objecções contra o cristianismo.
9 de Outubro.
Levantamo-nos cerca de quatro horas da madrugada,
recomendando-nos a Deus em oração, pedimos a sua protecção e iniciamos nossa viagem de
volta para casa. A tarde, ainda a caminho, tive pensamentos claros e
consoladores sobre um assunto espiritual. Viajamos com passo apertado até
depois das seis horas da tarde; então fizemos uma fogueira e um abrigo de casca
de árvore e, assim, pudemos repousar. Durante a noite, os lobos uivavam ao
nosso redor; mas Deus nos preservou.
12 de Outubro.
Cavalguei de volta
à minha casinha, onde derramei minha alma
diante de Deus em oração secreta, procurando exaltá-Lo devido à sua abundante
graça para comigo em minha última jornada. Pelo menos nos últimos anos, nunca
gozei de melhor saúde; e Deus, de forma maravilhosa, quase miraculosa, tem-me
sustentado em meio às fadigas do caminho, em que cheguei até a viajar a pé.
Bendito seja o Senhor, que continuamente me preserva.
Dia do Senhor, 14 de Outubro.
Fui até ao lugar de adoração pública, elevando meu coração a Deus
pela sua ajuda e graça em meu grande trabalho. Deus tem sido gracioso para
comigo, ajudando-me a solicitar-Lhe santidade e a usar diante dEle os meus
melhores argumentos, extraídos da encarnação e dos sofrimentos de Cristo, que
aconteceram para que os homens fossem santificados.
Logo depois, fui muito ajudado na
pregação.
Não sei se Deus já me havia ajudado tanto a pregar de modo mais exacto e
distinto acerca do estado pecaminoso do homem. Por meio da infinita bondade de
Deus, eu sentia o que estava dizendo e Ele capacitou-me a tratar a verdade
divina com uma clareza incomum.
24 de Outubro.
Já
quase ao meio-dia,
cavalguei até à minha gente. Passei com eles algum tempo, e orei com eles.
Senti que estava na atitude mental de um peregrino na terra, e muito desejei
deixar esta minha infeliz tenda corporal, apesar do que percebi em mim o
exercício da paciência e da resignação. Ao voltar dos índios para casa, passei
o tempo todo procurando elevar meu coração a Deus. À noitinha, desfrutei de um
abençoado período solitário de oração. Pude clamar a Deus com um espírito de
confiança infantil, pelo espaço de quase uma hora. Desfrutei de doce
desenvoltura ao suplicar por mim mesmo, por amigos queridos, ministros e outros
que estão se preparando para essa obra, e também pela igreja de Deus. Desejei
mostrar-me tão vivo para o serviço de Deus quanto os anjos.
31 de Outubro.
Pude sentir bem minha aridez e minhas falhas quanto
às realidades divinas
— minha alma estremeceu quando lembrei do fervor que havia desfrutado diante do
trono da graça. Oh, pensei, se ao menos eu pudesse manter uma mente espiritual,
calorosa e celestial, aspirando afectuosamente por Deus. Para mim, isso seria
melhor do que a própria vida! Minha alma desejou profundamente a morte, ser
libertada deste meu embotamento e esterilidade, e tornar-me para sempre activo
no louvor ao Senhor. A mim parecia que eu estava vivendo para o nada, sem poder
praticar qualquer bem: oh, quão amarga parece a minha vida! Oh, morte, morte,
minha boa amiga, apressa-te em vir livrar-me de minha rude mortalidade, para
que eu seja um ser espiritual e vigoroso na eternidade!
21 de Novembro.
Viajei a cavalo de Newark a Rockciticus, debaixo do frio, e quase
fui vencido pelo mau tempo. Mas, durante o almoço, ao conversar com o querido Pastor
Jones, obtive doçura de espírito. Minha alma ama o povo de Deus, em especial os
ministros de Jesus Cristo que passam pelas mesmas dificuldades que eu.
22 de Novembro.
Segui viagem de Rockciticus para o Rio Delaware. Sentia-me
fisicamente abatido, tendo apanhado um resfriado e muita dor de cabeça. Cerca das seis
horas da tarde, perdi-me na floresta, e fiquei vagueando entre rochedos e
montanhas, descendo por íngremes barrancos, cruzando pântanos e os mais
temíveis e perigosos lugares. A noite escureceu de vez e poucas estrelas podiam
ser vistas; assim fiquei exposto ao tempo. O frio me espicaçava e a dor fazia
minha cabeça latejar, acompanhada por dor no estômago, de tal modo que cada
passo me era muito doloroso. Pouca esperança restou-me, por várias horas,
pensando que teria de conformar-me em passar a noite inteira na floresta,
naquela aflitiva situação. Mas cerca das nove horas da noite encontrei uma
casa, devido à graça abundante de Deus, e fui bondosamente acolhido. Assim, por
muitas outras vezes tenho ficado sujeito ao mau tempo e fora de casa, algumas
vezes a noite inteira. Até aqui, porém, o Senhor tem-me preservado; bendito
seja o seu nome.
Essas fadigas e duras provas
servem para desvincular-me da terra; e, segundo espero, farão o céu tornar-se
mais doce para mim. Antes, quando ficava assim exposto ao frio, à chuva, etc,
eu sempre agradava a mim mesmo com pensamentos de usufruir de uma casa
confortável, de uma lareira quentinha, além de outros confortos materiais; mas
agora essas coisas ocupam menos espaço em meu coração (pela graça divina), e meus olhos volvem-se mais
para Deus em busca de consolo. Neste mundo só espero tribulações; antes isso me
parecia estranho, mas não agora. Nesses períodos de dificuldade, não me
lisonjeio diante da ideia que as coisas melhorarão mais tarde; pelo contrário,
penso quão pior poderia ter sido, e como outros dos filhos de
Deus passam por tribulações piores que as minhas. Talvez me estejam
reservadas coisas piores.
Bendito seja Deus, que tem feito
com que meus pensamentos sobre o fim de minha jornada terrestre e da dissolução de meu corpo se
tornem um grande consolo para mim, mesmo debaixo de minhas piores provações.
Raramente Ele permite que estes pensamentos estejam acompanhados de terrores e
de melancolia; antes, com frequência são acompanhados de grande alegria.
Nos doze dias seguintes, Brainerd
passou muito tempo em trabalho
árduo, junto com outros, construindo para si mesmo uma
cabana de toras, a fim de viver sozinho durante o inverno. Não obstante, ele
pôde pregar com frequência a seus queridos índios, aludindo à ajuda divina
especial que lhe fora dada em determinadas ocasiões, ao dirigir-lhes a palavra.
A atenção que os índios lhe davam muito o encorajou. Porém, numa terça-feira, 4
de Dezembro, ele afundou em grande desencorajamento, ao ver a Maioria deles
participar de uma festa e danças idólatras, mesmo depois de muito
haver-se esforçado por dissuadi-los. - J.E.
6 de Dezembro. Foi-me dada a feliz
oportunidade de recolher-me numa casa de minha propriedade, para a qual me
mudei. Considerando que faz agora muito tempo, ou por motivo de debilidade física ou por falta de
um lugar para onde retirar-me, ou por causa de alguma outra dificuldade, que
tenho passado algum tempo em jejum e oração secreta, e considerando também a
enormidade de minha tarefa e as extremas dificuldades que a acompanham, além do
fato que meus pobres índios estão agora adorando a demónios, apesar de
todo o esforço que tenho envidado entre eles, o que quase avassala o meu
espírito; e considerando, igualmente, minha grande esterilidade, amortecimento
espiritual, nestes últimos dias, sem falar na força de certas corrupções
particulares, separei este dia para oração secreta e jejum, a fim de implorar a
bênção de Deus para mim mesmo, para minha pobre gente, para meus amigos e para
a igreja de Deus em geral.
A princípio senti grande
dificuldade em cumprir meus deveres do dia, por causa da aparente
impossibilidade de realizá-los; mas o Senhor ajudou-me a vencer essa
dificuldade. Deus agradou-se, através do uso de meios, em conferir-me uma clara
convicção de minha pecaminosidade, podendo eu então perceber a praga oculta
em meu próprio coração, mais agravadamente do que tudo que eu tinha notado
até então. Vi minha pecaminosidade especialmente nisto, que quando Deus
retirou-se momentaneamente, então, ao invés de viver e morrer buscando-o,
inclinei-me para uma destas duas coisas: Ou render-me diante de desejos inconvenientes
para cousas terrenas, como se a felicidade procedesse delas; ou mostrar-me
secretamente impaciente e pertinaz, desejando a morte de qualquer
maneira, de modo tal que algumas vezes cheguei a pensar que minha vida não
poderia continuar a ser mais prolongada.
Aquilo que por muitas vezes
deixou-me em um impaciente desejo de morrer foi o desespero de não poder fazer
qualquer bem nesta vida, e então eu preferia mais a morte do que uma vida
inútil. Agora, entretanto, Deus me despertou para o pecado envolvido nessas
atitudes, capacitando--me a pedir-Lhe perdão. No entanto, não era isso tudo quanto
eu queria, pois a minha alma parecia-me excessivamente poluída; meu coração, um
ninho de víboras, ou uma gaiola de aves imundas e odiosas. Assim sendo, eu
queria ser purificado "pelo sangue da aspersão, que purifica de todo o
pecado". Por isso, como penso, foi concedida a oração. Comecei a gozar de
um fervor e de uma espiritualidade bem mais intensos do que eu pensava me serem
possíveis; Deus mostrou-se mais bondoso comigo do que eu havia pensado em meus
temores. Aproximando-se a noite, senti minha alma regozijar-se, diante do fato
que Deus é imutavelmente feliz e glorioso, e que Ele será glorificado, sem
importar o que suceda às suas criaturas. Assim, pude perseverar em oração até
certa hora do começo da noite, quando senti tão grande necessidade da assistência
divina, em todos os aspectos, e pela qual me empenhara tanto, que me esquecera
de interromper o meu exercício espiritual a fim de tomar algum alimento
necessário. Bendito seja o Senhor, por qualquer ajuda que me tenha dado durante
todo este dia.
7 de Dezembro.
Passei algum tempo dedicado
à
oração na parte da manhã.
Desfrutei de alguma liberdade e prazer no cumprimento de meus deveres e aspirei
muitíssimo ser "fiel até à morte". Passei algum tempo escrevendo a
respeito de um assunto religioso. Então parti de visita aos índios, com a
intenção de pregar-lhes a Palavra. Todavia, não consegui reunir coragem para
falar com eles, não podendo fazê-lo sem um esforço especial. Pois reconhecia
que eles não gostam de ouvir-me, especialmente agora que eles tinham acabado de
voltar de sua festa idólatra e adoração aos demónios. No entanto, à noitinha,
senti liberdade para orar e meditar.
12 de Dezembro.
Senti-me muito fraco; mas fui um tanto ajudado em oração secreta, e pude
clamar, com prazer e doçura de alma: "Vem, Senhor Jesus! Vem, Senhor
Jesus, vem imediatamente! Minha alma anela por Deus, pelo Deus vivo". Quão
deleitoso é orar sob tão ternas influências! Isso é muito mais satisfatório do
que o alimento! Embora a manhã já estivesse avançada, não tinha disposição para
comer, pois todo alimento matinal pareceu-me sem o menor sabor. Oh, quão
"melhor é o teu amor do que o vinho", do que o mais excelente vinho!
Visitei os índios à tarde, para os quais preguei; mas sentindo-me muito
solitário. Descobri que meu intérprete estava um tanto preocupado com a sua
alma, o que me serviu de algum encorajamento, embora tenha-me infundido uma
nova preocupação. Como anelei pela sua conversão; elevei meu coração a Deus,
enquanto ele me falava a respeito. Voltei para minha casa e derramei minha alma
diante de Deus em favor dele. Usufruí de
alguma
liberdade em oração e fui capacitado, eu penso, a deixar tudo aos cuidados de
Deus.
18 de Dezembro.
Fui ter com os
índios e preguei a eles por quase uma hora, embora sinta
que faltava-me poder para chegar perto de seus corações. Finalmente, porém,
senti algum fervor e Deus ajudou-me a falar-lhes calorosamente. Meu intérprete
também foi muito ajudado pelo alto; e, finalmente, quase todas as pessoas
adultas ficaram comovidas, e as lágrimas desciam-lhes pelas faces. Certo homem
idoso, com cerca de cem anos de idade, como suponho, ficou tão comovido que
chorou, parecendo convencido da importância do que estava lhes ensinando. Permaneci
com os índios um tempo considerável, exortando-os e orientando-os; e saí dali
com o coração elevado a Deus, em oração e louvores. Então encorajei e exortei o
meu intérprete a "esforçar-se por entrar pela porta estreita". Ao
chegar em casa, passei boa parte da tarde em oração e acção de graças. Notei
que eu mesmo estava de coração alegre e vivificado. Grande era o meu interesse
que a obra do Senhor, que agora parecia ter realmente começado, fosse efectuada
com poder, com vistas à conversão daquelas pobres almas e para a glória da
graça divina.
25 de Dezembro.
Na noite passada quase não consegui conciliar
o sono, em razão de minha grande debilidade física; no entanto, meu coração nem
por isso deixou de mostrar-se vivo em oração e louvor. Deleitei-me ante a
glória e a felicidade divinas e regozijei-me no fato que Deus é Deus,
imutavelmente dotado de glória e bênção. Penso que Deus tenha mantido
abertos os meus olhos, ajudando-me a usar melhor o meu tempo, em meio à
minha fraqueza física e às minhas dores, em meditação contínua sobre o trecho
de Lucas 13.7: "Há três anos venho procurar fruto nesta figueira..."
Minhas meditações foram amenas; e desejei expor diante dos pecadores o pecado
deles e o perigo em que se acham.
Brainerd por alguns dias continuou
abatido no seu estado de saúde, o que parece ter servido de obstáculo em seus
exercícios e buscas espirituais. Não obstante, pôde expressar que reconhecia
ter sido um tanto ajudado por Deus, dia após dia, por todo o resto daquela
semana. Nesse tempo, pôde pregar diversas vezes aos seus índios; e estes continuaram
mostrando algum interesse por suas próprias almas. - J.E.
9 de Janeiro de 1745.
Pela manhã, Deus agradou-se em remover aquela tristeza que, de uns tempos
para cá, vinha oprimindo minha mente e concedeu-me liberdade e doçura em minhas
orações. Assim fui encorajado, fortalecido e capacitado a pleitear pela graça
divina, para mim mesmo e para meus pobres índios. Fui suavemente assistido em
minhas intercessões diante de Deus em favor de outras pessoas. Aquelas coisas
que, ultimamente, me têm parecido mais difíceis, e quase impossíveis, agora não somente me parecem possíveis, mas até mesmo
fáceis. Minha alma deleitou-se de tal modo em prosseguir em oração constante,
durante esse bendito período, que nem tive desejo pelo alimento necessário.
Antes, temi deixar de orar, para não perder os instantes de doce
espiritualidade, bem como a bendita gratidão a Deus que tem tomado conta de
mim. Agora estou plenamente disposto a continuar vivendo, enfrentando todas as
tribulações que porventura ainda restem para mim neste mundo de tristezas; mas
continuo anelando pelo céu, a fim de poder glorificar a Deus de maneira
perfeita. "Oh, Senhor Jesus, volta
rapidamente."
Dia do Senhor, 3 de Fevereiro.
Pela manhã, conseguira livrar-me daquela melancolia e confusão que
tanto têm afectado minha mente nos últimos dias; pude orar com alguma
compostura e consolo. No entanto, dirigi-me tremendo até os meus índios. Deus,
porém, achou por bem ouvir minhas súplicas e ajudou-me muitíssimo, de tal
maneira que a paz tomou conta de minha alma. Fiquei satisfeito diante do fato
que se nenhum dos índios tirasse proveito espiritual de minha pregação, e todos
fossem condenados, contudo, eu seria aceito pelo Senhor e seria galardoado como
um crente fiel, pois estou persuadido que Deus tem me permitido essa fidelidade.
Indo a um outro lugar, pude desfrutar de certo grau da ajuda divina e tive
grande vontade de ver meus pobres índios converterem-se.
No sábado seguinte, Brainerd pregou em
Greenwich, Nova Jersey. No crepúsculo, cavalgou treze quilómetros, a fim de visitar
um homem tão doente que já estava moribundo, tendo-o encontrado incapaz de
falar e desmaiado. - J.E.
11 de Fevereiro. Mais ou
menos ao romper do dia o homem doente faleceu. A cena muito me impressionou e
passei a manhã com os que lamentavam a sua morte. Após orar e discursar com
eles, retornei a Greenwich, onde novamente preguei, baseado no Salmo 89.15.
"Bem-aventurado o povo que conhece os vivas de júbilo, que anda, ó Senhor,
na luz da tua presença." O Senhor prestou-me alguma ajuda espiritual, e senti
um terno amor pelas almas e pelo reino de Cristo. Anelei por ver os pobres
pecadores ouvirem "os vivas de júbilo". Várias pessoas pareciam ter
ficado muito tocadas pela Palavra. Após a reunião, pude conversar com liberdade
e interesse com algumas pessoas que me consultaram por causa de perturbações
espirituais. Então deixei o local com a mente em paz, e cavalguei de volta para
casa. Chegando, pus-me a conversar com amigos, procurando inculcar-lhes certas
verdades espirituais.
A noitinha fiquei numa atitude
mental tão
séria como quase não lembro ter ficado antes. Penso que nunca senti a morte tão
próxima e tão real para mim, como se eu já fosse um cadáver, inerte sobre um
leito, já preparado para ser posto num sepulcro escuro. Nunca isso se
patenteara tão claramente para mim como naqueles instantes. No entanto,
sentia-me perfeitamente tranquilo, a mente bem equilibrada e calma. A morte,
ao que parecia, tinha perdido o seu ferrão. Penso que nunca antes me
desligara tanto dos objectos materiais, como então. Oh, como a ideia da morte
me pareceu algo grandioso e solene! Oh, como jaz no pó a Maior de todas as
honrarias! Oh, como me pareceram inúteis e insignificantes as riquezas, as
honrarias e os prazeres deste mundo! Eu nem queria e nem ousava pensar em qualquer
dessas coisas; pois a morte, a própria morte, parecia estar à espera, na
soleira da porta. Oh, eu podia ver-me morto, jazendo em um leito, posto em um
esquife, e em seguida depositado em uma fria sepultura, com a Maior solenidade,
mas sem o menor terror! Passei a Maior parte da noitinha conversando com um
querido amigo crente. Bendito seja Deus pelas consolações recebidas neste dia.
15 de Fevereiro. Ocupei-me
em escrever quase o dia inteiro.
À noitinha recebi grande ajuda ao meditar
sobre aquele texto precioso de João 7.37: "Levantou-se Jesus e exclamou:
Se alguém tem sede, venha a mim e beba". Recebi então um notável senso da
graça gratuita do evangelho. Minha alma foi encorajada, aquecida e reavivada.
Muito desejei a presença de Deus, em oração; minha alma pôs-se em atitude de
vigilância, temendo perder a presença daquele Hóspede tão importante que eu
estava entretendo. Continuei por longo tempo ocupado em oração e meditação,
mesclando intermitentemente um exercício com o outro e não me dispus a ter a
atenção desviada para qualquer outra coisa. Anelei por proclamar a este mundo
de pecadores a graça sobre a qual estava meditando. Oh, quão viva e poderosa
é a Palavra do bendito Deus.
Dia do Senhor, 17 de Fevereiro.
Preguei
às pessoas brancas (pois meu intérprete estava
ausente), no campo, na falda ensolarada de uma colina. O número de pessoas
presentes foi bastante razoável; muitas delas residiam a nada menos de
cinquenta quilómetros de distância, mas outras vieram de mais perto, cerca de
trinta quilómetros. Discursei para elas o dia inteiro, baseado em João 7.37. À
tarde, o Senhor agradou-se em conferir-me grande liberdade e fervor em meu
sermão; fui capaz de imitar o exemplo de Cristo no texto, quando Ele
levantou-se
e exclamou...
Penso que dificilmente fora capaz
de expor, com Maior liberdade e clareza, para pecadores que perecem, a gratuita
graça
divina, em toda a minha vida. Posteriormente, senti-me capaz de convidar
sinceramente aos filhos de Deus, a fim de que viessem beber repetidamente dessa
fonte de água viva, de onde antes derivaram uma indizível satisfação. Para mim,
aquelas foram horas deveras revigorantes. Entre os presentes, muitos choravam;
e não duvido que o Espírito de Deus estava presente, convencendo pobres
pecadores de sua urgente necessidade de Cristo.
Dia do Senhor, 24 de Fevereiro.
Pela manhã estava muito hesitante. Estando ausente o intérprete,
não sabia como fazer o trabalho entre os índios. Apesar disso, montei o cavalo
e fui até eles, tendo conseguido um intérprete holandês, embora ele não
estivesse bem treinado para a tarefa. Depois, voltei e preguei para algumas
poucas pessoas civilizadas, tendo usado a passagem de João 6.67.
"Porventura quereis também vós outros retirar-vos?" Então o Senhor
pareceu tirar de mim um peso, especialmente perto do fim do meu sermão.
Senti-me livre para expor o amor de Cristo a seus próprios queridos discípulos.
Quando o resto da humanidade abandona a Cristo e nós parecemos esquecidos
dEle, eis que Ele então volta-se para os que Lhe pertencem, e diz: "Quereis
também vós outros retirar-vos ?" Tive um senso da graça gratuita de
Cristo para com seu próprio povo, nestes tempos de apostasia geral, quando os
crentes mesmos desviam-se, em certa medida, preferindo o mundo. Oh, a graça
gratuita de Cristo, que Ele nos relembre em ocasiões oportunas o perigo que há
em nos desviarmos, e nos convide a perseverar em segui-Lo! Entendi que
as almas desviadas, que parecem estar prestes a acompanhar o mundo, podem
retornar, sendo acolhidas de volta, prontamente, pelo Senhor, mesmo que nada
exista capaz de recomendá-las a Ele, a despeito de todos os seus desvios
passados. Assim, meu sermão foi apropriado para o caso de minha própria alma;
pois de algum tempo para cá tenho sentido grande falta desse senso e apreensão
da graça divina, e por muitas vezes tenho sido afligido em minha própria alma,
porquanto não me tenho conscientizado devidamente dessa fonte aberta e capaz de
purificar-me de meus pecados, visto que muito tenho labutado, somente com
minhas próprias forças, em busca de vida espiritual, paz de consciência e
santidade crescente. Mas agora Deus mostrou-me, pelo menos até certo ponto, o
braço de todo o poder e a fonte de onde emana toda a graça. À noite,
minha atitude mental era séria, dependendo da graça divina gratuita, como meu
auxílio, aceitação e paz de consciência.
6 de
Março.
Passei a Maior parte
do dia preparando-me para uma viagem até Nova Inglaterra; dediquei algum tempo
à oração, especialmente quanto a esse projecto. Temi perder de vista a Fonte
de água viva, tentando obter satisfação em meras cisternas rotas — amigos
e conhecidos, que poderia encontrar pelo caminho. Roguei a Deus que não me
deixasse apelar para essa vaidade, ou para outras coisas inúteis. Quase
ao cair da noite, e mesmo depois, recebi a visita de alguns amigos, alguns dos
quais considero cristãos autênticos. Esses revelaram preocupar-se sinceramente
comigo, parecendo tristes que eu estivesse prestes a deixá-los, especialmente
porque não esperava ficar por muito tempo entre eles, ou se viveria o bastante
para retornar.1 Oh, quão bondoso Deus tem sido comigo! Como Ele tem
levantado amigos, por toda a parte onde a sua providência tem me chamado! Os
amigos servem de grande
consolação e Deus é quem os
dá, e quem os torna amoráveis para comigo. "Bendize, ó minha alma, ao
Senhor, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios" (Salmo 103.2).
No dia seguinte, Brainerd partiu
em viagem. Passaram-se aproximadamente cinco semanas antes dele regressar. O
motivo especial dessa jornada, conforme ele mesmo declarou em seu diário, a 21 de Março,
falando da conversa com certo ministro da Nova Inglaterra, foi: "Combinei
com ele sobre como levantaria algum dinheiro, entre amigos crentes, a fim de
sustentar comigo um colega, na floresta (pois eu já vivia em grande solidão
pelo período de dois anos), para que trabalhássemos juntos. Cristo também
enviou seus discípulos de dois em dois. Muito me esforcei nesse sentido,
porquanto era o principal projecto que tinha em mira, na esperança que Deus me
daria bom êxito, para sua glória".
Primeiramente, Brainerd dirigiu-se
a várias
partes de Nova Jersey, onde visitou diversos ministros. Então foi a Nova York;
dali subiu à Nova Inglaterra, tendo percorrido diversas regiões do Estado de
Connecticut. Depois retornou a Nova Jersey e encontrou-se com diversos
pastores, em Woodbridge, os quais, segundo ele, "tinham-se reunido ali a
fim de consultarem sobre questões atinentes ao reino de Cristo". Ao que
parece, durante a Maior parte da jornada, não foi assediado por ataques de melancolia.
Por mais de uma ocasião parece ter recebido notável ajuda espiritual em suas
ministrações públicas do evangelho, pois sua prédica foi, no mais das vezes,
acompanhada por provas mui esperançosas de bom efeito sobre os seus ouvintes.
Também experimentou muitos períodos de consolo especial e de refrigério
espiritual, em conversas com outros ministros e amigos crentes, ou quando se
achava sozinho, em suas meditações e orações. - J.E.
13 de
Abril.
Voltei a cavalo até minha casa, em Forks of Delaware. Então subiu-me à
memória as bondades do Senhor, pois Ele tomara conta de mim durante toda essa
grande viagem de quase mil quilómetros, de tal maneira que nenhum de meus ossos
quebrou. Bendito seja o Senhor, que me preservou, nessa entediante jornada, fazendo-me
regressar em segurança à minha própria casa. Verdadeiramente, Deus tem me sustentado
e guardado em todas as minhas idas e vindas.
Dia do Senhor, 14 de Abril.
Meu corpo estava muito cansado devido
à última viagem.
Mesmo assim, pude pregar a uma considerável assembleia de pessoas civilizadas,
provenientes de todos os lugares em redor, sentindo boa liberdade, alicerçado
sobre Ezequiel 33.11: "Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus..."
Recebi muito Maior ajuda espiritual do que esperava.
Naquela semana, Brainerd fez uma
viagem até
Filadélfia, a fim de conseguir o apoio do governador do Estado, para que este
usasse de sua influência junto ao chefe das Seis Nações indígenas, de quem
era amigo
íntimo, para que Brainerd tivesse livre trânsito em Susque-hanna
para instruir aos índios que ocupavam aqueles territórios. - J.E.
26 de Abril.
Conversei com um amigo crente de forma bastante calorosa; senti
nele forte espírito de mortificação quanto às coisas deste mundo. Depois, fui
capaz de orar com fervor, dependendo ternamente do Senhor Deus, acerca de tudo
quanto "pertence à vida e à piedade". Assim que anoiteceu, recebi a
visita de um querido amigo crente, com quem passei uma hora ou duas em diálogo
proveitoso sobre a essência da religião. Existem muitas pessoas com quem sou
capaz de falar sobre assuntos religiosos. Mui infelizmente, porém,
encontro poucos com quem posso falar sobre religião viva; entretanto,
bendito seja o Senhor, há alguns que apreciam alimentar-se da polpa e não
somente da casca.
30 de Abril.
Quase não consegui andar hoje, sendo forçado a ficar na cama, onde passei
o tempo em grande solidão, incapaz de ler, meditar e orar, privado de alguém
com quem conversar neste mato. Oh, quão devagar passa o tempo quando nada posso
fazer com algum bom propósito, e sou obrigado a ocupar-me em ninharias,
desperdiçando tempo precioso! Ultimamente, porém, tenho notado ser meu dever disciplinar-me
por todos os meios legítimos, para que possa, finalmente, em alguma pequena
parcela de meu tempo, fazer algum trabalho para Deus. Aqui está a diferença
entre as minhas actuais distracções e aquelas que segui no passado, em meu
estado natural. Naquele tempo fiz um deus das minhas diversões, vindo delas a
minha Maior satisfação, ao mesmo tempo em que negligenciava as coisas de Deus.
Agora, porém, só lanço mão delas para que me ajudem a viver para Deus.
Deleito-me em Deus continuamente e não nas diversões, extraindo do Senhor
a minha mais alta satisfação. No passado, aquelas coisas eram o meu tudo;
mas agora são apenas meios para que eu chegue ao meu tudo. Aquelas
coisas que tomam meu tempo, quando vistas por esse ângulo, não tendem a impedir
minha espiritualidade, e, sim, a promovê-la. Agora percebo, mais do que nunca,
que tais coisas são absolutamente necessárias.
2 de
Maio. À noitinha, sentindo
que minha saúde tinha melhorado um pouco, fui passear pela floresta e gozei de
um breve período de doce meditação e oração. Meus pensamentos giravam em torno
do Salmo 17.15: "Quando acordar eu me satisfarei com a tua semelhança".
Foi um texto precioso para mim. Desejei pregá-lo para o mundo inteiro.
Pareceu-me que todos os homens deveriam emocionar-se profundamente como eu
diante de tão preciosas verdades divinas. Meus pensamentos estavam
cristalinamente claros, e minha alma refrigerada. Bendito seja o Senhor que
minha mente não está carregada de tristeza, como chegou a acontecer algum tempo
atrás, apesar de minha passada e presente debilidade, agora por muitos dias
acumulada.
7 de Maio.
Passei o dia preparando-me para uma viagem ao interior da
floresta. Continuei fraco e preocupei-me sobre como conseguiria fazer tão difícil viagem.
Desejei ter mais energias físicas para poder passar o dia em jejum e oração.
No dia seguinte, Brainerd partiu
com seu intérprete para o Rio Susquehanna. Ele suportou grandes dificuldades
e fadigas na travessia da floresta. Depois de ter passado uma noite em pleno
mato, foi surpreendido por uma tempestade com ventos do nordeste, e quase
pereceu. Não tendo onde abrigar-se e não podendo fazer uma fogueira por causa
da chuva torrencial, resolveu prosseguir, na esperança de encontrar qualquer
abrigo, sem o que julgava ser impossível sobreviver à noite. Mas visto que os
cavalos comeram algo venenoso, no lugar onde passaram a noite, ficaram tão
doentes que Brainerd e seu intérprete tiveram de arrastá-los após si, seguindo
a pé. Finalmente, pela misericórdia de Deus, ao anoitecer, chegaram a uma
cabana de toras, onde se abrigaram para passar a noite.
Depois de chegarem
às margens do Rio
Susquehanna, viajaram por cerca de cento e sessenta quilómetros rio abaixo,
tendo visitado muitas aldeias e povoados indígenas. Estiveram com sete ou oito
diferentes tribos, pregando com a ajuda de diversos intérpretes. Algumas
vezes, Brainerd ficava extremamente desencorajado, de espírito abatido, por
causa da oposição dos índios ao cristianismo. Mas noutras oportunidades ficava
encorajado diante da disposição de alguns em ouvir a Palavra e receber
instrução.
Ali encontrou alguns que já o tinham ouvido em
Kaunaumeek. Esses ouviram-no novamente com grande satisfação.
Brainerd ficou uma quinzena entre
os índios
daquele rio, passando por muitas dificuldades, dormindo no chão e algumas vezes
ao ar livre. Ao atravessar a floresta, contraiu malária e passou a sofrer de
febre alta, com dores extremas na cabeça e no fígado, com abundante evacuação
de sangue, de tal modo que pensou que pereceria.
Finalmente, porém, chegou à cabana
de um negociante entre os índios e teve permissão de passar ali algum tempo.
Embora sem medicamentos e nem alimentação apropriada, agradou a Deus, depois
de cerca de uma semana de apertos, fazê-lo melhorar ao ponto de poder montar de
novo. Voltou para casa, tendo partido de Juncauta, uma ilha no Rio
Susquehanna, onde havia considerável número de índios, os quais pareciam mais
isentos de preconceitos contra o cristianismo do que a Maioria. Chegou em Forks
of Delaware numa quinta-feira, 30 de Maio, depois de ter percorrido, naquela
jornada, cerca de quinhentos e setenta quilómetros. Chegou em casa muito doente
e deprimido, o que foi um grande empecilho para os seus exercícios religiosos.
Entretanto, no sábado, após ter pregado aos índios, pregou também aos
civilizados com algum sucesso, sobre Isaías 53.10: "Todavia, ao Senhor
agradou moê-lo, fazendo-o enfermar..." Alguns foram despertados pela
pregação. No dia seguinte, porém, esteve muito preocupado, sentindo-se carente
de Maior vida espiritual e fervor. - J.E.
Notas:
1 Brainerd foi examinado pelos representantes em Nova York, Nova Jersey e Pensilvânia, enviados pela Sociedade Escocesa para Propagação do Conhecimento Cristão, a quem fora entregue o gerenciamento de suas actividades naquelas regiões do país, e que se reuniram então em Nova York.
5 de
Junho.
Senti um desejo ardente por Deus,
pela manhã.
À noite, gozei de um precioso período de retiro espiritual. Fui favorecido com
uma clara e emocionante meditação sobre o Salmo 17.15. "Quando acordar eu
me satisfarei com a tua semelhança." As realidades divinas abriram-se
diante de mim com clareza e segurança, tendo o selo divino. Minha alma
sentiu-se expandida e refrigerada em oração e deleitei-me em continuar nesse
dever, tendo sido muito ajudado ao orar por meus irmãos na fé e por colegas
ministros. Bendito seja o Senhor por esses aprazimentos da mais alta ordem. Oh,
quão doce e precioso é receber uma clara apreensão da verdade e um temo senso
do mistério da piedade, da verdadeira santidade, da semelhança com o
melhor de todos os seres! Quão abençoado, para uma mera criatura, é ser o mais
parecido possível com Deus! Senhor, dá-me mais de tua
semelhança. Ao acordar, ficarei satisfeito se for possuidor dela.
Em uma sexta-feira, dia 7 de Junho, Brainerd partiu numa viagem de quase
oitenta quilómetros, até Neshaminy, a fim de
participar da Ceia do Senhor, na casa de oração do Pastor Beatty.
Brainerd fora convidado por esse irmão e sua gente. -
J.E.
8 de Junho.
Fiquei extremamente
fraco e fatigado ao cavalgar no calor do dia, ontem. Mas, sentindo-me disposto,
preguei à tarde para um auditório repleto. Usei o trecho de Isaías 40.1:
"Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus". Deus resolveu
proporcionar-me grande liberdade, expondo à sua gente as tristezas da vida, mas
mostrando-lhes aspectos consoladores. Bendito seja o Senhor; a assembleia
experimentou
momentos comoventes.
Dia do Senhor, 9 de Junho.
Senti anelantes desejos da
presença
de Deus com o seu povo na solene ocasião deste dia. Antes do começo da tarde,
pregou o Pastor Beatty, e os ouvintes pareceram
reagir muito bem. Depois, ajudei a ministrar a Ceia do Senhor. Após, dirigi ao
povo um sermão, com algumas referências à passagem de Isaías 53.10. Deus deu-me
grande ajuda nesse sermão dirigido aos pecadores. A Palavra foi acompanhada por
admirável poder. Dezenas de pessoas, se não centenas, naquela grande
assembleia, que consistia em trezentas ou quatrocentas pessoas, foram tocadas
de tal modo que houve grande lamentação, "como o pranto de Hadadrimom" (Zacarias 12.11).
10 de
Junho.
Preguei com notável clareza e calor
espiritual, tendo por texto o Salmo 17.15. Bendito seja Deus; houve grande
solenidade e atenção durante toda a reunião e o povo de Deus foi muito
fortalecido, o que foi evidente tanto na ocasião quanto posteriormente.
11 de
Junho.
Passei o dia principalmente em
conversa com queridos amigos crentes e usufrui de algum deleitoso senso de
coisas divinas. Oh, quão desejável é estar com os queridos filhos de Deus! Esses são
"os notáveis" da terra, "nos quais tenho todo o meu
prazer" (Salmo 16.3). Oh, quão maravilhoso será quando encontrar a todos
no estado de perfeição! Senhor, prepara-me para aquele
estado eterno.
18 de
Junho.
Parti de New
Brunswick com o propósito de visitar alguns índios, em Crossweeksung, em Nova Jersey, já perto do
mar. À tarde, cheguei num local chamado Cranberry;
e, tendo-me encontrado com um ministro sério, o Pastor Macknight,
alojei-me com ele. Em oração, junto com algumas pessoas, gozei de ampla
liberdade de espírito.
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Notas:
1 Pelo que
se lê em
seu diário, parece que Brainerd planejava mudar-se
dali para viver entre os índios, no Rio Susquehanna.
Capítulo 7
O avanço e o progresso
de uma notável obra
da graça
19 de Junho - 5 de Novembro de 1745
Chegamos agora
àquela parte da vida
de Brainerd quando ele obteve o Maior sucesso em seus
labores pelo bem das almas, e em sua actividade particular como missionário
entre os índios. Depois de todas as suas agonizantes orações, quase em dores de
parto em favor da conversão deles, foram confirmadas tanto suas esperanças e
expectativas, quanto seus desapontamentos e encorajamentos. Após ter soluçado
em oração perseverante, muito labor e sofrimentos, como se tivesse atravessado
uma longa noite, finalmente raiou o dia: "Ao anoitecer pode vir o choro,
mas a alegria vem pela manhã" (Salmo 30.5). Brainerd
saiu chorando, "levando semente preciosa", mas agora voltava,
"regozijando-se, trazendo os seus feixes" (Salmo 126.6). O evento tão cobiçado acaba
acontecendo; mas em tempo, lugar e envolvendo pessoas que dificilmente chegara
a prever. - J.E.
Crossweeksung, Nova Jersey, Junho de 1745
19 de
Junho.
Eu havia passado a Maior parte do
meu tempo durante mais de um ano entre os
índios de Forks of Delaware, na Pensilvânia.
Nesse tempo, fiz duas viagens ao Rio Susquehanna,
para anunciar o cristianismo entre os índios daquele rio. Mas não tendo obtido
sucesso visível em nenhum desses dois lugares, estava de ânimo deprimido e
extremamente desencorajado. Porém, ouvindo dizer que havia certo número de índios
numa localidade chamada Crossweeksung, em
Nova Jersey, quase cento e trinta quilómetros a sudeste de Forks
of Delaware, resolvi
fazer-lhes uma visita, para ver como poderia levar-lhes o cristianismo. De
acordo com esse plano, cheguei entre eles hoje.
Encontrei bem poucas pessoas no
lugar que visitei e tomei conhecimento que os
índios desta região vivem muito
dispersos. Não havia mais do que duas ou três famílias em cada lugar; e essas
pequenas aldeias
ficavam a dez, quinze, vinte e
cinco, trinta, cinquenta quilómetros, ou até mais, distantes de onde eu estava.
Entretanto, preguei aos poucos que encontrei. Esses pareceram-me bem dispostos, sérios e atentos, não tendentes à contestação
e objecções, conforme o fizeram em outros lugares. Depois que terminei meu
sermão, informei-os (estavam ali apenas algumas poucas mulheres e crianças)
que gostaria de visitá-los de novo no dia seguinte. Em face disso, elas
prontamente viajaram quinze ou vinte quilómetros, a fim de darem notícias de
minha chegada a alguns de seus amigos, que moravam àquela distância. Essas
mulheres índias, como a mulher samaritana, pareciam querer que outros vissem o
homem que lhes dissera o que tinham feito em anos passados de suas vidas, bem
como a miséria que acompanhava seus caminhos idólatras.
21 de
Junho.
Visitei novamente os
índios e preguei,
como tinha proposto. Um certo número deles reunira-se a convite de seus amigos
que tinham me ouvido no dia anterior. Esses também pareceram atentos, ordeiros
e bem dispostos como os primeiros. Nenhum deles fez
qualquer objecção, como muitos índios de outros lugares usualmente faziam.
22 de Junho.
Preguei novamente aos
índios. O número
deles, que no começo foi de sete ou oito, agora havia aumentado para quase
trinta. Não somente manifestaram uma solene atenção, mas também, conforme foi
patente, a verdade divina efectuou uma considerável impressão sobre suas
mentes. Alguns começaram a sentir a sua própria miséria, parecendo interessados
em ser libertos.
Dia do Senhor, 23 de Junho.
Anunciei o evangelho aos
índios e passei o dia com eles. O
número dos que se reuniam para ouvir continuava aumentando; todos pareciam
regozijar-se pelo fato de eu ter vindo viver entre eles. Não ouvi de qualquer
deles, em nenhuma ocasião, uma única palavra contrária ao cristianismo, embora
em tempos passados eles tenham sido opostos ao cristianismo, como sucede a
quaisquer outros índios. Alguns deles, não muitos meses antes, tinham-se irado
contra o meu intérprete, porque ele tentara ensinar-lhes algo sobre o
cristianismo.
24 de
Junho.
Preguei aos
índios a pedido
deles. Ver como aqueles pobres pagãos desejavam ouvir o evangelho de Cristo,
animou-me a pregar para eles, embora eu estivesse muito fraco e meu espírito
exaurido. Eles fizeram-se presentes com a Maior seriedade e diligência; e era
evidente entre eles uma certa preocupação pela
salvação de suas almas.
27 de
Junho.
Visitei novamente os
índios e preguei a
eles. Agora já totalizavam quase quarenta pessoas. Continuavam solenes e
atentos e uma considerável preocupação por suas almas tornava-se cada vez mais
clara em um número cada vez Maior deles.
28 de
Junho.
Os
índios, tendo-se reunido em número
considerável, vindos de várias e distantes localidades, pediram-me que pregasse
para eles duas vezes por dia, pois desejavam ouvir-me o mais possível enquanto eu estivesse entre eles. Atendi animadamente ao seu pedido,
não
podendo deixar de admirar a bondade do Senhor, o qual, conforme estou
persuadido, fora Quem os inclinara a inquirir assim pelo caminho da salvação.
29 de
Junho.
Preguei por duas vezes. Percebi a
mão de
Deus operando de forma clara e notável ao prover para a subsistência de toda
aquela gente, a fim de que pudessem estar juntos para receber instrução das
verdades divinas. Pois hoje, tal como ontem, tendo-se afastado apenas um pouco
do local onde diariamente nos reuníamos, conseguiram caçar três veados, que
forneceram carne bastante para suas necessidades, sem o que eles não poderiam
ter subsistido juntos, enquanto Ouviam a pregação do evangelho.
Dia do Senhor, 30 de Junho.
Hoje também preguei aos índios por duas vezes. Pude notar ainda
Maior interesse e disposição entre os pobres pagãos. Chegaram mesmo a coristranger-me a ficar mais tempo entre eles, embora
estivesse extremamente exausto e meu estado de saúde muito debilitado, por
causa de minhas fadigas e labores destes últimos dias, e, em especial, por
causa de minha última viagem ao Rio Susquehanna, no
mês passado, quando tive de dormir no chão por várias semanas.
1o de Julho.
Novamente preguei por duas vezes a uma assembleia muito séria e atenta, pois
agora já haviam aprendido a frequentar reuniões de culto a Deus com decência
cristã em todos os sentidos. Eram agora cerca de quarenta a cinquenta índios
presentes, idosos e jovens. Passei considerável tempo explicando-lhes o cristianismo
de maneira mais individual. Indaguei o que podiam lembrar das grandes verdades
que vinha lhes ensinando dia após dia; posso testificar
quão admirável foi a maneira como assimilaram e retiveram as instruções que eu
lhes dera, e quanto conhecimento adquiriram em tão poucos dias.
2 de
Julho.
Fui forçado a deixar os
índios de Crossweeksung, pensando que era meu dever,
assim que a saúde permitisse, visitar novamente os de Forks
of Delaware. Quando
despedi-me de cada um em particular, todos indagaram ansiosamente quando eu
voltaria, expressando o grande desejo de continuarem a receber instrução.
Concordaram voluntariamente que, quando eu voltasse, todos se reuniriam e
viveriam juntos, enquanto estivesse entre eles, e que usariam todos os esforços
para reunir ainda outros índios daquelas regiões, mesmo as mais remotas. Quando
despedia-me deles, uma índia disse, entre lágrimas: "Quero que Deus mude o
meu coração". Uma outra declarou: "Quero encontrar-me com
Cristo". Um idoso chefe índio chorou amargamente, preocupado com sua alma.
Prometi a todos que voltaria assim que minha saúde e meus negócios permitissem.
Fiquei preocupado durante a despedida, desejando que não se apagassem, depois
da minha saída, as boas impressões visíveis entre
muitos deles. Contudo, não pude deixar de esperar que Aquele, que, segundo
creio, iniciara a boa obra entre eles, e que, conforme eu sabia, não precisava
de meios para levar a obra avante, também a manteria e promoveria. Ao mesmo
tempo, preciso confessar, eu vira sinais encorajadores entre índios de outros
lugares, mas acabara descobrindo que tudo era passageiro. Parecia-me que o
favor divino seria grande demais, se, depois de ter passado por uma série tão
grande de labores e fadigas quase infrutíferos, e depois de minha esperança ter
sido frustrada por tantas vezes entre os pobres pagãos, agora Deus me desse
qualquer sucesso especial em meus labores entre eles. Isso era algo que quase
não podia acreditar e nem ousava esperar que as coisas tomassem um rumo tão feliz.
Penso que nunca estivera mais suspenso entre a esperança e o temor do que
agora.
Essa disposição encorajadora e essa prontidão para receber instrução, agora
tão claras entre os índios, parece ter sido o feliz
efeito da convicção que houve primeiro entre um ou dois deles, que tinham
estado em Forks of Delaware. Esses, desde então, tinham se esforçado para
mostrar a seus amigos o mal da idolatria. Penso que alguns pareciam dar pouca
atenção e até zombavam deles, mas isso talvez tenha lhes dado uma postura de
mente disposta a raciocinar, ou, pelo menos, lhes tenha feito pensar melhor
sobre o cristianismo, despertando em outros a curiosidade de ouvir. Assim,
despertou-se entre eles a actual atenção encorajadora. A ideia que esse tenha
sido o caso ali, encorajou-me a pensar que Deus, dessa forma, tenha abençoado
os meios que usei entre os índios em outros lugares, mesmo que ainda não tenha
recebido provas disso. Nesse caso, que o seu nome receba toda a glória; pois
tenho aprendido, por meio da minha experiência, que somente Ele pode abrir os
ouvidos, captar a atenção e inclinar os corações de pobres incivilizados e
preconceituosos pagãos, para receberem instrução bíblica.
Forks of Delaware,
Pensilvânia, Julho de 1745
Dia do Senhor, 14 de Julho.
Preguei duas vezes aos
índios. Vários deles pareceram interessados,
e, como tenho razão de pensar, ficaram convictos, por obra do Espírito de Deus,
acerca de seu pecado e condenação, pois choraram durante todo o culto. Depois
disso, preguei a certo número de pessoas civilizadas que estavam presentes.
18 de
Julho.
Preguei a minha gente, que ficou
atenta acima do que era comum entre eles; e alguns pareciam preocupados acerca
de suas almas eternas.
Dia do Senhor, 21 de Julho.
Preguei primeiro aos
índios e depois a alguns civilizados que
estavam presentes; e, à tarde, tornei a pregar
aos
índios. A verdade
divina pareceu deixar uma considerável e profunda impressão sobre diversos
deles, visto que choraram livremente.
Neste dia, meu intérprete e sua esposa
professaram publicamente,
através do baptismo, a sua fé em Cristo, sendo os primeiros a serem
declaradamente convertidos entre os índios. Ambos foram despertados para um
interesse solene por suas almas e, até onde é possível detectar, receberam o
senso de sua própria miséria e condenação. Ambos aparentemente foram
consolados com as consolações divinas; e é evidente que ambos, como espero
firmemente, experimentaram uma grande transformação salvadora.
Talvez seja apropriado que eu
apresente um breve relato sobre os processos e experiências pelas quais
passou esse homem, desde que veio estar comigo, sobretudo por haver sido
empregado como meu intérprete. Quando o empreguei, no começo do verão de 1744,
ele já estava bem preparado para a sua tarefa, devido à sua familiaridade com a
língua indígena e com o inglês, e também porque era conhecedor dos costumes de
sua nação. Além disso, ele tinha o desejo que os índios assumissem as maneiras
e os costumes dos ingleses, especialmente o seu modo de vida. Mas ele não
parecia nada interessado em questões religiosas. Portanto, era totalmente incapaz
para o seu trabalho e não podia entender e transmitir a outros índios
muitas coisas importantes. Assim, eu estivera trabalhando com uma grande
desvantagem, sendo que ele não tinha conhecimento experimental e doutrinário
das verdades divinas. Por isso, havia ocasiões em que meu espírito afundava-se
no desânimo diante de tão grande obstáculo; tanto mais quando notei que a
verdade divina fazia pouca ou nenhuma impressão sobre a sua mente por muitas semanas
seguidas.
Ele, no entanto, comportou-se
sobriamente depois que o empreguei, mesmo que antes tenha sido um homem que
bebia muito. Assim, ele parecia honestamente envolvido em sua tarefa, na medida
de sua capacidade. Ele parecia especialmente desejoso que sua gente renunciasse
às suas
noções e práticas pagãs, ajustando-se aos costumes do mundo cristão. Todavia,
não parecia ter preocupação com a sua própria alma, senão depois de estar
comigo por um tempo considerável.
No fim de Julho de 1744, preguei a um grupo de pessoas civilizadas,
com Maior desembaraço e fervor do que poderia fazê-lo ao dirigir-me aos índios, sem
que primeiro estes adquirissem uma medida Maior de conhecimentos doutrinários.
Na ocasião, meu intérprete estava presente e foi bastante despertado quanto à
situação de sua alma, pois no dia seguinte conversou abertamente comigo acerca
de suas preocupações espirituais, dando-me oportunidade de procurar fixar em
sua mente algo sobre o seu estado de perdido. Algum tempo depois, pude perceber
claramente que ele traduzia para a língua dos índios o que eu dizia, com mais
empenho e fervor do que fizera antes.
Tais impressões, todavia,
pareciam declinar rapidamente e ele continuava geralmente descuidado e seguro
de si, até o fim do Outono do ano seguinte, quando caiu em uma condição física
fraca e debilitada, permanecendo nesse estado abatido por várias semanas. Foi
nesse tempo que as verdades divinas tomaram conta dele, deixando uma profunda
impressão sobre a sua mente. Ele era levado a preocupar-se com sua própria
alma. Passou a não agir de modo inconstante e transitório, mas de maneira
constante e permanente, de tal modo que sua mente afligia-se com a questão dia
após dia. Nesta altura, sua grande pergunta era: "Que farei para ser
salvo?" Essa perturbação espiritual prevaleceu ao ponto de roubar-lhe o
sono, e tinha pouco descanso de dia ou de noite; antes andava para lá e para cá
sob grande pressão na mente, parecendo como um outro homem para seus
semelhantes, os quais não podiam deixar de estranhar o seu comportamento.
Quando essa condição mental já se
prolongava por algum tempo, enquanto esforçava-se por obter misericórdia, disse
que parecia haver uma montanha intransponível diante dele. Conforme ele
pensava, queria avançar em direcção ao céu; mas seu "caminho parecia
ladeado de espinhos, de tal modo que não conseguia avançar um centímetro
sequer". Ele olhava numa direcção e em outra, mas não podia achar o
caminho certo. Pensava que se ao menos pudesse achar a vereda certa, em meio
àqueles espinhos e abrolhos, subindo montanha acima, então haveria esperança
para seu caso; mas ele mesmo não podia achar meios para conseguir isso.
Por algum tempo continuou
labutando em vão. Declarou ele que era impossível ajudar a si mesmo a transpor
essa dificuldade insuperável: ''De nada adiantava continuar lutando e
esforçando-se''. Assim, parou de esforçar-se e sentiu que era um caso perdido,
enquanto não lhe chegasse ajuda vinda de fora, pois todas as suas tentativas
eram e continuariam sendo vãs e infrutíferas. E assim, sob essa nova visão da
situação, parecia mais calmo e equilibrado do que tinha sido enquanto procurara
ajudar a si mesmo.
Enquanto me relatava essas suas
lutas interiores, eu não deixava de temer que aquilo que ele contava fosse apenas fruto
de sua imaginação e não efeito da iluminação divina sobre a sua
mente. Antes, porém, que eu tivesse tempo de averiguar se os meus temores
tinham fundamento, ele disse que sentia-se numa condição miserável de perdição,
que só havia feito o mal todos os seus dias e que nunca "fizera nada de
bom". Ele sabia que não era culpado de certas iniquidades praticadas por
outros. Assim, ele não costumava furtar, brigar e assassinar, sendo que o homicídio
é usual entre os índios. Ao mesmo tempo, ele sabia que tinha feito muitas
coisas certas, como ser gentil para com seus vizinhos, etc.
Contudo, seu clamor era que ele
nunca fizera uma coisa boa. Com isso queria dizer que jamais fizera algo
com base em um princípio correcto, com uma perspectiva certa. Ele testemunhou:
"Agora só me resta afundar no inferno. Não há esperança para mim, porque
nunca poderei fazer alguma coisa que seja boa. E se Deus me deixar assim por
tempo bastante, mesmo que eu tente, só poderei fazer o mal".
Essa sua
última explicação deixou-me satisfeito e entendi que ele não
falava com base em sua imaginação, pois parecia ter morrido para si mesmo,
estando divorciado de qualquer dependência à sua própria rectidão e boas obras,
às quais a humanidade perdida vive tão ligada, sempre pronta a tê-las como sua
esperança de salvação.
Havia mais uma coisa notável em sua visão da
vida, por esse tempo. Não somente ele via em que estado de miséria ele mesmo
estava; mas também percebia que o mundo ao seu redor, em geral,
estava na mesma condição perdida, apesar de tanta gente professar-se cristã e
de estar esperando obter a felicidade eterna. Isso ele podia ver com clareza, "como se tivesse acordado do
sono ou uma nuvem tivesse sido tirada dos seus olhos". Ele percebia que a
vida que estava vivendo era o caminho certo para a morte eterna, que estava à
beira do abismo da eterna miséria. Ele via multidões de outras pessoas, que
viviam como ele mesmo, pessoas que não eram melhores do que ele, mas que
sonhavam estar seguras, como ele também havia sonhado antes. Estava plenamente
persuadido, por meio de sua maneira de falar e de sua conduta, que nunca tinham
sentido seu pecado e miséria, conforme agora ele sentia.
Após ter estado nessa condição por algum
tempo, sensível à impossibilidade de ajudar a si mesmo por qualquer coisa que
pudesse fazer, ou por qualquer força humana, ao ponto de considerar "tudo
perdido mediante suas próprias tentativas", sentiu-se mais calmo; e, como
ele mesmo disse, surgiu em sua mente como se tivesse sido dito audívelmente: "Há esperança, há esperança!"
Diante disso, sua alma pareceu descansar, satisfazendo-se até certo ponto,
embora não desfrutasse ainda de alegria para exteriorizar.
Ele não é capaz de lembrar
distintamente quaisquer ideias que tivesse tido sobre Cristo, e nem pode
relatar como sua alma foi aceita por Ele. Isso faz sua experiência parecer
duvidosa, tornando-a, para si mesmo e para outros, menos satisfatória do que
poderia ser, se ele pudesse lembrar claramente as atitudes de sua alma nesse
tempo.
No entanto, essas atitudes de alma
foram seguidas por grande transformação no próprio homem, de tal modo que pode
ser dito com justiça que ele se tornara outro homem, se não mesmo um novo
homem. Sua conversa e seu comportamento alteraram-se muito. Mesmo o mundo
indiferente não podia deixar de perguntar o que tinha acontecido, para que
houvesse uma tão grande mudança em seu temperamento, em sua maneira de falar e
em seu comportamento. Acima de tudo, houve uma
surpreendente
alteração
em sua conduta em público. Agora dirigia-se aos índios com admirável fervor,
quase não sabendo como parar sua interpretação. Algumas vezes, quando eu já
havia concluído minha pregação e estava voltando para casa, ele demorava-se
para trás, a fim de repetir e inculcar o que tinha sido dito.
Sua mudança de vida permanece
até hoje, tanto quanto eu posso acompanhar, e ele tem uma conduta
irrepreensível, embora faça agora mais de seis meses que essa mudança ocorreu.
Nesse tempo, ele esteve tão exposto a bebidas alcoólicas como sempre, em
diversos lugares onde ela é tão livre como a água corrente. Contudo, até onde
me foi possível observar, ele nunca demonstrou qualquer inclinação para o
álcool. Além disso, parece que tem tido boa experiência de exercícios
espirituais, exprimindo sentimentos próprios dos conflitos e consolações de
um crente autêntico. Seu coração reflecte as doutrinas humilhantes-de-alma
da graça, e nunca parece mais satisfeito do que quando ouve sobre a absoluta
soberania de Deus e sobre a salvação dos pecadores através da pura graça
gratuita. Ultimamente, ele tem expressado mais satisfação acerca de seu próprio
estado, além de ter sido muito iluminado e ajudado em seu trabalho, de tal
maneira que tem servido de grande consolo espiritual para mim.
Depois de uma cuidadosa observação de sua conversa
séria e temperada, de seu temperamento cristão e de seu comportamento irrepreensível
por meio ano, sem falar em sua experiência, que relatei, penso que tenho razão
em pensar que ele "foi criado em Cristo Jesus para as boas obras".
Seu nome é Moses Finda Fautaury.
Ele tem cerca de cinquenta anos de idade, e está bem afeito com as noções e os
costumes pagãos de sua gente; porém, agora é mais capaz de desmascarar tais
costumes. Conforme estou persuadido, ele tem sido e continuará sendo uma bênção
para os outros índios.
23 de
Julho.
Preguei aos
índios, mas com
poucos ouvintes. Aqueles que ficam constantemente em suas casas, ao que
parece, ultimamente estão sob alguma impressão mental de natureza religiosa.
30 de
Julho.
Preguei a um certo número de índios,
oferecendo-lhes alguns conselhos e orientações particulares. Agora estou
prestes a deixá-los por algum tempo, pois quero visitar os índios de Nova
Jersey. Meus ouvintes mostraram-se muito atentos ao meu sermão, desejando muito
saber quando eu planejava retornar.
Crossweeksung, Nova Jersey, Agosto de 1745
3 de Agosto. Visitei os índios dessa região no último mês de Junho, tendo passado
com eles bastante tempo, dirigindo-lhes a palavra quase
diariamente. Em tal ocasião, Deus achou por bem derramar sobre eles o
espírito de despertamento e preocupação com suas
almas, e, para minha surpresa, fixaram a sua atenção sobre as verdades divinas.
Agora encontrei-os em uma atitude séria e alguns deles sob profunda preocupação
e interesse por Cristo. Durante a minha ausência, as convicções deles sobre sua
condição pecaminosa e condenada foram muito reforçadas pelos labores do Pastor
William Tennent. Eu havia recomendado aos índios que
buscassem as orientações dele e frequentaram muito a sua residência enquanto
estive afastado. Hoje preguei alicerçado sobre Apocalipse 22.17: "Aquele
que tem sede, venha, e quem quiser receba de graça a água da vida".
Contudo, não pude apresentar de modo metódico, entre eles, as verdades ali
contidas.
Mas estou persuadido que o Senhor
capacitou-me, de maneira um tanto incomum, a apresentar diante deles o Senhor
Jesus Cristo como um Salvador bondoso e compassivo, o qual convida aos
pecadores aflitos e que perecem em seus pecados, a aceitarem a sua misericórdia eterna. Logo
evidenciou-se entre eles uma preocupação surpreendente por suas almas. Eram
cerca de vinte adultos ao todo, e não consegui ver dois deles ao mesmo tempo
que não estivessem chorando. Muitos dos índios de lugares remotos ainda não
tinham tido tempo de vir, desde que retornei para cá.
Alguns deles estavam extremamente
interessados, sentindo em suas almas um veemente anelo por Cristo, pois
desejavam ser salvos da miséria que percebiam e temiam.
Dia
do Senhor, 4 de Agosto. Um ministro que mora próximo convidou-me a ajudar na administração
da Ceia do Senhor. Atendi ao convite, levando comigo não somente os índios que
se reuniram no dia anterior, mas muitos outros que haviam chegado desde então,
a fim de ouvir-me, de tal modo que havia um total de quase cinquenta deles,
idosos e jovens. Eles ouviram todas as mensagens pregadas ao longo do dia, e
alguns deles, que podiam entender inglês, ficaram muito comovidos; e, ao que
parece, o interesse de todos aumentou ainda mais.
Agora ia-se tornando cada vez mais
visível
uma mudança nas maneiras deles. À noitinha, quando vieram jantar juntos, não
provaram nenhum bocado enquanto não me mandaram chamar para que eu abençoasse,
com uma oração, os alimentos; então vários deles choraram, em especial quando
lhes relembrei como, no passado, haviam tido suas festas em honra aos demónios,
deixando de agradecer a Deus.
5 de Agosto. Após um sermão pregado por um outro pastor, também preguei e
concluí o culto público solene com algumas considerações sobre João 7.37:
"Se alguém tem sede, venha a mim e beba.", dirigindo-me,
no sermão, particularmente aos índios, os quais estavam sentados juntos, num
lado da sala. Foi quando alguns, pela primeira vez, foram
profundamente tocados pela Palavra, conforme disseram-me mais
tarde; e ainda outros tiveram um considerável aumento em seu interesse pelas coisas
espirituais. À noite, quando quase todos tinham-se concentrado na casa onde eu
estava hospedado, discursei a eles e descobri que todos estavam profundamente
interessados pela condição de suas almas, indagando-me "o que deveriam fazer
para serem salvos". Tudo quanto conversavam entre si girava em torno de
questões religiosas, sobre as quais eram ajudados pelo meu intérprete, que não
os deixava dia e noite. Hoje, certa mulher que estava interessada por sua alma
desde que me ouvira pregar, em Junho passado, parece ter alcançado conforto de
forma sólida e bem fundamentada. Ela parecia estar repleta de amor a Cristo; ao
mesmo tempo, comportava-se de maneira humilde e terna, aparentando não temer
tanto outra coisa quanto ofender e entristecer Àquele a quem a sua alma agora
ama.
6 de Agosto. Pela manhã dirigi a palavra aos índios. Vários deles pareceram muito
tocados, mostrando-se notavelmente ternos. Bastavam algumas palavras sobre os
interesses de suas almas para que chorassem livremente, com muitos soluços e
gemidos.
À tarde, tendo eles voltado ao lugar onde eu usualmente pregava,
dirigi-lhes outro sermão. Eram cerca de cinquenta e cinco pessoas, e
cerca de quarenta deles eram capazes de assistir ao culto com entendimento.
Insisti sobre o trecho de 1 João 4.10:
"Nisto consiste o amor..."
Eles aparentavam intenso desejo de ouvir; mas nada parecia haver de marcante, excepto
a atenção que davam, até perto do final de meu sermão. Então, a verdade divina
foi acompanhada por uma surpreendente influência, produzindo um notável efeito
entre os índios. Não mais que três dentre aqueles quarenta conseguiram
refrear-se de derramar lágrimas e de expressar amargos clamores.
Todos pareciam ter entrado em
agonia de alma, na sua sede por Cristo. Quanto mais eu falava sobre a compaixão e o amor de Deus,
o qual enviou o seu Filho para sofrer pelos pecados dos homens, e quanto mais
os convidava a vir e
participar de seu amor, tanto mais aumentava a agonia deles, por sentirem-se
incapazes de vir. Eu me surpreendia ao perceber como seus corações pareciam traspassados pelos ternos e comoventes convites do
evangelho, mesmo que nenhuma palavra aterrorizante lhes fora dita.
Hoje, duas pessoas obtiveram alívio e consolo
espiritual. Quando fui conversar com elas em particular, pareceram-me sólidas,
racionais e bíblicas no que diziam. Depois que investiguei qual a razão do
alívio recebido, tendo dito coisas que pensei serem apropriadas para elas,
perguntei-lhes o que ainda gostariam que Deus fizesse por elas. Responderam
que queriam que Cristo limpasse totalmente os seus corações. Tão surpreendentes
estavam sendo os feitos do Senhor, que não sou capaz de
dizer sobre este dia nem mais e nem menos, senão que o braço do
Senhor estava se manifestando poderosa e maravilhosamente entre os
índios.
7 de Agosto. Preguei aos índios, usando o texto de Isaías 53.3-10. A Palavra
exerceu um tremendo efeito entre eles, mas nada comparável ao que sucedera no
dia anterior, quando todos os presentes tinham sido afectados. Todavia, muitos
ficaram comovidos, e outros sentiram grande aflição por causa de suas almas.
Alguns não podiam ao menos ficar de pé, mas prostraram-se de bruços sobre
o solo, como se os seus corações
tivessem sido traspassados, rogando incessantemente por misericórdia. Diversos deles foram despertados e era
notável que assim que chegavam de algum lugar remoto, o Espírito de Deus
parecia injectar neles a preocupação com suas almas.
Terminado o culto, encontrei
outras duas pessoas que tinham recebido certeza de salvação, sobre as quais
me senti muito esperançoso. Havia uma terceira pessoa acerca da qual me era
impossível não nutrir alguma esperança, embora seu caso não me parecesse tão
peculiar como o caso daquelas duas. Assim, agora havia seis pessoas, ao todo,
que tinham recebido alívio diante de sua agonia espiritual; dentre essas havia
cinco, cuja experiência parecia bem clara e satisfatória. É digno de nota que
aqueles que agora tinham recebido consolação espiritual, de modo geral tinham
ficado profundamente abalados no tocante às suas almas, quando eu lhes pregara
em Junho passado.
8 de Agosto.
Preguei à tarde para os índios, cujo número agora era de cerca de sessenta
e cinco pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Meu sermão esteve
alicerçado sobre Lucas 14.16-23, para o qual fui favorecido por uma incomum
liberdade espiritual. Entre os índios houve muito interesse visível, enquanto
eu discursava publicamente; mas em seguida, quando falava particularmente com
um ou outro que demonstrava estar sob mais forte impressão, foi que o poder de
Deus pareceu descer sobre a assembleia "como um vento impetuoso",
o qual, com espantosa energia, derrubava a todos à sua frente.
Fiquei admirado diante da influência espiritual que
tomara conta quase que totalmente da audiência, não podendo compará-la com
outra coisa senão com a força irresistível de uma poderosa torrente de uma
inundação crescente, que, com seu insuportável peso e pressão, leva de roldão a
tudo e a qualquer coisa em seu caminho. Quase todas as pessoas, sem importar a
idade, foram envolvidas, inclinando-se sob a força da convicção, e quase
ninguém foi capaz de resistir ao choque daquela surpreendente operação divina.
Homens e mulheres idosos, que tinham sido viciados em álcool por muitos anos, e
até algumas crianças pequenas, de não mais de seis ou sete anos, pareciam estar
aflitas devido ao estado de suas almas; sem falar em pessoas de meia-idade. Era
evidente que aquelas crianças, pelo menos no caso de algumas delas, não estavam
apenas assustadas diante do ambiente geral de apreensão, mas estavam
genuinamente sensibilizadas para com o perigo que corriam, com a maldade de
seus corações, com sua miséria por estarem privados de Cristo, conforme alguns
deles chegaram a dizer.
Os corações mais
empedernidos agora eram forçados a submeter-se. Um dos chefes entre os índios,
que até então sentia-se perfeitamente seguro e justo aos seus próprios olhos,
pensando que o estado de sua alma era bom, visto que sabia mais do que os
outros índios sabiam, e que com grande grau de confiança dissera, no dia
anterior, que "tinha sido um cristão há mais de dez anos", agora
estava tomado por profunda comoção acerca de sua alma, e chorava
convulsivamente. Um outro homem, de idade avançada, assassino, um powaw ou feiticeiro, alcoólatra muito conhecido,
agora também fora levado a clamar com muitas lágrimas por misericórdia,
queixando-se por não se sentir ainda mais preocupado, quando via que o seu
perigo era tão grave.
Estavam quase todos orando e
clamando por misericórdia por toda parte da casa, e até do lado de fora da casa, e
alguns deles não podiam ao menos permanecer de pé. Estavam de tal modo
preocupados consigo mesmos, que nenhum parecia prestar atenção no que ocorria
ao redor, mas antes, cada qual orava espontaneamente a seu próprio
favor. Parece-me que sentiam-se tão sozinhos como se cada qual estivesse no
meio de um deserto. Ou, melhor ainda, acredito que sobre nada mais pensavam
senão sobre si mesmos e sobre
a condição de suas almas. Assim, cada qual orava à parte, embora todos estivessem
fazendo isso ao mesmo tempo.
Parecia-me estar tendo cumprimento
exacto, diante de todos, o trecho de Zacarias 12.10-12, pois agora havia um
grande clamor, "como o pranto de Hadadrimom",
e que cada qual lamentava-se "à parte". Pensei que a cena muito se assemelhava
ao dia do poder de Deus, mencionado em Josué 10.14; porquanto cumpre-me dizer
que nunca antes vira um dia como aquele, sob todos os sentidos. Hoje foi
um dia, estou persuadido, em que o Senhor muito fez para destruir o reino das
trevas entre esse povo.
A preocupação deles, de modo geral, era extremamente racional e justa.
Aqueles que estavam despertos há algum tempo,
queixavam-se especialmente diante da maldade de seus corações; e aqueles
cujo despertamento era recente,
falavam da maldade de suas vidas e acções. Mas todos temiam
muitíssimo a ira de Deus e que a condenação eterna fosse a parte que caberia às
suas almas, por causa de seus graves pecados. E alguns dos civilizados que por
curiosidade vieram ouvir o que "dizia esse tagarela" aos pobres e
ignorantes índios, foram tremendamente despertados; alguns aparentemente
ficaram chocados pela visão de seu estado de perdição.
Aqueles que ultimamente tinham
recebido a certeza da salvação, eram tomados por um profundo senso de consolo.
Pareciam calmos e bem equilibrados, regozijando-se somente em Jesus Cristo.
Outros conduziam seus amigos aflitos pela mão, falando-lhes da bondade de
Cristo, bem como do consolo que os penitentes podem receber da parte dEle; então convidavam-nos a entregar seus corações a
Jesus. Pude observar alguns deles, que de maneira sincera e humilde, sem
qualquer intuito de serem notados, elevavam os olhos para o alto, como que
clamando por misericórdia, ao ver a agonia das pobres almas à sua volta.
Houve também hoje um notável caso
de despertamento que não posso deixar de mencionar.
Uma jovem índia que antes, creio eu, não sabia que tinha alma, e jamais pensara
em tal coisa, ouvindo dizer que estava sucedendo algo estranho entre os índios,
veio, ao que parece, somente para ver qual era a questão. A
caminho, ela visitou-me brevemente em meu alojamento; e quando lhe
disse que pregaria aos índios dentro de alguns instantes, ela gargalhou,
parecendo querer zombar. No entanto, foi até os índios.
Eu ainda não havia avançado
muito em meu sermão quando ela realmente sentiu que tinha uma alma; antes que
eu terminasse, ela estava tão convencida de seu pecado e miséria, e tão aflita
e preocupada com a salvação de sua alma, que pareceu ter sido atravessada por
um dardo, pois clamava sem parar. Não podia andar nem ficar de pé, e nem
sentada em seu lugar sem ser amparada. Terminado o culto público, ela continuou
caída de bruços no solo, orando fervorosamente, não dando atenção nem resposta
a qualquer pessoa que falasse com ela. Atentei ao que ela dizia, e percebi que
o âmago de sua oração era, na língua indígena: "Guttummaukalummeh
wechaumeh kmelehNolah",
ou seja: "Tem misericórdia de mim, e ajuda-me a entregar-Te o meu coração" Ela continuou a orar
assim por horas, sem interrupção. Hoje foi, deveras, um dia de surpreendente
manifestação do poder de Deus, parecendo ser suficiente para convencer um ateu
sobre a verdade, a importância e o poder da Palavra de Deus.
9 de Agosto. Passei quase o dia inteiro com os
índios. No começo, conversei
particularmente com muitos deles, sobretudo com aqueles que recentemente haviam
recebido a certeza da salvação, esforçando-me por averiguar com que base a tinham recebido, além de dar-lhes alguma instrução,
exortação e orientação apropriados.
À tarde, discursei em público aos mesmos índios. Agora estavam
presentes cerca de setenta pessoas, idosas e jovens. Abri a Bíblia e
falei sobre a parábola do semeador, em Mateus 13. Pude pregar com grande
clareza e mais tarde descobri que esse sermão foi muito instrutivo para eles.
Enquanto eu pregava, houve muitas lágrimas entre eles, embora
ninguém tivesse chorado em voz alta. Mas alguns mostraram-se muito
comovidos diante de algumas palavras ditas com base em Mateus 11.28:
"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos
aliviarei", com as quais concluí meu discurso. Enquanto eu conversava, já
perto da noite, com duas ou três das pessoas despertadas, uma influência
divina pareceu ter assistido, de maneira poderosa, o que lhes estava sendo
dito, levando-as a chorarem de angústia, embora eu não houvesse dito qualquer
palavra ameaçadora, pelo contrário, apresentei-lhes a plenitude e
auto-suficiência dos méritos de Cristo, bem como sua disposição em salvar todos
quantos viessem a Ele, compelindo-os assim a tomarem uma decisão imediata.
O clamor desses não demorou a ser
ouvido por outros que estavam espalhados e logo se aproximaram. Então continuei
a ressaltar o convite do evangelho, até que todos, com poucas excepções,
desfizeram-se em lágrimas, demonstrando grande ansiedade por obter segurança e
apego ao grande Redentor. Alguns, cujos sentimentos começaram a ser despertados
no dia anterior, agora apresentavam corações profundamente tocados e
quebrantados; e então pareceu que todos comoveram-se como no dia anterior. De
fato, houve grande lamento entre eles, embora cada qual se lamentasse "à
parte". Tão grande foi a apreensão deles que quase todos choravam e
clamavam por si mesmos, como
se ninguém estivesse por perto: "Guttummauhalummeh;
guttummauhalummeh'", ou seja, "tem misericórdia de mim; tem misericórdia de mim". Esse
era o clamor geral.
Era muito comovente ver os pobres
índios, os quais,
ainda outro dia, uivavam e gritavam em suas festas idólatras
e em suas diversões de bebedeira, agora clamando a Deus com tanta importunação, pedindo participação com seu Filho amado!
Encontrei alguns deles que, segundo esperava, tinham-se firmado nas consolações
do Senhor desde a noite anterior. Esses, juntamente com outros que já haviam se
decidido a seguir a Cristo, regozijavam-se pelo fato de Deus estar actuando
entre outras pessoas com tão grande poder.
10 de Agosto. Cavalguei até onde estavam os índios e comecei a falar mais particularmente
àqueles que já haviam recebido consolo e contentamento, procurando instruí-los,
orientá-los, acautelá-los e confortá-los. Mas outros, anelantes
por ouvir cada palavra relacionada aos interesses espirituais, logo foram
chegando, um após outro; então, quando já havia discursado aos novos
convertidos por mais de meia hora, eles todos pareciam muito comovidos diante
das realidades espirituais, desejando ardentemente estar com Cristo. Falei-lhes
como a alma regenerada recebe perfeita pureza e pleno gozo de Cristo,
imediatamente após sua separação do corpo físico, e também que eles serão
incalculavelmente mais felizes do que durante qualquer breve período de tempo,
no qual sentiram a presença de Cristo por meio da oração ou outros
deveres espirituais.
Ao abrir caminho para falar-lhes
sobre a ressurreição do corpo e sobre a perfeita bem-aventurança dos salvos, eu
disse: "Mas talvez algum de vocês diga: Amo meu corpo tanto quanto à minha
alma, e não posso tolerar a ideia que meu corpo jazerá morto, embora minha alma
esteja feliz". Mas a isso prontamente responderam: "Muttoh, muttoh", ou
seja, "não, não", antes mesmo que eu tivesse oportunidade de prosseguir
para o que pretendia dizer acerca da ressurreição. Eles não davam valor a seus corpos,
contanto que suas almas estivessem com Cristo. Logo, pareciam
dispostos a estar ausentes do corpo para estar na presença do Senhor.
Depois de gastar algum tempo com
eles, voltei-me para outros índios e falei-lhes com base em Lucas 19.10: "Porque
o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido". Tão logo comecei a falar
a ansiedade deles cresceu a tal ponto que a casa ficou
cheia de pranto e gemidos. Quando insisti sobre a compaixão e os cuidados do
Senhor Jesus Cristo pelos perdidos, por aqueles que estão condenados e não
podem encontrar meio de escape, isso os comoveu ainda mais, aumentando sua
angústia, pelo fato de não poderem achar e nem achegarem-se a um Salvador tão
bondoso.
Vários dos que antes começaram a ser
despertados, agora sentiam-se muito aflitos diante do senso de seu pecado e
desgraça. Certo homem, em particular, que nunca fora tocado, agora foi levado a
sentir que "a Palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que
qualquer espada de dois gumes" (Hebreus 4.12). Seu coração parecia
compungido diante da angústia, e sua preocupação era racional e bíblica,
porquanto disse, a respeito de si mesmo, que "toda a maldade de minha vida
passada está fresca diante de minha memória, e vejo todas as más acções que
cometi anteriormente, como se tudo tivesse sido praticado ontem".
Encontrei um outro homem que
recentemente encontrara alívio, depois de passar por uma premente aflição. Não pude
deixar de regozijar-me e de admirar a bondade divina, naquilo que testemunhei
hoje. Parece que cada sermão pregado redunda em algum bem, conduzindo alguns ao
despertamento e outros à salvação. Era edificante
observar a conduta dos que tinham sido salvos recentemente; enquanto alguns
estavam aflitos com temor e preocupação, os recém-convertidos elevavam seus
corações a Deus, intercedendo por eles.
Dia do Senhor, 11 de Agosto.
Preguei antes do meio-dia, usando a parábola do Filho Pródigo, de Lucas 15.
Não notei um efeito tão extraordinário da Palavra, sobre os ouvintes, como nos
dias anteriores. Um bom número de espectadores desatentos, de várias classes
dentre o povo branco, estava presente. À tarde, discursei sobre uma parte do
sermão de Pedro, registado em Actos 2. No fim de meu sermão para os
índios, dirigi-me aos civilizados e a verdade divina pareceu ser entregue com
poder. Diversos pagãos brancos foram espiritualmente despertados e não podiam
portar-se como espectadores indiferentes, mas descobriram que tinham almas
assim como os índios, para serem salvas ou perderem-se. Grande interesse caiu
sobre a assembleia inteira, de tal modo que este também pareceu ser um dia do
poder de Deus, especialmente no fim da mensagem, mesmo que a influência
exercida pela Palavra aparentemente não fosse tão poderosa como alguns dias
antes.
O número de índios, velhos e jovens,
agora subira para mais de setenta; um ou dois deles, despertaram
espiritualmente hoje, embora nunca se tivessem preocupado com suas almas.
Aqueles que já tinham obtido alívio e consolo e estavam dando evidências de
terem experimentado uma transformação salvadora, pareciam comportar-se de
maneira humilde e devota, de forma conveniente e cristã. Senti-me reanimado ao ver
a sensibilidade de consciência que alguns deles manifestavam. Há um caso que
não posso deixar de destacar. Percebendo uma índia muito triste pela manhã,
perguntei-lhe o que a estava entristecendo; descobri que a dificuldade era que
ela tinha se irado com sua criança na noite anterior, e agora estava tomada
pelo temor que sua ira tivesse sido desordenada e pecaminosa. Isso a deixava de
tal modo triste que antes do amanhecer ela acordara e
ficara soluçando, continuando a chorar por várias horas.
14 de
Agosto. Passei o dia em companhia dos
índios. Havia um
deles que há algum tempo expulsara sua mulher, como é comum entre eles, e tinha
arranjado outra companheira. Mas agora, impressionado seriamente pela Palavra,
preocupava-se muito sobre essa questão em particular, parecendo plenamente
convencido da maldade da prática, e estando sinceramente desejoso de saber o
que Deus queria que fizesse em sua actual circunstância. Quando a lei de Deus
sobre o casamento foi explicada e examinada a causa de tê-la mandado embora,
ainda que não tenha havido motivo justo para isso, pois nunca lhe fora infiel,
sendo que ela estava disposta a perdoá-lo e a viver pacificamente com ele no
futuro, e que ainda insistia em ter direito de viver com ele, então afirmamos
que era seu dever renunciar a mulher que tomara e receber de volta a primeira,
que era a sua legítima esposa e conviver pacificamente com ela pelo resto da
vida. Ele concordou pronta e alegremente. Renunciou publicamente à
mulher que havia arranjado, prometendo viver com sua esposa e ser bondoso com
ela, pelo resto de sua vida; ela também prometeu-lhe a mesma coisa. Nisso todos
viram uma demonstração clara do poder da Palavra de Deus sobre os corações dos
índios. Suponho que poucas semanas antes, nem o mundo inteiro poderia ter
persuadido aquele homem a admitir a regra cristã neste caso.
Eu temia que esse modo de proceder
fosse como pôr "vinho novo em odres velhos", e que alguns índios
passariam a demonstrar preconceito contra o cristianismo, ao perceberem as
demandas dele sobre suas vidas. Mas visto que o homem estava muito ansioso em
resolver a questão, não foi possível adiar a solução do caso. Isso pareceu
exercer um bom e não um mau efeito sobre os índios, os quais de modo geral
reconheceram que as leis de Cristo a respeito do casamento são boas e justas. À
tarde, preguei sobre o discurso de Pedro na casa de Cornélio,
em Actos 10.34. Parece que o coração deles voltou-se afectuosamente para essa
questão, embora não com a mesma intensidade vista nos dias anteriores. Eles continuaram
assistindo e ouvindo a pregação, como se disso dependessem as suas vidas, e a
obra do Senhor parece ainda ser promovida e propagada entre eles.
16 de Agosto. Passei bastante tempo em diálogo com os índios. Uma das índias recebera
a certeza da salvação após ter sofrido grande preocupação; e quando conversei
com ela em particular, não pude deixar de acreditar que ela realmente fora
convertida. À tarde preguei a eles em João 6.26-34. Já no fim do sermão, a
Palavra fez-se sentir com considerável poder sobre a audiência, e, mais
especialmente, após o culto, quando me dirigi a diversas pessoas aflitas.
Havia uma grande preocupação com as suas almas
entre os índios, em especial com duas pessoas recém-despertas
para seu pecado e miséria. Uma delas chegou entre nós faz pouco tempo e a outra
por algum tempo tem-se mostrado muito atenta e desejosa de despertamento,
embora nunca tivesse percebido vividamente o seu estado de perdição. Mas agora
sua preocupação e aflição espirituais eram tais que pensei que nunca vira um
caso de Maior premência.
Alguns homens idosos também afligiam-se por
suas almas, a tal ponto que não conseguiam reter o choro em voz alta e seus
gemidos pungentes serviam de prova convincente da realidade e profundeza de sua
angústia interior. Deus está operando poderosamente entre os índios. Convicções
verdadeiras e genuínas de pecado vêm à tona diariamente; e vez por outra há
novos casos de despertamento; mas alguns
poucos, que sentiram algum distúrbio em suas emoções,
em dias passados, parecem estar agora descobrindo que seus corações jamais
foram devidamente tocados.
Nunca antes eu vira a actuação divina
manifestar-se de forma tão independente de "meios" como nessa
oportunidade. Dirigi a palavra ao povo, falando o que supunha ser apropriado para
promover a convicção de pecado; mas a maneira de Deus actuar sobre eles
pareceu-me algo tão sobrenatural e desligado de instrumentos humanos, que quase
não podia acreditar que Ele estivesse me usando como instrumento, ou que aquilo
que estava dizendo servisse de meio para a realização da obra
divina. Pois, segundo pensei, parecia não haver qualquer
conexão ou dependência de meios, em nenhum sentido. Embora eu não pudesse
evitar o uso de meios que achava serem apropriados para a promoção da obra,
contudo, segundo percebi, Deus parecia actuar inteiramente à parte de quaisquer
meios. Parecia que eu não precisava fazer coisa alguma, senão "aquietar-me
e ver a salvação de Deus". Assim vi-me forçado e deleitado em dizer:
"Não a nós", como instrumentos e meios, "mas ao teu nome dá
glória" (Salmo 115.1). Deus parecia operar inteiramente sozinho, e eu não
podia encontrar espaço para atribuir qualquer aspecto da obra a actuação de
meras criaturas.
17 de Agosto. Passei bastante tempo conversando com os
índios. Descobri um
deles que há pouco recebera a certeza da salvação, após um longo período de
tribulação e aflição espiritual. Ele tinha sido meu ouvinte por mais de um ano
em Forks of Delaware, mas agora seguira-me até aqui, por achar-se tão
preocupado com o bem-estar de sua alma. E eu tinha razões abundantes para
acreditar que a sua certeza de salvação estava bem fundamentada, procedendo
realmente do alto.
Dia do Senhor, 18 de Agosto.
Preguei antes do meio-dia a uma assembleia mista de brancos, de diversas
denominações
evangélicas. Depois preguei aos índios, com base em João 6.35-40. Entre eles era visível que o Espírito estava actuando, embora não
com a mesma intensidade tão frequente nos últimos dias.
19 de Agosto. Preguei sobre Isaías 55.1, que diz: "Ah! todos vós
os que tendes sede..." A verdade divina fez-se acompanhar por poder sobre
os que tinham recebido a certeza da salvação e também sobre outros. Os
primeiros emocionaram-se ternamente e refrigeraram-se diante dos convites
divinos; e os últimos muito sentiram por suas almas, desejando participar das
gloriosas provisões do evangelho expostas a eles. Também havia um bom número de
pobres almas impotentes que esperava "à beira do tanque" por sua
cura; como em outras ocasiões recentes, o anjo pareceu ter vindo agitar as
águas, de tal maneira que ainda houve uma desejável e consoladora expectativa
de recuperação espiritual por parte de pecadores que pereciam.
24 de Agosto. Passei a manhã conversando com alguns dos índios no tocante à sua
pública profissão de fé em Cristo. Vários deles pareceram ficar cheios de amor
a Deus, deleitados diante da ideia de dedicarem-se a Ele, emocionados e
refrigerados diante da esperança de usufruir de companheirismo com o bendito
Redentor. Depois, preguei publicamente, alicerçado em 1 Tessalonicenses
4.13-17. Houve uma solene atenção por parte deles, alguns visivelmente
emocionados durante o culto; isso intensificou-se mais tarde, quando lhes foram
feitas novas exortações para que viessem a Cristo, dando-Lhe
as suas vidas, a fim de que estivessem preparados para "o encontro do
Senhor nos ares", quando Ele,
"ouvida
a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus".
Chegaram recentemente alguns
índios que
julgavam-se em boas condições espirituais e satisfeitos consigo mesmos por
terem vivido com pessoas brancas, recebendo alguma luz do evangelho, aprendido
a ler e a mostrarem-se civis, embora desconhecessem por completo seus próprios
corações e fossem totalmente alheios ao poder da religião e às doutrinas da
graça. Pude conversar particularmente com esses, terminado o culto, e
surpreendeu-me notar a sua disposição de justiça própria, o seu forte apego ao
pacto das obras como motivo de salvação e o alto valor que emprestavam às suas
supostas realizações pessoais. Não obstante, após muito diálogo, um deles
pareceu até certo ponto convencido de que "ninguém será justificado diante
dele por obras da lei". Então chorou amargamente, indagando "o que
deveria fazer para ser salvo".
Isto foi muito reconfortante para
outros índios
que ganharam algum conhecimento prático de seus próprios corações. Estes
haviam se entristecido anteriormente diante das palavras e da conduta daqueles
recém-chegados, que jactavam-se de seu conhecimento, julgando-se em boa
situação espiritual, mas que agora tornavam evidente, a qualquer que tivesse
experimentado a graça divina que, na verdade, nada conheciam sobre a maldade de
seus próprios corações.
Dia do Senhor, 25 de Agosto. Antes
do meio-dia, preguei alicerçado em Lucas 15.3-7. Estavam presentes
alguns civilizados, e no final de meu sermão dirigido
aos indígenas, dirigi-me àqueles. Mas nem ao menos consegui mantê-los em boa
ordem, pois dezenas deles continuavam andando ao redor, olhando para tudo,
comportando-se da maneira mais indecente do que eu já vira entre quaisquer
índios que já encontrara. Vendo a conduta tão abusiva deles, meu espírito
afundou-se e quase não consegui prosseguir em meu trabalho.
À tarde preguei em Apocalipse 3.20. Então quinze índios
fizeram sua profissão pública de fé. Depois que a multidão de espectadores se
dispersou, convoquei os índios e lhes falei em particular e, ao mesmo tempo,
convidei outros índios a assistirem. Relembrei-lhes que agora estavam sob a
solene obrigação de viver para Deus. Também adverti-os sobre os males e as
temíveis consequências de uma conduta descuidada, sobretudo depois de terem
feito profissão de fé em Cristo; ofereci-lhes orientações para sua conduta
futura e encorajei-os à vigilância e à devoção, exibindo diante deles o consolo
e a feliz conclusão da vida cristã piedosa.
Realmente foi um período agradável e
doce. Seus corações estavam muito animados e engajados na realização de seus
deveres; regozijavam-se no fato que numa cerimónia pública e solene haviam se
dedicado a Deus. O amor parecia reinar entre eles! Deram-se as mãos com ternura
e afecto, como se os seus corações estivessem
fundidos uns aos outros, enquanto eu lhes dirigia a Palavra de Deus. O
comportamento deles uns para com os outros era tal que qualquer espectador
sério sentir-se-ia impelido a clamar, de pura admiração: "Vede como eles
se amam". Muitos outros índios, ao contemplarem e ouvirem essas coisas,
ficavam arrebatados, chorando muito, anelando por participar da mesma alegria e
consolo que aqueles índios haviam descoberto, conforme transparecia em suas
fisionomias e em toda a sua conduta.
26 de Agosto. Utilizando João 6.51-55, preguei à minha gente. Após falar por algum
tempo, dirige-me especificamente àqueles que tinham esperança de que haviam
passado da morte para a vida. Esclareci-lhes sobre a natureza duradoura do
consolo que Cristo concede ao seu povo, o que, como creio, Ele havia
proporcionado a alguns naquela assembleia; mostrei-lhes que esses já possuem os
primórdios da vida eterna e que em breve seriam levados para o céu.
Nem bem iniciei meu discurso sobre
essa questão
e eis que meus queridos crentes começaram a emocionar-se muito, desejando
desfrutar de Cristo e de um estado de perfeita pureza. Eles choravam afectuosamente,
mas com alegria; suas lágrimas e soluços mostravam o quão quebrantados estavam
no coração, mas tudo devidamente acompanhado por real consolo e doçura de
sentimentos. Foi uma reunião terna, afectuosa, humilde e agradável, parecendo
um fruto genuíno do espírito de adopção, muito distante daquele espírito de escravidão
sob o qual viviam não faz muito tempo. Parece que uma influência benéfica
propagou-se, a partir desses, por toda a assembleia reunida; logo
manifestaram-se fortes sentimentos entre eles. Muitos deles, que ainda não
haviam achado Cristo como seu todo-suficiente
Salvador, para minha surpresa começaram a buscá-Lo activamente.
Era uma congregação amável e muito atenta. Agora, o número de índios era cerca
de noventa e cinco, incluindo pessoas de idade e jovens, quase todos
tomados pela alegria em Cristo Jesus, ou então resolvidos a obter união
espiritual com Ele.
Estando convencido de que era meu
dever, fiz uma viagem de volta aos
índios do Rio Susquehanna,
pois era uma estação própria do ano para encontrá-los em suas cabanas. Depois
de passar algumas horas pregando e em conversa particular com meus índios,
disse-lhes que eu precisava afastar-me deles por algum tempo, para dirigir-me a
seus irmãos que viviam em lugares distantes, a fim de pregar para eles. Também
manifestei que desejava que o Espírito de Deus fosse comigo, pois sem Ele nada
poderia ser feito de bom entre os índios — pois eles mesmos tinham tido
oportunidade de ver e observar, mediante a esterilidade de algumas de nossas
reuniões, quando muito nos esforçáramos por conseguir afectar e despertar os
pecadores, mas com tão pouco sucesso. Perguntei se estariam dispostos a passar
o resto do dia em oração por
mim, a fim de que Deus
fosse comigo, conferindo êxito em meus esforços tendentes à conversão daquelas pobres
almas. Concordaram alegremente com meu pedido e pouco depois os deixei, quando
o sol já tinha surgido no horizonte há cerca de hora e meia. Eles continuaram
orando até bem depois do crepúsculo, sem jamais perderem a fé, segundo depois
me disseram, pois, ao saírem ao ar livre, viram as estrelas, e também que a
estrela da manhã já ia bem alta, o que significa que a hora normal de deitarem
já tinha passado há muito. Assim, intensos e incansáveis, mostravam-se os
índios em suas devoções! Aquela foi uma noite memorável. Conforme disse-me o meu
intérprete, houve uma poderosa influência divina sobre aqueles que estavam
favoravelmente impressionados e sobre aqueles que já haviam recebido a certeza
da salvação. Hoje apareceram duas almas aflitas que chegaram a receber descanso
da parte dAquele que dá alívio aos sobrecarregados.
Foi igualmente notável que hoje um idoso índio, idólatra durante toda sua vida,
resolveu entregar o seu chocalho — instrumento usado para fazer música em
festas e danças idólatras — a outros índios, os quais prontamente o destruíram.
Isso foi feito sem qualquer intervenção da minha parte, porquanto eu nada disse
ao índio sobre o instrumento; ao que parece tudo deve ser atribuído ao poder de
Deus, sem qualquer palavra minha sobre esse pecado, que pudesse produzir tal
efeito. Assim como Deus dera início à obra de sua graça entre os índios, Ele a
estava completando. Que toda a glória seja atribuída Àquele que é o único autor
da glória.
Forks of Delaware,
Pensilvânia, Setembro de 1745
Dia do
Senhor, 1o de Setembro.
Preguei aos índios baseado em Lucas 11.16-23. Ao que parece, a Palavra foi
acompanhada por algum poder espiritual, fazendo algumas lágrimas serem
derramadas pelos presentes. Depois, preguei a algumas pessoas brancas e pude
notar que muitos tinham olhos lacrimejantes; entre esses alguns que talvez
antes haviam se mostrado tão descuidados e descompromissados
sobre assuntos religiosos como os índios. Já quase ao anoitecer, preguei
novamente aos índios e percebi entre eles grande atenção e mais interesse
visível do que eu costumava ver nesta região.
5 de
Setembro. Preguei sobre a parábola do semeador.
Depois conversei em particular com algumas pessoas; isso fê-las derramar lágrimas,
chorando com evidente sentimento, e outras foram assaltadas pela surpresa e
temor. Não duvido que o poder divino acompanhou o que eu disse. Vários deles
tinham-me ouvido em Crossweeksung, onde viram, e
alguns talvez sentiram, o poder da Palavra de Deus de maneira a afectá-las e
salvá-las.
Perguntei de uma delas, que já recebera a certeza
da salvação e agora dava
provas de conversão autêntica: "Por que você chorou?" Ela respondeu:
"Quando pensei como Cristo foi morto como um cordeiro, derramando o seu
sangue pelos pecadores, não pude evitar as lágrimas quando estava
sozinho". Então irrompeu novamente em choro convulsivo. Indaguei da esposa
dele, que também recebera certeza de salvação, por que ela havia chorado. Ela
respondeu-me que entristecia-se por que os índios desta região não
queriam vir a Cristo, tanto quanto aqueles
de Crossweeksung. Perguntei-lhe se gostaria de orar
por eles, e se Cristo parecia estar perto dela ultimamente, em oração,
tal como em tempos passados, o que normalmente é minha maneira de exprimir o
senso da presença divina. Ela respondeu: "Sim, Ele tem estado perto de
mim. Às vezes, quando estive orando sozinha, meu coração muito me impelia a
orar, de tal maneira que não conseguia afastar-me do lugar, mas preferia ficar
e continuar orando".
Dia do Senhor, 8 de Setembro.
Preguei aos
índios à tarde, alicerçado em Actos 2.36-39.
Havia momentos em que a Palavra de Deus parecia cair com peso e influência
sobre os ouvintes. Havia poucas pessoas presentes; quase todas choravam e
algumas clamavam a Deus, pedindo misericórdia por suas almas. Um dos homens
parecia especialmente aflito, embora nunca antes tivesse sentido qualquer
interesse pelas realidades da alma. Houve uma obra notável do Espírito Santo
entre todos, semelhante ao que sucedera ultimamente em Crossweeksung.
Era como se a influência divina tivesse vindo daquele lugar para este, ainda
que algo assim já tivesse ocorrido aqui, com o despertamento
de meu intérprete, de sua esposa e de alguns outros índios.
Diversos civilizados foram
despertados, ou, pelo menos, ficaram chocados, ao contemplarem o poder de Deus,
tão
prevalente entre os índios. Aproveitando a oportunidade, dirigi-me
especificamente aos brancos, parecendo ter deixado neles alguma impressão,
incitando-lhes a alguns sentimentos.
Nesta região há índios que
sempre se recusaram a ouvir-me pregar, irando-se contra aqueles que
frequentavam as reuniões. Ultimamente, porém, eles têm-se mostrado mais amargos
do que nunca, escarnecendo do cristianismo e, às vezes, indagando de meus
ouvintes: "Quantas vezes vocês choraram?" ou "Vocês já choraram
o bastante para cumprir o seu turno?" Assim, os fiéis já experimentaram a
prova de cruéis zombarias.
9 de Setembro.
Deixei os índios de Forks of
Delaware e parti na direcção do Rio Susquehanna, dirigindo meus passos à grande aldeia indígena
que fica cerca de duzentos quilómetros para oeste de Forks
of Delaware. Percorri cerca
de vinte e quatro quilómetros e então me alojei.
Shaumoking, Setembro de 1745
13 de
Setembro.
Depois de ter acampado por três noites, cheguei ao
meu destino — a aldeia índia às margens do Rio Susquehanna,
chamada Shaumoking, o Maior de todos os
lugares que tinha visitado em Maio passado. Fui bondosamente recebido e
hospedado pelos índios; mas tive pouca satisfação por causa da dança pagã e do festim que eles efectuaram
na casa onde fora constrangido a hospedar-me. Não consegui detê-los, embora por
várias vezes os tivesse exortado a desistir, em razão de um de seus amigos
estar enfermo na casa na ocasião, e cujo mal-estar era muito agravado pelo
barulho. Infelizmente, quão destituídos de afecto natural são aqueles pobres e
incivilizados pagãos! Embora, noutras ocasiões, mostrem-se bondosos à sua
própria maneira. Na verdade, os antros escuros da terra estão cheios de
habitações da crueldade.
Esta aldeia, conforme anotei em
meu diário
em Maio passado, está, em parte, à margem oriental do rio e, em parte, à outra
margem, e ainda outra parte na grande ilha, contendo mais de cinquenta casas,
com quase trezentos habitantes, embora eu nunca tivesse visto mais do que a
metade deles. Fazem parte de três tribos indígenas diferentes e falam três
idiomas totalmente ininteligíveis entre si. Cerca de metade deles pertence à
tribo dos Delawares; os demais
pertencem às tribos dos Senekas e dos Tutelas.
São considerados os mais alcoólatras, maléficos e bandidos que há nesta
região; Satanás parece ter seu trono nesta aldeia, de maneira notória.
14 de
Setembro.
Visitei o chefe dos
índios Delawares, que supostamente estava à beira da morte quando
estive aqui em Maio passado, mas que agora estava recuperado. Conversei com ele
e com outros acerca do cristianismo durante toda a tarde. Encorajei-me sobre o
trabalho entre eles mais do que esperava. O chefe pareceu bondosamente
disposto, aberto para receber instrução. Isso me animou sobre a perspectiva de
Deus abrir uma porta para a pregação do evangelho, estabelecendo o seu reino
neste lugar. Isso serviu-me de sustento e refrigério, conferindo-me certa
medida de consolo e satisfação em meio às minhas circunstâncias de solidão.
Dia do Senhor, 15 de Setembro.
Visitei novamente o chefe dos
índios Delawares e fui
gentilmente recebido. Preguei aos índios à tarde. Continuava entretendo
esperanças que Deus abriria seus corações para receberem o evangelho, embora
muitos estivessem tão embriagados, dia após dia, que não conseguia uma
oportunidade para lhes dirigir a Palavra de Deus. Quando já anoitecia,
conversei com um deles que conhecia os idiomas das Seis Nações, como
essas tribos são conhecidas. Esse homem, segundo descobri, inclinava-se a ouvir
o cristianismo, o
que me deu alguma esperança de que o
evangelho, doravante, seria levado a tribos em lugares ainda mais distantes.
16 de
Setembro.
Passei a manhã esforçando-me por
instruí-los de casa em casa, procurando torná-los amigáveis para com o
cristianismo, tanto quanto estivesse ao meu alcance. Já perto da noite,
dirigi-me a certa parte da aldeia onde os índios estavam sóbrios, consegui
reunir cerca de cinquenta deles e anunciei-lhes o evangelho, tendo primeiro
obtido o cordial consentimento do chefe indígena. Notei uma surpreendente
atenção e eles manifestaram o considerável desejo de continuar recebendo
instrução. Também parece que dois ou três manifestaram alguma preocupação com
suas almas, os quais também pareceram satisfeitos com uma conversa em
particular, depois de eu haver concluído meu sermão.
Muito me animei com o rumo que as
coisas estavam tomando e não pude fazer outra coisa ao retornar a meus pobres
alojamentos, sem outra companhia além do meu intérprete, senão regozijar-me na
esperança que Deus resolvera estabelecer aqui o seu reino, onde até agora
Satanás reina da maneira mais clara possível; percebi grande liberdade de
espírito ao dirigir-me ao trono da graça, rogando pela realização de obra tão
grande e gloriosa.
17 de Setembro.
Passei a manhã visitando os índios e falando-lhes sobre o evangelho. Cerca do
meio-dia parti de Shaumoking (a Maioria dos índios
saíra da aldeia para caçar), e naveguei rio abaixo na direcção sudoeste.
Juncauta, Setembro de 1745
19 de
Setembro.
Visitei uma aldeia indígena de nome Juncauta, situada numa das ilhas do Rio Susquehanna. Fiquei muito desencorajado diante do
temperamento e da conduta dos índios dali; embora parecessem amigáveis quando
estivera com eles na primavera anterior, tendo me encorajado a voltar a vê-los.
Mas agora pareciam resolvidos a reter suas noções pagãs e a persistir em suas
práticas idólatras.
20 de Setembro.
Visitei de novo os
índios da ilha de Juncauta
e encontrei-os quase todos muito ocupados em preparativos para um grande
sacrifício com danças. Não consegui reuni-los para falar-lhes sobre o
cristianismo, por estarem muito ocupados com seus sacrifícios. Meu ânimo baixou
muito diante de tão desencorajadora perspectiva, sobretudo porque hoje tinha
como intérprete apenas um pagão tão idólatra quanto os outros, e que, além
disso, não falava nem entendia a língua daqueles índios. Eu estava sob a pior
desvantagem imaginável. Tentei conversar com alguns deles sem qualquer sinal de
sucesso; ainda assim demorei-me entre eles por algum tempo.
À noitinha, reuniram-se, quase cem deles, e dançaram ao redor de
uma grande fogueira, tendo preparado dez veados cevados para o sacrifício. Enquanto
dançavam, queimaram a gordura dos animais, o que algumas vezes fazia as chamas
elevarem-se a prodigiosa altura; e, ao mesmo tempo, uivavam e gritavam de tal
modo que facilmente seriam ouvidos a três quilómetros de distância. A dança
sacrificial prosseguiu por quase toda a noite; então, comeram a carne dos
animais sacrificados e cada um retirou-se para o seu próprio alojamento.
Eu estava ali a contragosto. Era o
único
crente na ilha, em meio a um festim idólatra. Tendo andado para lá e para cá
até que meu corpo e minha mente doíam sob a opressão moral, finalmente entrei
em um pequeno paiol de milho e adormeci sobre as varas que formavam uma espécie
de soalho.
Dia do Senhor, 21 de Setembro.
Passei o dia na ilha. Assim que os
índios despertaram,
esforcei-me em reuni-los para instrução. Porém, logo descobri que eles tinham
alguma outra coisa para fazer, pois perto do meio-dia reuniram todos os seus powaws ou feiticeiros, e cerca de meia dúzia
deles, ao iniciar os seus artifícios, começaram a actuar com suas posturas
frenéticas e distorcidas, a fim de descobrir por que eles gozavam de tão pouca
saúde na ilha, pois vários se sentiam adoentados com febre e fluxo de sangue. Nesse
exercício ocuparam-se por diversas horas, fazendo todos os movimentos
exagerados, ridículos e distorcidos que possam ser imaginados, algumas vezes
cantando, outras vezes berrando, ou outras vezes estendendo os braços ao
máximo de seu alcance, separando bem os dedos, parecendo empurrar com eles
alguma coisa, como se intencionassem afastar algo, ou pelo menos mantê-lo à
distância. De outras vezes esmurravam seus rostos com o punho e então
borrifavam água fina como névoa. Ou então sentavam-se e inclinavam a cabeça até
encostá-la no chão, contorcendo os lados do corpo como se estivessem em dores e
angústia, fazendo caretas, revirando os olhos,
grunhindo, bufando, etc.
Suas posturas monstruosas tendiam
por provocar ideias de horror, parecendo haver algo neles peculiarmente
apropriado para evocar os demónios, se estes pudessem ser evocados por qualquer coisa
estranha, ridícula e assustadora. Observei que alguns deles eram muito mais
fervorosos e devotos no que faziam do que os demais, parecendo entoar, chilrear
ou sussurrar com grande ardor e intensidade, como se estivessem resolvidos a
despertar e atrair os poderes inferiores. Eu estava sentado a pequena
distância, não mais de dez metros deles, embora sem ser notado; de Bíblia na
mão, se possível resolvido a estragar a brincadeira deles, impedindo que
recebessem qualquer resposta vinda do mundo infernal; dali contemplava a cena
inteira. Continuaram na prática de seus encantamentos e feitiços horrendos por
mais de três horas, até
ficarem todos exaustos, embora
tivesse havido alguns momentos de descanso; e, finalmente, dispersaram-se sem
haverem recebido qualquer resposta, conforme pude entender.
Depois de toda aquela conjuração, procurei
conversar com eles a respeito do cristianismo; mas logo dispersaram-se, não me
dando qualquer oportunidade. Ao recordar estas coisas, estando eu totalmente
sozinho na floresta, destituído da companhia de qualquer pessoa que ao menos se
chamasse cristã, meu espírito muito se abateu; minha mente entrou num estado de
profunda melancolia, quase arrancando de mim toda resolução e esperança acerca
de novas tentativas de propagar o evangelho e converter os pagãos. Foi o mais
opressivo e desagradável domingo que já passei.
Mas, digo com certeza, nada me
abateu e afligiu tanto quanto a perda de minha esperança acerca da
conversão daqueles índios. Essa preocupação pareceu-me tão intensa, e ser de
minha total responsabilidade, que era como se eu nada mais houvesse a fazer na
terra se isto falhasse. Qualquer perspectiva de Maior êxito, na conversão e
salvação de almas sob a luz do evangelho, pouco ou nada teria conseguido fazer
para compensar pela perda de minhas esperanças a esse
respeito; meu espírito estava agora tão decaído e aflito que não me restavam
nem coragem e nem forças para fazer qualquer nova tentativa de evangelizá-los;
e não via a possibilidade de recuperar minha esperança, determinação e coragem,
ainda que muito me esforçasse.
Muitos dos índios desta ilha podem entender consideravelmente bem a língua
inglesa; pois antes tinham vivido em certas regiões de Maryland,
entre ou perto de pessoas brancas; mas são muito viciados no álcool, perigosos
e profanos, embora não tão selvagens quanto aqueles que possuem menos
conhecimento do inglês. Seus costumes diferem em vários pontos dos costumes de
outros índios deste rio. Não sepultam os seus mortos à maneira usual, mas
deixam que suas carnes se consumam, acima do chão, em armações feitas de varas
para esse propósito. Após um ano, ou mais, quando a carne de um cadáver já se
consumiu toda, eles tomam os ossos e, depois de lavá-los e raspá-los,
sepultam-nos com cerimónia. Seus métodos de encantamento ou conjuração sobre os
enfermos também parecem um tanto diferentes do que os de outros índios, ainda
que, no fundo, signifique a mesma coisa. O quadro que prevalece entre esses e
outros índios parece ser uma imitação daquilo que foi expresso por Naamã, em 2 Reis 5.11, como o costume dos antigos pagãos.
Parece também consistir em "mover a mão" acima dos enfermos,
alisando-os repetidamente e "invocar os seus deuses"; excepto apenas
que os índios sopram água pela boca como se fosse uma névoa fina, e possuem
algumas cerimónias frenéticas, comuns a outras conjurações já mencionadas.
Quando estive nesta região, em Maio passado,
pude conhecer muitas das noções e costumes dos índios, e observei um bom número
de suas práticas. Então viajei mais de duzentos quilómetros ao longo do rio,
até acima do território de ocupação inglesa. Nessa viagem, ocupei-me com
pessoas de sete ou oito tribos distintas, que falavam diferentes idiomas. Mas,
de todas as cenas que já vi entre eles, ou mesmo em qualquer outro lugar,
nenhuma me pareceu tão assustadora, ou tão similar àquilo que usualmente se
imagina como próprio dos poderes infernais, nada excitou tantas imagens
de terror em minha mente como a aparência de um deles, que era um reformador
devoto e zeloso, ou antes, restaurador do que ele supunha ser a antiga religião
dos índios. Ele fez seu aparecimento em suas vestes pontifícias, uma
capa de pele de urso, que descia até seus artelhos, um par de meias compridas
de pele de urso e uma grande face de madeira pintada, metade negra e a outra
metade da cor da tez de um índio, com uma boca extravagante, cortada muito
torta. Essa face estava costurada a um capuz de pele de urso, que ele usava
sobre a cabeça. Ele avançou em minha direcção com um instrumento na mão, o qual
usava para fazer música na sua adoração idólatra. Era um casco seco de
tartaruga, com alguns grãos de milho no interior. Na parte do pescoço havia uma
peça de madeira, que servia de cabo bem conveniente.
Enquanto avançava, fazia o seu
chocalho marcar o ritmo e dançava com todas as suas forças, sem permitir que
qualquer parte de seu corpo fosse vista, nem mesmo os seus dedos. Ninguém
poderia imaginar, com base em sua aparência ou suas acções, que fosse uma
criatura humana, a não ser que tivesse sido informado. Quando chegou perto de
mim, não pude evitar de retroceder diante dele, embora fosse pleno meio-dia e
eu soubesse quem era; sua aparência e seus gestos eram prodigiosamente
assustadores. Ele tinha uma casa consagrada a usos religiosos, com diversas
imagens espalhadas no seu interior. Entrei ali e vi que o chão era batido,
quase tão duro quanto a rocha, porque era onde os índios dançavam com
frequência.
Falei com ele a respeito do
cristianismo. Ele pareceu apreciar parte do meu discurso, mas de outra parte
desgostou em extremo. Disse-me que "Deus" lhe ensinara a sua religião e que jamais a
abandonaria; antes, gostaria de encontrar quem se associasse a ele, de todo o
coração, nessa religião; pois os índios, segundo ele disse, tinham-se tornado
muito degenerados e corruptos. Contou-me que estava pensando em deixar todos os
seus amigos a fim de viajar para longe, na tentativa de achar alguns que se
associassem a ele, pois acreditava que "Deus" tinha algumas pessoas
boas, em algum lugar, que sentiam o mesmo que ele. Nem sempre se sentira como
estava se sentindo agora, disse ele, mas anteriormente fora como o resto dos
índios, até cerca de quatro ou cinco anos atrás. Naquele tempo seu coração
estava muito aflito, de tal modo que
não
pudera continuar vivendo entre os índios,
então retirou-se para a floresta,
vivendo sozinho por alguns meses.
Finalmente, disse ainda,
"Deus" consolou o seu coração, mostrando-lhe o que deveria fazer. Desde
então, ele conhecia a "Deus" e procurava servi-lo. Amava a todos os
homens, fossem eles quem fossem, como nunca o fizera antes. Ele me tratou de
forma muito cortês, parecendo sincero no que fazia. Outros índios me
informaram que ele se opunha ao alcoolismo deles, com todas as suas forças,
dizendo-lhes que se não pudesse dissuadi-los disso com todos os seus
argumentos, ele os deixaria para ir chorar na floresta. Era claro que ele tinha
uma série de noções religiosas que examinara pessoalmente e que não foram
aceitas automaticamente, com base em meras tradições. Aceitava ou repelia
qualquer coisa de natureza religiosa que lhe fosse dita, conforme isso
concordasse ou discordasse de seu próprio padrão. Enquanto eu falava, ele
algumas vezes interrompia: "Bem, disso eu gosto; 'Deus' me ensinou
assim". Alguns de seus sentimentos pareciam perfeitamente justos. Todavia,
ele negava enfaticamente a existência do diabo, afirmando que tal criatura não
era conhecida entre os índios antigos, cuja religião ele supunha estar
procurando reviver.
Também disse-me que as almas dos mortos
vão na direcção do sul, sendo que a diferença entre os bons e os maus é que os
bons são admitidos numa cidade com lindas muralhas espirituais, e os maus ficam
para sempre pairando ao redor dessas muralhas, na tentativa vã de conseguirem
entrar. Ele parecia sincero, honesto e consciente à sua maneira e de acordo com
as suas noções religiosas pessoais. Isto era mais do que eu já vira em qualquer
outro pagão. Percebi que ele era olhado com suspeita e escarnecido pelos outros
índios, como um zelote fanático, que
ficava brigando em vão por motivos religiosos. Porém, sou forçado a reconhecer
que havia algo, em seu temperamento e disposição, que se parecia mais com uma
religião racional do que qualquer outra coisa que já observei entre outros
pagãos.
Infelizmente, porém, quão deplorável é
o estado dos índios que moram ao longo desse rio! A breve exposição aqui feita,
sobre as noções e costumes dos índios, é suficiente para mostrar que eles são
"levados cativos por Satanás, para cumprirem a sua vontade", da
maneira mais intensa. Penso que isso também é o bastante para despertar a
compaixão dos filhos de Deus, levando-os a orar por esses seus semelhantes, os
quais estão "sentados na região da sombra da morte".
22
de Setembro. Fiz mais algumas
tentativas para instruir e cristianizar os
índios que vivem nesta ilha, mas foi tudo em
vão. Vivem tão perto dos brancos que estão sempre rodeados de bebida alcoólica,
bem como de maus exemplos
de cristãos nominais. Isso dificulta imensamente falar com eles a respeito do
cristianismo.
Forks of Delaware, Outubro de 1745
1 de
Outubro.
Preguei aos
índios deste lugar,
passando algum tempo em conversa particular com eles, acerca dos interesses de
suas almas e, depois, convidei-os a me acompanharem até Crossweeksung;
ou, caso não me pudessem acompanhar, que fossem até lá
o mais breve possível; vários deles aceitaram alegremente o convite.
Crossweeksung, Outubro de 1745
5 de
Outubro.
Preguei
à minha gente com
base em João 14.1-6. A presença divina parecia estar na assembleia. Várias
pessoas ficaram emocionadas com a verdade divina, que serviu de conforto
especialmente para algumas delas. Oh, que diferença entre esses e os índios com
quem lidei ainda recentemente, no Rio Susquehanna!
Estar com os outros, parecia o mesmo que ter sido banido para longe de Deus e
de todo o seu povo. Mas estar na companhia destes é como ser admitido na
família de Deus e no gozo de sua presença divina! Quão grande é a mudança efectuada
ultimamente entre um bom número destes índios, os quais, não faz ainda muitos
meses, eram totalmente indiferentes ao cristianismo como aqueles do Rio Susquehanna; e quão extraordinária é a graça divina, que
efectuou tão grande mudança!
Dia do Senhor, 6 de Outubro.
Preguei pela manhã usando o trecho de João 10.7-11. Houve
considerável comoção entre a minha gente; os queridos jovens cristãos foram
refrigerados, consolados e fortalecidos; e novamente uma ou duas pessoas foram
despertadas. À tarde, discorri sobre a história do carcereiro, em Actos 16 e, à
noitinha, fiz a exposição de Actos 20.1-12. Houve, então, um agradável quebrantamento por toda a assembleia. Penso que
dificilmente vira algo semelhante entre todos os meus ouvintes. Praticamente
não houve olhos sem lágrimas entre eles; mas nada houve de tumultuoso ou
impróprio, nem qualquer coisa que tendesse a perturbar o culto público; mas sim
a encorajar e estimular o fervor cristão e o espírito de devoção. Aqueles sobre
os quais tenho razão de pensar que foram renovados pela salvação foram os
primeiros a serem comovidos, parecendo muito se regozijarem, porém com grande
contrição e temor piedoso. As manifestações eram similares àquelas que
mencionei em meu diário a 26 de Agosto, parecendo serem os efeitos genuínos do
espírito de adopção.
Terminado o culto público, retirei-me,
estando muito cansado devido às labutas do dia; mas os índios continuaram
orando juntos por cerca de duas horas; esse contínuo exercício espiritual
parecia acompanhado pela bendita influência vivificadora do alto. Não pude
deixar
de desejar ardentemente que muitos do povo de Deus
tivessem estado presentes, para contemplarem e ouvirem estas coisas, as quais,
tenho certeza que haveriam de refrigerar o coração de todo
verdadeiro amante de Sião. Ver aqueles que há pouco eram pagãos selvagens e
idólatras, sem qualquer esperança e sem Deus no mundo, agora tomados pelo senso
do amor e da graça divina, adorando ao Pai em espírito e em verdade, conforme
vi fazerem aqui muitos índios, não foi coisa pouco comovente; especialmente ao
vê-los tão ternos e humildes, bem como vívidos, fervorosos e devotos no culto.
25 de
Outubro.
Falei a minha gente, acerca da
ressurreição,
usando o trecho de Lucas 20.27-36. Quando mencionei a
bem-aventurança que os piedosos gozarão naquela ocasião; como estarão livres da
morte, do pecado e da tristeza; como serão iguais aos anjos em sua proximidade
e aprazimento de Cristo, do que já são favorecidos em parte desde agora, de
onde procede o seu mais doce consolo; e como filhos de Deus, abertamente
reconhecidos por Ele como tais, vários deles ficaram muito compungidos e
enternecidos na antecipação desse estado bendito.
26 de
Outubro.
Tendo sido convidado a ajudar na
administração
da Ceia do Senhor em uma congregação das vizinhanças, convidei minha gente a ir
comigo. Geralmente, os índios tiram proveito dessas oportunidades com alegria.
Assistiram as palestras dessa solenidade com diligência e afecto, sendo que,
agora, a Maioria deles entende um pouco do idioma inglês.
Dia do Senhor, 27 de Outubro.
Enquanto pregava a uma vasta assembleia de pessoas vindas
de lugares distantes, as quais pareciam, de uma maneira geral, tranquilas e
sossegadas, houve uma índia visitante, que nunca me ouvira pregar nem antes havia dado
atenção a assuntos religiosos, que sendo agora persuadida por alguns amigos a
vir à reunião, mesmo contra sua vontade foi tomada por profunda preocupação por
sua alma. Logo depois expressou um grande desejo de voltar para casa, que
distava cerca de sessenta e cinco quilómetros, a fim de chamar seu marido para
que ele também fosse despertado acerca de sua alma. Alguns dos outros índios
também pareceram tocados pela verdade divina neste dia.
Os ingleses piedosos, com os quais
pude dialogar em bom número, pareceram revigorados ao contemplar os índios adorando a
Deus daquela maneira devota e solene, junto com a assembleia dos crentes. E à
semelhança daqueles que são mencionados em Actos 11.18, não puderam deixar de
glorificar ao Senhor, dizendo: "Logo, também aos gentios foi por Deus
concedido o arrependimento para vida".
28 de
Outubro.
Preguei baseado em Mateus 22.1-13.
Fui capacitado a expor as Escrituras de uma maneira que não compreendo,
adaptando minha linguagem ao nível de entendimento da minha gente, de forma
clara, fácil e familiar, e sem qualquer dificuldade Maior, muito
além do melhor que poderia ter feito, através de muito estudo. Sim,
com tanta liberdade como se eu me dirigisse a uma audiência comum, que já
tivesse sido instruída nas doutrinas do cristianismo por toda a sua vida.
A Palavra de Deus, nessa ocasião, pareceu cair
sobre os ouvintes com grande poder e influência divinos, sobretudo já no fim de
meu sermão. Houve tanto um doce sentimento quanto um amargo lamento entre os
ouvintes. Os queridos crentes foram refrigerados e consolados, enquanto que outros receberam convicção de pecado; e várias
outras pessoas que nunca tínhamos visto foram despertadas. A presença divina
foi tão notável que ali não parecia ser "outro lugar, senão a casa de Deus
e a porta do céu". Todos quantos já tinham provado e apreciado as
realidades divinas, constrangidos pelo dulçor do
momento, disseram: "Senhor, bom é estarmos aqui". Se houve ocasião em
que minha gente teve a aparência de estar na Nova Jerusalém, "como uma
noiva adornada para seu noivo", tal ocasião foi esta. Tão satisfatório foi
o culto, com tantos sinais da presença divina, que quase não me dispunha a
interrompê-lo e retirar-me para o meu alojamento. Fiquei reanimado à vista da
continuidade dessa bendita obra da graça entre os índios, e com sua influência
exercida sobre os desconhecidos que, de quando em quando, ultimamente têm
providencialmente chegado a esta região do país.
Dia do Senhor, 3 de Novembro.
Preguei à minha gente, usando o trecho de Lucas 16.17: "É mais
fácil passar o céu e a terra...", visando mais especificamente o benefício
de algumas pessoas que, ultimamente, têm sido levadas a ter uma profunda
preocupação com as suas almas. Entre os presentes houve um patente interesse e
comoção, embora bem menos do que vem acontecendo ultimamente.
Hoje seis
índios fizeram
profissão de fé em Cristo. Um deles era uma mulher com quase oitenta anos de
idade. Dois outros eram homens com cerca de cinquenta anos, que até
então eram famosos entre os índios por causa de sua iniquidade; um deles era
assassino, e ambos só viviam embriagados, sempre dispostos a uma discussão
acalorada. Mas agora só posso esperar que eles tenham se tornado objectos da
graça especial de Deus. Fiquei a observá-los por muitas semanas depois de terem
dado evidências de terem passado por grande transformação, a fim de que pudesse
ter mais oportunidade de observar os frutos das impressões sob as quais estavam
vivendo; e então compreendi que agora eles realmente estavam preparados para
participar condignamente das ordenanças.
4 de
Novembro.
Preguei em João 11, explicando de
modo breve a Maior parte desse capítulo. A verdade divina deixou marcas
profundas em muitos dos presentes. Vários deles foram compungidos diante do
poder de Cristo manifesto na ressurreição de mortos, especialmente quando o
caso de Lázaro demonstrou o seu poder de ressuscitar pessoas
mortas (conforme muitos deles sentiram que estavam), e de dar-lhes
então a
vida espiritual; e também diante do poder de Cristo em ressuscitar os mortos no
último dia, distribuindo entre eles galardões ou punições.
Alguns daqueles que chegaram aqui
recentemente, vindos de lugares distantes, estão sob profunda convicção acerca de
suas almas. Uma índia em particular, que bem poucos dias atrás chegara bêbada,
zombando de nós, e que por todos os meios procurara perturbar-nos enquanto
adorávamos ao Senhor, agora estava tão preocupada e aflita acerca de sua alma
que parecia incapaz de obter qualquer alívio sem o benefício de Cristo. Houve
muitas lágrimas, soluços e gemidos por toda a assembleia; alguns choravam por
si próprios, outros por seus amigos. Embora as pessoas se comovam mais
facilmente agora do que no início do despertamento
dos interesses religiosos, quando pranto e lamentos por suas almas não eram ainda
ouvidos entre eles, contudo, devo dizer que agora as suas emoções parecem mais
genuínas e sinceras; isso pareceu mais notável naqueles que têm sido
despertados recentemente. Assim, uma verdadeira e genuína convicção de pecado
parece ter-se iniciado e estar sendo promovida em muitos casos.
Vinte e três
índios, ao todo,
agora já professaram fé em Cristo. A Maior parte deles habita neste território
e uns poucos residem em Forks of
Delaware. Por meio da rica graça divina, nenhum
deles, até hoje, envergonhou a sua profissão de fé, por meio de qualquer
comportamento escandaloso ou inconveniente.
Anotações gerais sobre
este período
Nesta altura poderia fazer muitas
observações
apropriadas sobre uma obra da graça tão notável, quanto esta tem sido em seus
vários aspectos, mas me limitarei somente a algumas considerações gerais.
1.
É notável que Deus tenha iniciado essa
obra entre os índios num tempo em que eu menos tinha esperança, e quando,
segundo entendia, não havia qualquer perspectiva razoável de ver a obra da
graça propagar-se entre eles. Minhas forças físicas estavam esgotadas por uma
tardia e entediante viagem ao Rio Susquehanna, onde
necessariamente fiquei sujeito a dificuldades e fadigas entre os índios. A
minha mente também estava muito deprimida em face do insucesso de meus
esforços. Eu tinha pouco motivo para esperar que Deus me tornaria instrumento
na conversão de qualquer um daqueles índios, excepto de meu intérprete e sua
mulher. Assim, estava pronto a considerar-me uma carga pesada para a Sociedade
que me empregava e sustentava nesta obra; comecei a pensar seriamente em
desistir de minha missão, quase tendo resolvido que o faria ao término deste
ano, se não conseguisse melhor sucesso em meu trabalho do que estava tendo. Não
posso afirmar que entretinha esses
pensamentos
por estar cansado dos labores e fadigas que necessariamente acompanhavam minhas
actividades, ou porque eu tivesse luz e liberdade em minha própria mente para
fazer outra coisa; mas tudo era devido ao abatimento de meu espírito, a um premente
desencorajamento e à ideia de que era injusto gastar dinheiro dedicado a usos
religiosos, somente a fim de civilizar os índios, conduzindo-os a uma
profissão externa de cristianismo. Isso era tudo quanto eu podia ver
como possibilidade de se efectuar, enquanto Deus, conforme eu pensava, evitava
permitir conversões autênticas, retendo as influências convencedoras
e renovadoras de seu bendito Espírito, para que não acompanhassem os meios que
até então eu vinha usando para essa finalidade.
Com isso em mente, visitei estes
índios, pela primeira
vez, em Crossweeksung, compreendendo que este era meu
dever indispensável, visto que eu ouvira dizer que havia um certo número deles
nesta região; e tentei convertê-los a Deus, embora não possa dizer que tivesse
qualquer esperança de êxito, pois meu espírito estava tão abatido. Eu não sei
dizer se minhas esperanças quanto à conversão dos índios se reduziram a um
nível tão baixo, desde que me interessara por eles. Contudo, foi esta a época
que Deus viu como apropriada para dar início a essa gloriosa obra da graça!
Assim, Ele determinou que "tiraria forças da fraqueza", desnudando o
seu braço todo-poderoso, quando todas as esperanças e probabilidades humanas
mais pareciam ter falhado. E disso tudo tenho aprendido que ê bom seguir a
vereda do dever, mesmo em meio a trevas e desencorajamentos.
2.
É marcante como Deus,
em sua providência e de uma maneira quase inexplicável, convocou aqueles
índios a fim de serem instruídos nas coisas importantes concernentes a suas almas;
e como Ele se apossou de suas mentes com o mais profundo e solene interesse por
sua eterna salvação, assim que chegaram ao lugar onde a Palavra estava sendo
pregada. Quando cheguei pela primeira vez nesta região, em Junho, não achei um
homem por todos os lugares que visitei, mas somente quatro mulheres e algumas
poucas crianças; mas antes que estivesse ali muitos dias, eles se reuniram,
provenientes de todos os quadrantes, alguns vindos de mais de trinta
quilómetros. E quando lhes fiz uma segunda visita, no começo de Agosto, alguns
vieram de mais de sessenta quilómetros para ouvir-me. Muitos vieram sem ao
menos saber o que estava sucedendo e, consequentemente, sem qualquer finalidade
própria, mas apenas para satisfazer a curiosidade. Assim, até parecia que Deus
os tinha convocado de todas as direcções sem nenhum outro propósito senão o de
lhes entregar a sua mensagem; e o fato é que Ele fez isso, no que concerne a
alguns deles, sem fazer uso de qualquer meio humano, embora alguns índios
tenham se esforçado em avisar a outros em lugares remotos.
Não é menos surpreendente que, um após outro, os índios tenham sido afectados por solene
preocupação
por suas almas, quase assim que chegaram no local onde as verdades divinas lhes
estavam sendo ensinadas. Não pude deixar de pensar que a chegada deles ao local
de nossos cultos públicos, assemelhou-se ao caso de Saul e seus mensageiros que
chegaram entre os profetas, pois nem bem chegaram, profetizaram; e estes
também, quase de imediato foram afectados pelo senso de seu próprio pecado e
miséria, extremamente interessados em seu livramento,
assim que chegaram à nossa assembleia. Depois de haver começado essa obra da
graça com grande poder entre eles, tornou-se comum que os visitantes entre os
índios, antes mesmo de passarem um dia inteiro connosco, ficassem mui despertados, profundamente convictos de seu pecado e
miséria, indagando com grande solicitude: "Que devo fazer para ser
salvo?"
3.
É igualmente notável como Deus impediu
que aqueles pobres e ignorantes índios ficassem precavidos contra mim, e
contra as verdades que lhes ensinei, mesmo sendo incitados a isso por homens
ímpios. Houve muitas tentativas feitas por pessoas malignas da raça branca, a
fim de precavê-los e assustá-los no tocante ao cristianismo. Algumas vezes eles
diziam que os índios já estavam muito bem — que não tinham necessidade de toda
essa conversa cristã — que se fossem cristianizados, não seriam melhores, mais
seguros ou mais felizes do que já eram. De outras vezes diziam aos índios que
eu era um patife, um enganador, ou coisa semelhante; que diariamente ensinava
mentiras, não tendo outra finalidade senão enganá-los. Mas, quando nenhuma dessas sugestões, além de outras, prestaram-se a seu
propósito, então experimentaram um outro expediente, passando a dizer aos
índios que o meu intento era reunir o Maior número possível deles, para então
vendê-los à Inglaterra como escravos. Ora, nenhuma outra ameaça assusta mais
aos índios, pois são pessoas que prezam muito a própria liberdade, talvez mais
contrários à servidão do que qualquer outro povo vivo na terra.
Mas todas essas iníquas insinuações,
visto que Deus é quem controla todas as coisas, constantemente se voltavam
contra seus inventores, servindo apenas para ligar as afeições dos índios a mim
ainda mais fortemente. Eles, uma vez despertados pela mais solene preocupação
por suas almas, não podiam deixar de observar que as pessoas que assim
procuravam amargar os sentimentos deles contra mim, não tinham o menor
interesse pelo bem-estar de suas próprias almas; e não somente isso, mas também
eram indivíduos malignos e profanos. Os índios não podiam deixar de argumentar
que se tais pessoas não se preocupavam consigo mesmas, então também não
se preocupariam com as almas dos outros.
Ainda parece mais admirável que os índios
tenham sido preservados de darem ouvidos, nem mesmo por uma vez, a essas
sugestões, porquanto eu era um total estranho entre eles, não podendo lhes dar
qualquer certeza de meu afecto e interesse sinceros por eles, por
meio de qualquer fato do passado
— ao passo que as pessoas que assim insinuavam
eram velhos conhecidos, que tiveram frequentes oportunidades de lhes satisfazer
o apetite pelo álcool com bebidas fortes, e, em consequência, tinham
mais razões para manter sua amizade. Mas, com base nessa instância, segundo a
qual os índios foram impedidos de nutrir preconceitos contra mim, tive motivo
para dizer, com grande admiração: "Quando Deus opera, quem pode
impedir?"
4. Também não é menos
admirável como Deus agradou-se em prover um remédio para minha falta de
habilidade e fluência na língua dos índios, preparando de antemão, de maneira
notável, o meu intérprete e ajudando-o na execução de seu dever. Poder-se-ia
supor, de modo bastante razoável, que eu tinha que agir sob tremenda desvantagem
ao dirigir-me aos índios por meio de um intérprete, e que as verdades divinas
perderiam, sem dúvida, grande parte de sua força e ternura no processo
da tradução, por chegarem aos ouvidos das pessoas em segunda mão. Mas embora,
para minha tristeza e desencorajamento, isso realmente tivesse ocorrido no
passado, quando o meu intérprete tinha pouco ou nenhum senso das coisas
divinas, contudo, agora dá-se precisamente o contrário. Penso que meus sermões,
de uma maneira geral, desde o começo deste período de graça, não têm perdido
coisa alguma do poder ou da pungência com que eram proferidos em inglês, excepto
que talvez não houvesse termos adequados e expressivos na língua indígena; dificuldade essa que não seria
remediada, mesmo se eu tivesse o conhecimento desse idioma. Meu intérprete já
havia adquirido um bom grau de conhecimento doutrinário, podendo interpretar
de forma capaz, transmitindo sem equívocos o sentido e o intuito de meus
discursos, e isso sem precisar confinar-se a uma interpretação palavra por
palavra.
Ao que parece, ele tinha, de igual
forma, um conhecimento experimental das coisas espirituais, e pareceu bem ao
Senhor incutir em sua mente grande interesse pela conversão dos índios e
conceder-lhe um admirável zelo e fervor ao dirigir a palavra a eles. É notório
que quando eu era favorecido por qualquer ajuda divina especial, sendo
capacitado a falar com liberdade, fervor e poder incomuns, sob uma vívida e
comovente percepção das coisas divinas, usualmente ele era afectado tanto quanto eu, tornando-se capaz
de falar com uma linguagem igualmente tocante, sob a mesma influência em que eu
estava. Uma surpreendente energia frequentemente acompanhava a Palavra
nessas ocasiões, de maneira tal que as fisionomias dos ouvintes pareciam se
alterar quase num instante; assim lágrimas e soluços se tornaram comuns entre
eles.
Meu intérprete também parece
dotado de uma claríssima visão doutrinária dos métodos usuais pelos quais Deus
trata com as almas, que
estão sendo preparadas para a convicção
de pecado e para a humilhação, o que não ocorria antes. Assim, com a sua ajuda,
tenho podido falar abertamente com pessoas aflitas acerca de suas angústias, de
seus temores, desencorajamentos, tentações, etc. Ademais, ele tem se esforçado,
dia e noite, por repetir e inculcar nas mentes dos índios as verdades que lhes
tenho ensinado diariamente; e isso ele
tem feito, ao que tudo indica, não por motivo de orgulho espiritual e nem
porque pretenda parecer um mestre do povo, mas devido a seu espírito fiel e a
uma preocupação honesta com as almas.
Toda a sua conversação entre os índios,
até onde tenho podido acompanhar, tem sido temperada com sal, conforme é
apropriado a um crente e a um homem dedicado no trabalho que faz. Sem nenhum
exagero posso afirmar que ele tem sido um grande consolo para mim e um grande
instrumento na promoção dessa boa obra entre os índios, de tal modo que,
qualquer que seja o estado de sua própria alma, é
evidente que Deus o tem preparado de forma notável para esse trabalho. E assim
Deus tem mostrado que, mesmo sem ter-me conferido o dom de línguas, Ele
achou uma maneira em que sou capaz de transmitir as verdades de seu glorioso
evangelho às mentes daqueles pobres e ignorantes pagãos.
5. Também é admirável que
Deus tenha efectuado a sua obra aqui através de tais meios e de tal maneira
que não tem dado margem para preconceitos e objecções que por muitas vezes
têm sido suscitados contra trabalhos deste tipo.
Quando pessoas são despertadas para
uma solene preocupação por suas almas, ao ouvirem as mais sérias verdades da
Palavra de Deus e os terrores impostos pela lei mosaica,
usualmente algumas alegam que tudo não passa do resultado do medo que tem
assaltado os índios, por causa dos horrendos ruídos do inferno e da condenação
eterna. Afirmam que não há provas que os índios estejam debaixo do efeito de
alguma influência divina. Em nosso caso, porém, Deus não tem deixado espaço
para essa objecção, pois esta obra da graça foi iniciada e tem tido prosseguimento
por uma linha quase contínua de convite do evangelho a pecadores que perecem. Isso
pode ser deduzido à base das passagens bíblicas sobre as quais tenho insistido
em meus sermões vez por outra; passagens essas que, exactamente com esse
propósito, tenho inserido em meu diário.
Também não tenho presenciado um despertamento tão generalizado em qualquer assembleia, em
toda a minha vida, como o que houve aqui quando enfatizei a parábola da grande
ceia, em Lucas 14. Naquele sermão fui capaz de apresentar, diante de meus
ouvintes, as insondáveis riquezas do evangelho da graça. Não se entenda, porém,
que eu nunca tenha instruído aos índios acerca do estado decaído deles, com a
sua pecaminosidade e miséria; porquanto desde o
começo tenho insistido sobre
isso, esforçando-me por reiterar
e inculcar essas ideias em quase cada sermão, sabedor que, sem esse alicerce
estaria edificando sobre a areia, e convidando em vão para que viessem a
Cristo, a menos que eu os pudesse convencer de que necessitam de Cristo. Ver
Marcos 2.17.
Todavia, esse grande despertamento e esse surpreendente interesse não foram iniciados
por bombásticos discursos de terror; antes, têm-se manifestado mais fortemente
quando estou insistindo sobre a compaixão do Salvador moribundo, sobre as
abundantes provisões do evangelho da graça, ou sobre o oferecimento gratuito da
graça divina aos pecadores necessitados e sobrecarregados. Também não quero dar
a entender que estou insinuando que semelhante fervor religioso seja suspeito
de não ser genuíno, oriundo da influência divina, caso seja produzido pela
pregação assustadora, pois talvez essa seja a maneira mais usual de Deus
despertar os pecadores, parecendo ser algo harmónico com as Escrituras e com a
boa razão. Mas o que desejo aqui frisar é que Deus achou por bem empregar e
abençoar meios mais moderados para despertar de modo
eficaz estes índios, ficando assim eliminada a objecção
acima referida.
Assim como não há margem para
qualquer objecção plausível contra esta obra, no que tange aos meios, tampouco
há no que concerne à maneira como o trabalho vem sendo efectuado. É verdade
que a preocupação das pessoas por suas almas tem sido muito profunda; que a
convicção de pecado e de miséria tem sido acentuada, produzindo muitas
lágrimas, pranto e gemidos. Entretanto, nada disso se tem feito acompanhar por
aquelas desordens físicas e mentais que, algumas vezes, têm prevalecido entre
pessoas tomadas por fortes impressões religiosas. Não tem havido manifestações
como convulsões, agonias corporais, gritos espavoridos, desmaios e coisas
semelhantes, que tantas queixas têm causado em alguns lugares. Contudo, há
alguns que, à semelhança do carcereiro de Filipos,
têm estremecido sob o senso de seu pecado e miséria, e têm sido levados a
clamar diante da visão desoladora de seu estado de perdição.
Por igual modo, não tem havido casos
de desordem mental aqui, como visões, transes, imaginações de estar alguém sob
inspiração profética e coisas dessa natureza. Também quase não tem havido
manifestações inconvenientes de pessoas que queiram mostrar-se extremamente comovidas,
seja por uma preocupação ou por alegria. Mas devo confessar que já pude
observar uma ou duas pessoas cuja preocupação parecia um tanto exagerada, e
também uma outra cuja alegria parecia ser do mesmo tipo. Porém, tenho procurado
esmagar todas essas manifestações de orgulho espiritual, assim que as mesmas
têm aparecido; e desde então não tenho observado qualquer expressão de alegria
ou de tristeza, que não pareça genuína e sem fingimento algum.
6. Em
último lugar, os
efeitos desta obra têm sido igualmente extraordinários. Não duvido que muitas
dessas pessoas tenham adquirido Maior
conhecimento doutrinário
sobre as verdades divinas, desde que as visitei pela
primeira vez, em Junho passado, do que poderia ter-lhes sido instilado pelo uso
mais diligente e apropriado de meios de instruções por anos inteiros, sem a
influência divina. Suas noções pagãs e suas práticas idólatras parecem ter sido
totalmente abandonadas neste território. Suas vidas são bem controladas e eles
parecem bem-dispostos quanto às obrigações do matrimónio, conforme um exemplo
citado em meu diário, no dia catorze de Agosto. De forma geral, parecem ter
abandonado a embriaguês — seu vício mais constante, o
pecado que "tão facilmente os cerca". De fato, só conheço dois ou
três dentre os que têm sido meus ouvintes constantes, que tenham bebido
em excesso desde minha primeira visita a eles, ainda que, antes disso, um ou
outro se embriagasse quase todos os dias. Agora, alguns deles parecem temer
esse pecado, particularmente, mais do que a própria morte.
Um princípio de honestidade e
justiça tem-se manifestado em muitos dos índios; e parecem resolvidos a saldar
suas dívidas antigas, que vinham negligenciando, e que talvez nem pensassem
nelas há anos. Sua maneira de viver tornou-se muito mais decente e confortável do
que antes, pois agora dispõem do benefício do dinheiro, que antes gastavam no
consumo de bebidas alcoólicas. Parece que o amor veio reinar entre eles,
especialmente no caso daqueles que dão provas de terem passado pela experiência
transformadora da salvação. Nunca percebi qualquer manifestação de amargura ou
espírito de censura entre eles, e nem de qualquer disposição de
"julgarem-se melhores que outros" que ainda não receberam
misericórdia similar.
Assim como sua tristeza pela
convicção
de pecados tem sido grande e opressiva, assim também muitos deles desde então
têm se regozijado com uma "alegria indizível e cheia de glória",
contudo, nunca vi qualquer coisa exagerada ou inconstante em sua alegria. A
consolação por eles recebida não os tem inclinado a leviandades; pelo
contrário, eles se têm mostrado sérios, por muitas vezes sensíveis até às
lágrimas, de corações quebrantados, conforme se pode ver em vários trechos de
meu diário. Quanto a isso, alguns deles têm ficado surpresos consigo mesmos, e
com certa preocupação têm dito a mim que, "quando seus corações se têm
alegrado" — uma frase que comummente usam para exprimir a sua satisfação
espiritual — ''não têm podido evitar de chorar por todos''.
E agora, de uma forma geral, penso
poder dizer com toda razão, que vemos aqui todos os sintomas e evidências de uma notável
obra da graça entre estes índios, sintomas esses que podem ser razoavelmente
desejados ou esperados. Que o grande Autor mantenha e promova essa obra aqui,
propalando-a por toda parte, até que
"toda a terra se encha de sua glória!" Amém.
Até agora viajei a cavalo por cerca de
cinco mil quilómetros,
tendo mantido sobre essas viagens
um registo exacto, desde o início de Março passado; quase toda essa distância tem sido
percorrida em minha própria actividade como missionário, com o propósito
de propagar o conhecimento cristão entre os índios. Muito tenho
procurado por um colega ou companheiro para viajar comigo; e também tenho me
esforçado em conseguir algo para seu sustento, entre pessoas religiosas da Nova
Inglaterra, o que me custou uma viagem de várias centenas de quilómetros; mas,
até agora, não achei pessoa alguma qualificada e disposta para essa boa obra,
embora tenha recebido algum encorajamento da parte de ministros e de outros,
quanto à esperança de se conseguir o sustento para alguém, quando esse for
encontrado.
Ultimamente, por igual modo,
apresentei aos cavalheiros interessados por essa missão, a necessidade
urgente de iniciarmos uma escola de inglês entre os índios, os quais
estão dispostos a se reunirem em conjunto, com esse propósito. Para essa
finalidade, tenho proposto humildemente a eles a colecta de dinheiro para o
pagamento de um professor e outras despesas necessárias na promoção dessa boa
obra; isso eles estão agora
tentando obter nas várias congregações evangélicas a que pertencem.
Os vários grupos de índios aos quais
preguei no verão passado, vivem a grandes
distâncias uns dos outros. São mais de cento e dez quilómetros de Crossweeksung, em Nova Jersey, até Forks
of Delaware, na
Pensilvânia; e dali para diversos dos povoados indígenas que visitei no Rio Susquehanna são quase duzentos quilómetros. Muito de
meu tempo é gasto em viagens, de tal maneira que quase não posso me dedicar a qualquer
de meus estudos necessários, incluindo o estudo dos idiomas indígenas em
particular; além disso, sou compelido a pregar repetidas vezes aos índios, em
cada um desses lugares, quando estou com eles, a fim de remir o tempo para
poder visitar os demais. Há ocasiões em que estou quase desencorajado de obter
qualquer familiaridade com as línguas indígenas, sendo elas tão numerosas,
sobre o que relatei algo em meu diário, em Maio passado; e especialmente ao ver
meus outros labores e fadigas ocuparem quase todo o meu tempo, exigindo muito
de minha constituição física, de forma que minha saúde se encontra um
tanto prejudicada.
Entretanto, tenho feito um esforço considerável para aprender a língua
dos índios Delawares, resolvido a continuar a
estudá-la enquanto minhas outras actividades e minha saúde o permitirem. Já
tenho alcançado alguma habilidade nesse idioma, embora tenha enfrentado muitas
situações bastante desfavoráveis neste meu intento. É justo observar que todos
os meus esforços por familiarizar-me com a língua dos índios com os quais
passei meu primeiro ano, pouco ou nada me serviram aqui entre os Delawares. E assim, quando cheguei entre esses índios,
praticamente tive de começar do início o meu trabalho entre eles.
Capítulo 8
A continuidade de uma notável
obra da graça
24 de
Novembro de 1745 - 19 de Junho de 1746
Crossweeksung, Nova Jersey, 1745
Dia do Senhor, 24 de Novembro.
Tanto de manhã quanto à tarde preguei com base na história
de Zaqueu (Lucas 19.1-9). No segundo sermão, quando
insisti sobre a salvação dada a um pecador quando este se torna filho de
Abraão, ou crente verdadeiro, a Palavra pareceu vir carregada
pelo poder divino aos corações dos ouvintes. Um bom número de índios ficou
muito impressionado diante da verdade divina; convicções anteriores foram
renovadas; uma ou duas pessoas foram despeitadas pela primeira vez; todos
empenharam-se por participar de todo o coração do culto. Deram sinais que
pareciam ser um efeito genuíno da Palavra de Deus sobre seus corações, mediante
o poder e a influência do divino Espírito.
28 de
Novembro.
Discursei publicamente diante dos
índios, após ter-me
esforçado por instruir pessoalmente a alguns deles, exortando-os a cumprirem os
seus deveres cristãos. Abri as Escrituras e fiz observações sobre a sagrada
história da transfiguração de nosso Senhor, em Lucas 9.28-36. Tive por
propósito insistir sobre essa passagem bíblica a fim de edificar e consolar o
povo de Deus. Observei alguns, que creio serem crentes autênticos, que muito se
comoveram diante da glória do Cristo transfigurado, enchendo-se do desejo anelante de já estar em companhia do Senhor, a fim de
poderem contemplar, de rosto descoberto, a sua glória.
Terminada a adoração pública,
perguntei a uma das índias, que chorava e soluçava com grande sentimento, o que
ela queria agora. "Ir para perto de Cristo", ela respondeu. Ela não
conseguia pensar em permanecer neste mundo. Foram momentos de bendito
refrigério para os índios piedosos em geral. O Senhor Jesus Cristo pareceu
estar manifestando-lhes a sua glória divina, como quando se transfigurou diante
de seus discípulos. E, assim, os índios estavam preparados, tal como os
discípulos de Cristo, a dizerem todos: "Senhor, bom é estarmos aqui"
(Mateus 17.4).
30 de
Novembro.
Aproximando-se a noite, depois de
ter passado muitas horas em conversa particular com alguns dos meus
índios, preguei sobre
o que interessava às suas almas. Expliquei-lhes o significado do relato sobre o
rico e Lázaro, em Lucas 16.19-26. A Palavra exerceu um poderoso efeito sobre
muitos dentre a assembleia, especialmente quando falei sobre a felicidade de
Lázaro no seio de Abraão. Pude perceber que isso os afectou muito mais do que
quando falei sobre as misérias e tormentos do rico; e assim tem acontecido
costumeiramente.
Parece que os
índios se comovem
muito mais com as verdades consoladoras do que com as verdades ameaçadoras da
Palavra de Deus. O que mais afligira muitos deles, sob convicção, é que eles
chegavam a querer a felicidade dos justos, sem poder adquiri-la; pelo menos,
parece que se deixavam impressionar mais com o céu do que com os terrores do
inferno. Porém, quaisquer que fossem os meios do despertamento,
fica claro que muitos deles se sensibilizam profundamente diante de seu pecado
e miséria, da iniquidade e pertinácia de seus corações, de sua total
incapacidade de salvarem a si mesmos ou de virem a Cristo para receber ajuda —
sem o auxílio divino. Assim são levados a ver que se Cristo não fizesse tudo
por eles, estariam perdidos, razão pela qual prostram-se aos pés da
misericórdia soberana.
Dia do Senhor,
1o de Dezembro. Preguei à minha gente, antes do meio-dia, baseado em Lucas 16.27-31.
Muitos índios demonstraram sua afeição pela Palavra, sem qualquer fingimento, e
outros pareceram profundamente impressionados diante da verdade divina. À
tarde, quando preguei para um certo número de pessoas brancas, os índios fizeram-se
presentes, mostrando-se diligentes, e muitos deles puderam entender grande
parte do sermão. A noite preguei novamente aos índios, oferecendo-lhes avisos e
orientações particulares acerca de sua conduta quanto a diversas questões,
exortando-os a serem vigilantes em seu comportamento, visto estarem cercados
por pessoas que queriam vê-los tropeçar, prontos a atraí-los para tentações de
toda sorte, para então atacarem o cristianismo, com base na má conduta dos índios.
15 de Dezembro. Preguei aos índios usando Lucas 13.24-28. A verdade divina caiu com poder sobre a
audiência, parecendo atingir os corações de muitos. Ao avizinhar-se a noite,
preguei novamente aos índios, baseado em Mateus 25.31-46. Nesta ocasião também
a Palavra pareceu acompanhada pela influência divina, impressionando a todos os
presentes, mas especialmente a alguns deles. Foi uma notável manifestação da
graça. A Palavra do Senhor, no dia de hoje, mostrou-se
"viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de
dois gumes" (Hebreus 4.12), tendo trespassado o coração de muitos. A
assembleia foi grandemente tocada pela Palavra; contudo, sem o aparente envolvimento
emocional que se via no início desta obra da graça. As impressões deixadas pela
Palavra de Deus sobre a audiência pareceram ser sólidas, racionais e profundas,
dignas das solenes verdades bíblicas que as produziram, mas longe de resultar
de um pavor repentino, ou de qualquer perturbação mental sem fundamento.
16 de
Dezembro.
Preguei ao meu povo
à noitinha, no trecho
de Lucas 11.1-13. Depois de haver insistido por algum tempo sobre o versículo
9, onde há uma ordem e encorajamento para pedirmos o favor divino, exortei-os a
pedirem, com importunação, um coração renovado, a
exemplo do homem mencionado na parábola, sobre a qual eu estava falando, o qual
pediu pães à meia-noite. Houve grande emoção e interesse na assembleia,
destacando-se uma mulher que pareceu estar em grande aflição por sua alma. Ela
chegou a uma tal agonia, na busca por Cristo, que seu suor ficou a escorrer-lhe
pelo rosto por bastante tempo, embora a noite estivesse muito fria; e seus
clamores amargurados serviram de indicativo de quão fortes eram os sentimentos
de seu coração.
21 de Dezembro. Meu povo já adquiriu um grau considerável de conhecimento sobre os
princípios cristãos. Pensei que era tempo de iniciar conferências catequéticas entre eles. Nesta noite tentei algo nessa direcção,
propondo-lhes perguntas com o Breve Catecismo da Assembleia de Westminster,
ouvindo suas respostas, e então explicando perseverantemente, conforme me
parecia necessário e próprio, acerca de cada pergunta. Depois, procurei fazer
aprimoramentos práticos de tudo quanto ensinara. Esse foi o método que comecei
a usar. Os índios mostraram-se capazes de responder, pronta e racionalmente, a
muitas perguntas importantes que lhes fiz; assim, nessa experiência, descobri
que o conhecimento doutrinário deles excedia às minhas expectativas.
No aprimoramento de meu ensino,
quando cheguei a ensinar a bem-aventurança daqueles que possuem um tão grande e
glorioso Deus, segundo antes disséramos ser Ele "seu Amigo eterno e sua
porção", vários deles se emocionaram, sobretudo quando os exortei,
procurando persuadi-los a se reconciliarem com Deus, através de seu Filho
amado, para que assim obtivessem seu favor eterno. Assim, pareceram não apenas
iluminados e instruídos, mas levados a se preocuparem com suas próprias almas.
Dia do Senhor, 22 de Dezembro.
Discursei sobre a história do jovem rico, em Mateus 9.16-22. Deus
fê-la uma palavra oportuna, estou persuadido, para algumas almas,
particularmente para uma delas; a mesma pessoa mencionada em meu diário, dia 16
deste, a qual nunca antes tinha podido descansar nos braços do Senhor, embora
eu tivesse
razões abundantes para pensar que ela
passara por uma transformação salvadora dias antes. Agora essa índia parecia
estar em harmonia com Deus, equilibrada e deleitada com a vontade divina.
Quando conversei particularmente com ela, ao perguntar-lhe como obtivera alívio
e livramento da agonia espiritual que antes vinha
sofrendo, ela respondeu em uma linguagem quebrada: "Mim tenta, mim tenta salvar mim mesmo; mas toda minha força
foi'" (dando a entender que reconhecera não poder salvar a si mesma),
"e não pude continuar lutando. Então entendi que Jesus Cristo podia me
enviar para o inferno, se Ele quisesse". Então perguntei: "Mas
você não queria ir para o inferno, queria?" Ela respondeu: "Eu
não podia evitar. Meu coração, ele muito ruim. Eu não podia fazer ele ser
bom" (dando a entender que viu que merecia ir para o inferno, porque
seu coração era mau, continuando mau mesmo depois de fazer tudo quanto
estivesse ao seu alcance). Também perguntei como tinha conseguido resolver seu
caso. Com a mesma linguagem quebrada, ela continuou: "Pouco a pouco,
meu coração ficou desesperadamente alegre". Então indaguei por que seu
coração se alegrara. Ela replicou: "Alegre o meu coração, porque Jesus
Cristo faz comigo o que Ele quer. Não importa para onde Ele me leva; amo Ele
por tudo". Ela não podia convencer-se senão que estava disposta a ir
para o inferno, se tivesse agradado a Cristo enviá-la para lá, embora a verdade
evidente fosse que sua vontade estava tão submissa diante da vontade divina que
ela não conseguia imaginar o inferno como um lugar espantoso ou indesejável,
se é que a vontade divina fosse mandá-la para tal lugar.
Aproximando-se a noite, falei de
novo com os índios de acordo com o método catequético
que eu experimentara na noite anterior. Quando comecei a explicar melhor a verdade
que acabara de expor diante deles, respondendo à pergunta: "Como posso
saber se Deus me escolheu para a vida eterna?", e exortando-os a
entregarem a Cristo os seus corações, "assegurando assim a eleição"
de si mesmos, então pareceram
muito comovidos; as pessoas preocupadas procuraram buscar um envolvimento com
Cristo, ao passo que alguns outros índios, que antes haviam recebido a
salvação, sentiram-se reanimados ao descobrirem o amor a Deus presentes em
suas vidas, o que servia de evidência que o Senhor os tinha escolhido.
25 de Dezembro. Estando os índios acostumados a beber e festejar no dia de Natal, em
companhia de certas pessoas brancas do território, pensei ser apropriado
reuni-los hoje a fim de lhes falar sobre as realidades divinas. Assim fiz,
alicerçado sobre a parábola da figueira estéril, em Lucas 13.6-9. Estou
persuadido que o poder divino abençoou a pregação da Palavra nessa
oportunidade. O poder de Deus manifestou-se entre os presentes, não produzindo
gritos de agonia, mas despertando pessoas que antes raramente se importaram com
suas vidas. O poder que acompanhou
a verdade
divina pareceu exercer sobre elas uma influência mais parecida com um terramoto, do que
com um vento forte. Seus sentimentos não ficaram altamente alarmados como já se
tornara comum aqui em dias passados, mas eles pareceram estar convencidos
poderosamente pela influência dominadora e conquistadora da verdade divina.
Mais tarde, falei-lhes sobre os
deveres conjugais mútuos, com base em Efésios 5.22-33, e tenho razão em pensar que
foi uma palavra oportuna. Passei mais algum tempo, de tarde até à noitinha,
procurando fixar nas suas mentes as verdades sobre as quais tinha insistido em
meu sermão anterior, acerca da figueira estéril; pude observar a poderosa
influência da Palavra de Deus quanto a tudo que foi dito.
26 de Dezembro. Fui visitado esta noite por uma pessoa sob grande aflição espiritual, o
caso mais notável que já tenho visto. Conforme creio, ela tem mais de oitenta
anos de idade; parece estar muito alquebrada e até caduca por causa da
idade, de tal modo que parecia impossível inculcar-lhe quaisquer
esclarecimentos sobre as realidades divinas, quanto menos dar-lhe qualquer
instrução doutrinária, pois parecia incapaz de ser ensinada. Foi conduzida à
minha casa pela mão, parecendo estar extremamente angustiada. Perguntei-lhe o
que a estava incomodando. Ela respondeu que seu coração estava aflito, pois
temia que jamais encontraria Cristo. Perguntei-lhe quando começara a ficar
interessada por Cristo, além de outras perguntas relacionadas ao seu estado. O
resumo de tudo quanto me respondeu foi o seguinte: Ela tinha me ouvido
pregar por muitas vezes, mas nunca tinha entendido nada, nem seu coração
sentira alguma coisa, senão no último domingo. Então aconteceu... como se fosse
uma agulha que a tivesse espetado no coração; desde aquela hora não tivera mais
descanso, nem de dia nem de noite. Ela acrescentou que na véspera de
Natal, estando reunidos alguns índios na casa onde ela se achava, falando eles
acerca de Cristo, a conversa compungiu-a no coração, de tal maneira que ela nem
ao menos pudera manter-se de pé, mas caiu prostrada na sua cama.
Nessa ocasião ela passou por um
"desmaio", conforme expressou a questão, parecendo estar sonhando,
embora tivesse a certeza de que não era sonho. Estando fora de si, ela viu dois
caminhos; um deles parecia bem largo e tortuoso, e virava para a esquerda. O
outro parecia recto, bem estreito; e subia colina acima, virando para a
direita. Ela prosseguiu dizendo que foi caminhando por algum tempo pelo
caminho estreito, à direita, até que, por fim, algo parecia obstruir o caminho.
Algumas vezes ela pensava que era a escuridão; mas também descrevia a obstrução
como se fosse um bloco ou barra. Ela lembrou-se, então, de ter-me ouvido dizer
sobre porfiar por entrar pela porta apertada, embora nem tivesse dado atenção
quando me ouviu falar; e pensou que poderia subir por cima daquele obstáculo.
Mas quando ela estava pensando nisso,
voltou
(com o que quis dizer que voltou a
si), quando então sua alma ficou extremamente aflita, por ter entendido que
voltara as costas para Cristo, esquecendo-se dEle, e
que agora, portanto, não restava misericórdia para ela.
Visto que eu reconhecia que
transes e visões imaginárias têm uma tendência perigosa na religião, se elas
forem buscadas e houver dependência a elas, não pude deixar de ficar
preocupado com o que ela me dizia, especialmente no início. Eu entendera que
aquilo poderia ser um ardil de Satanás, a fim de macular a obra de Deus neste
lugar, introduzindo cenas visionárias, terrores imaginários e toda maneira de
desordem mental e engano, em lugar da genuína convicção de pecado e das influências
iluminadoras do bendito Espírito de Deus. Eu estava quase resolvido a declarar
que considerava o fato como um dos truques de Satanás, acautelando meu povo
contra essas e outras práticas da mesma natureza. Entretanto, preferi primeiro
sondar o conhecimento dela, para ver se ela possuía uma visão correcta das
coisas, que justificasse sua presente preocupação, ou se era apenas medo,
oriundo de terrores imaginários. Fiz-lhe numerosas perguntas sobre o estado
primitivo do homem, e especialmente sobre seu estado actual, como também acerca
do seu próprio coração. A tudo respondeu de modo racional, para minha surpresa.
Pensei ser praticamente impossível que uma mulher pagã, já senil devido à muita
idade, pudesse ter tanto conhecimento através da mera instrução humana, a não
ser que fosse notavelmente iluminada pelo Espírito de Deus.
Então lhe falei da provisão do evangelho
para a salvação dos pecadores, bem como a capacidade e a disposição de Jesus
Cristo para salvar totalmente quantos viessem a Ele, quer idosos quer jovens.
Com isso ela pareceu concordar de todo coração; mas no mesmo instante
replicou:''Ah, mas não posso; meu coração maligno não quer ir a Cristo; não
sei como ir a Ele''. Estas palavras foram ditas em angústia de espírito,
batendo no peito, com lágrimas nos olhos, com tal sinceridade estampada em sua
fisionomia que chegou a dar-me dó e emocionar-me.
Ela parece realmente convicta de
seu pecado e miséria, bem como de sua necessidade de mudança de coração. A
preocupação dela é permanente e constante, pelo que não se sabe por que essa
sua luta não resulta na sua salvação. De fato, parece haver razão para
esperança quanto a essa questão, vendo que ela é tão solícita em obter comunhão
com Cristo, ao ponto de orar dia e noite, conforme ela mesma disse.
Não pretendo determinar até que ponto
Deus pode fazer uso da imaginação ao despertar alguma pessoa para as realidades
espirituais. Deixarei a outros julgarem se essa prática deriva-se da influência
divina. Mas cumpre-me dizer que os seus efeitos assim indicam. Todavia, até
onde vejo as coisas, não podemos explicá-la de qualquer maneira racional,
mas somente como influência de algum espírito, bom ou mau. Estou
certo que aquela mulher jamais ouvira falar das coisas divinas segundo a
maneira que ela as expressava; parece estranho que ela tivesse obtido tão
racionais noções a partir de sua própria imaginação, sem alguma ajuda superior,
ou pelo menos, externa. Contudo, devo dizer que considero como uma das glórias
da obra da graça entre os índios, e como uma evidência especial que procede da
influência divina, que até agora tais fenómenos, como visões, transes e
imaginações, ainda não tinham aparecido, misturados com as convicções racionais
de pecado, e com sólidas consolações espirituais, tudo o que tem sido
experimentado pelos meus índios. Se dependesse de mim, jamais haveria fenómenos
dessa natureza, sob hipótese nenhuma.
Dia do Senhor, 29 de Dezembro.
Preguei baseado em João 3.1-5. Estavam presentes
alguns brancos, como é comum aos domingos. Meu sermão
foi revestido de poder, parecendo exercer uma influência silenciosa, mas
profunda e trespassante sobre a audiência. Muitas pessoas choravam e soluçavam
com grande sentimento, tanto os civilizados como os índios. Alguns não
conseguiam chorar senão em voz alta, mas não muitos. As impressões deixadas
sobre os seus corações manifestaram-se principalmente pela maneira como se
mostravam intensamente atentos, e pelos suspiros e lágrimas.
Terminado o culto público voltei para
minha casa, resolvido a pregar novamente após um breve período de descanso. Mas
as pessoas logo começaram a chegar, uma após outra, com olhos marejados de
lágrimas, a fim de saber "o que deveriam fazer para serem salvas".
O Espírito fixara de tal maneira, em seus corações, o que eu lhes dissera,
que minha casa em breve ressoava de clamores e gemidos. Todos acabaram reunidos
de novo em minha residência; e aqueles sobre os quais eu tinha razão de pensar
que ainda estavam sem Cristo, foram quase todos
envolvidos pela preocupação com as suas almas. Foram momentos extraordinários
de poder espiritual. Parecia que Deus abrira os céus e tinha descido à terra.
Tão espantosamente dominante foi a operação do Espírito sobre pessoas idosas e
jovens, que parecia que ninguém ficaria seguro em seu estado natural, mas que
Deus estava prestes a converter o mundo inteiro. Isto levou-me a pensar que
nunca mais deveria me desesperar sobre a conversão de qualquer homem ou mulher, sejam eles quem forem ou o que quiserem fazer.
É-me impossível apresentar uma descrição vívida e justa, nessa
oportunidade; pelo menos uma descrição que transmita uma ideia clara e adequada dos efeitos dessa
influência espiritual. Muitas pessoas podiam agora ser vistas regozijando-se
que Deus não afastara deste lugar a poderosa influência de seu bendito
Espírito. Ficaram revigoradas por ver tantos outros esforçando-se por entrar
pela porta estreita, e animadas
pela grande
preocupação
com eles, a tal ponto que queriam "empurrá-los em direcção à porta",
conforme alguns expressaram. Ao mesmo tempo, um bom número de homens e
mulheres, idosos e jovens, podiam ser vistos em lágrimas; outros estavam em
angústia de espírito, e suas fisionomias pareciam ser de malfeitores
condenados, que já estivessem sendo conduzidos ao lugar de execução, com uma
forte tensão emocional estampada em seus rostos. Conforme cheguei a pensar, eu
estava presenciando uma amostra do que sucederá no solene dia de prestação de
contas: um misto de céu e inferno, de alegria e angústia inexprimíveis.
A preocupação e a afeição religiosa eram
tais que eu não poderia nem pensar em dirigir qualquer ensino religioso formal
entre eles. Por isso passei o tempo conversando com um ou outro, conforme
sentia ser mais apropriado e oportuno para cada um. Havia instantes em que
podia dirigir-me a todos, coletivamente. Finalmente,
concluí tudo com uma oração. Tais eram as circunstâncias entre eles que
dificilmente eu poderia descansar meia hora sem atendê-los continuamente. Isso
prosseguiu desde cerca de meia hora antes do meio-dia, quando dei início ao
culto público, até depois das sete horas da noite. Hoje e na noite anterior,
parece que houve umas quatro ou cinco pessoas recém-despertadas;
algumas chegaram entre nós bem recentemente.
31 de Dezembro.
Passei algumas horas deste dia visitando pessoas de casa em casa,
conversando com elas acerca de seus interesses espirituais, esforçando-me por
incentivar almas sem Cristo a entenderem sua necessidade de um coração
renovado. Praticamente não houve casa em que algum de seus residentes não
vertesse lágrimas sentidas, demonstrando um comprometimento em obter união
espiritual com Cristo.
Agora os
índios estão vindo de
todos os cantos para este lugar, e levantaram para si pequenas cabanas, de tal
maneira que mais de vinte famílias vivem dentro de um raio de cerca de
quatrocentos metros de onde me encontro. Isso é uma situação muito conveniente
para a instrução pública e particular.
1o de Janeiro
de 1746.
Passei tempo considerável visitando de
novo os meus índios. Talvez tenha encontrado somente um que não estava tomado
por uma séria impressão acerca de seu estado espiritual.
2 de Janeiro.
Visitei algumas pessoas
recém-chegadas
entre nós, as quais, antes disto, praticamente nada tinham ouvido falar sobre o
cristianismo, e ele nada significava para elas. Esforcei-me por instruí-las,
particularmente quanto aos princípios básicos da religião cristã, e isso da
maneira mais fácil e familiar que me foi possível. Quase continuamente estão
chegando entre nós pessoas desconhecidas, vindas de várias partes. Assim, tenho
sempre uma renovada oportunidade de abrir a Bíblia diante delas e de
ensinar-lhes os princípios elementares do cristianismo.
Dia do Senhor, 5 de Janeiro.
Preguei com base em Mateus 12.10-13. Não houve tanta
vivacidade e emoção no culto público, como se tem tornado costumeiro. As mesmas
verdades que com frequência têm produzido muitas lágrimas e soluços entre os
presentes, agora não pareciam exercer qualquer influência especial.
Quase ao cair da noite, resolvi
continuar em meu usual método de catequese; mas enquanto fazíamos a primeira oração, o
poder de Deus pareceu cair sobre os presentes de forma tão patente, e tantas
pessoas manifestaram estar sob a pressão da preocupação por suas almas, que
julguei ser muito mais conveniente insistir sobre a abundante provisão feita
pela graça divina com vistas à redenção de pecadores que perecem, levando assim
os meus ouvintes à imediata aceitação da salvação em Cristo, ao invés de ficar
a fazer-lhes perguntas sobre pontos de doutrina. O que era mais prático mostrou
também ser mais oportuno, enquanto muitas pessoas manifestavam grande empenho
por obter participação espiritual com o nosso grande Redentor.
Hoje, a mulher mencionada em meu
diário,
com data de 22 de Dezembro, fez profissão pública de sua fé em Cristo. De uns
dias para cá ela tem estado em uma condição mental muito doce e celestial,
desde que recebeu a salvação. Certa manhã, ela veio ver-me e percebi uma
alegria e satisfação incomuns em seu semblante. Ao indagar qual a razão disso,
ela replicou que "Deus a fizera sentir que Ele tinha o direito de fazer o
que melhor Lhe parecesse; que seria justo se Ele lançasse o marido e o filho
dela no inferno; ela também via que era justo que Deus fizesse o que melhor Lhe
parecesse com eles, de tal modo que ela não podia deixar de regozijar-se em
Deus, mesmo que Ele os enviasse para o inferno, embora fosse evidente que ela
os amasse muito". Além disso, ela indagou se eu não tinha sido enviado
para pregar aos índios por pessoas boas que moravam muito distante dali.
Respondi: "Sim, pelas pessoas boas da Escócia". Ela disse que seu
coração amava aquelas pessoas boas, desde a noite anterior, que quase não
pudera deixar de orar por elas a noite toda, tendo elevado seu coração a Deus
em favor delas. Assim, a bênção da parte daqueles que já estavam prestes a
perecer, tem sido conferida àqueles crentes piedosos que têm contribuído com os
seus bens para a propagação do evangelho.
13 de
Janeiro.
Fui visitado por diversas pessoas
sob forte inquietação em favor de suas almas; e uma delas ainda recentemente fora
despertada. É uma obra das mais agradáveis tratar com almas que indagam com
grande empenho sobre o que deveriam fazer para serem salvas. Visto que nunca
devemos "cansar-nos de fazer o bem", assim também a obrigação parece
estar singularmente acentuada quando a obra é tão desejada. Não obstante,
preciso dizer que minha saúde anda muito ameaçada, e meu ânimo um tanto desgastado diante da natureza de meu
trabalho e de minha vida solitária, pois não há outra pessoa que conviva
na mesma casa que eu, a um ponto que as repetidas e quase
incessantes solicitações feitas pelos índios, pedindo-me ajuda e orientação, tornam-se
excessivamente pesadas para mim, exaurindo-me o espírito de tal forma que quase
não presto para mais nada, inteiramente incapaz de dar continuidade ao meu
trabalho, algumas vezes por vários dias seguidos. O que mais contribui para
agravar essa dificuldade é que sou forçado a gastar muito tempo
transmitindo-lhes apenas um pouco de informação de cada vez. Frequentemente,
muitas bases precisam ser estabelecidas, antes que eu possa falar directamente
sobre aquilo que é o meu assunto central. O assunto central poderia ser atacado
mais directamente, se meus ouvintes fossem competentes quanto ao conhecimento
doutrinário.
14 de
Janeiro.
Passei algum tempo em conversa
particular com minha gente, e encontrei alguns
índios dispostos a confiar na sua
salvação, conforme penso, sem bases sólidas. Eles, sendo despertados espiritualmente
de modo geral, e pensando que é algo tão horroroso quanto aterrorizante para a
consciência estarem destituídos da religião cristã, correm o perigo iminente de
adoptarem uma aparência de graça divina, ao invés de viverem sob o temor e sob
a desgraça de quem vive em um estado não-regenerado.
18 de
Janeiro.
Continuei meu método de catequese no
ensino aos índios. Manifestou-se uma grande solenidade e bastante inclinação
espiritual entre os presentes à reunião. Esse método de instrução é muito
proveitoso. Quando adoptei o método, no começo senti temores, pensando que
minhas explicações poderiam ser tão pesadamente doutrinárias que tenderiam por
iluminar a mente, mas não afectar o coração dos índios. Mas o resultado mostrou
ser precisamente o oposto disso; minhas explicações têm-se mostrado
notavelmente abençoadas em ambos os aspectos.
Dia do Senhor, 19 de Janeiro.
Preguei para minha gente alicerçado em Isaías 55.7.
Quase de noite, passei a catequizar segundo meu método habitual; aqueles foram
momentos de poderosa graça divina entre nós. Vários índios foram influenciados
pela Palavra. Convicções foram fortemente reavivadas; crentes foram reanimados
e fortalecidos.
Uma alma cansada e sobrecarregada,
conforme tenho abundante razão em pensar, foi conduzida a um descanso verdadeiro e a
um genuíno conforto em Cristo. Mais tarde, tal pessoa relatou-me como Deus
estivera tratando com sua alma, o que me pareceu muito satisfatório e revigorador.
Ele me disse que por muitas vezes
tinha me ouvido falar que as pessoas devem ver e sentir por si mesmas quão totalmente
impotentes e perdidas estão — esvaziando-se da dependência de si mesmas, de
toda esperança de auto-salvação, a fim de poderem vir a Cristo em busca da
salvação eterna. Fazia tempo que ele vinha se esforçando para ver as coisas por
esse ângulo, supondo que seria uma excelente atitude desfazer-se de toda
dependência de sua própria bondade, pensando
que
Deus então
levaria isto em consideração, ficaria satisfeito e lhe conferiria a vida
eterna. Mas quando chegou a sentir-se nessa condição impotente e condenada, viu
que era algo bem contrário a todos os seus pensamentos e expectativas
anteriores — não era a mesma atitude, nem qualquer coisa parecida com a atitude
que vinha buscando ter.
Ao invés disso, descobriu
que nada havia em si mesmo senão malignidade, percebendo que jamais lhe seria
possível melhorar em qualquer sentido. Disse que admirou-se de um dia ter
alimentado a esperança de corrigir o seu próprio coração; que nunca lhe
ocorrera que era algo impossível para ele, por mais que se esforçasse e
planejasse, visto que agora a questão toda lhe ficara tão clara. Ao invés de
imaginar agora que Deus se agradaria dele, por causa de sua nova atitude mental,
segundo a qual se via condenado, ele passara a ver e sentir com clareza que
seria justo se Deus o enviasse para a miséria eterna, e que não havia qualquer
bondade em seus recentes sentimentos, pois era-lhe impossível deixar de ver
que era uma criatura pecaminosa e miserável, e que nisso não havia nada que
merecesse o amor ou a piedade de Deus.
Ele percebeu todas essas coisas de
modo tão
claro e convincente que, segundo disse, agora poderia convencer a todos acerca
da total incapacidade de uma pessoa ajudar a si mesma e de não ser digna de
merecer qualquer ajuda da parte de Deus. Nessa atitude é que ele viera hoje ao
culto. Quando comecei a convidar pecadores para que viessem a Cristo vazios e
despidos de todo mérito, sem qualquer bondade própria que os recomendasse ao
Senhor e levasse Deus a aceitá-los, então ele pensou que por muitas vezes tinha
tentado entregar seu coração a Cristo, e que haveria de fazer isso mais cedo ou
mais tarde. Foi então que notou que isso lhe era impossível, parecendo-lhe totalmente
inútil continuar tentando. E, segundo disse ainda, em seu coração não restavam
forças para qualquer nova tentativa, pois via que isso seria em vão. Também não
esperava haver melhor oportunidade ou mais capacidade daí por diante, mais do
que houve antes, pois via e estava plenamente convicto que sempre haveria de
falhar enquanto contasse somente com suas próprias forças.
Enquanto raciocinava assim,
conforme disse, "viu com seu próprio coração" (uma expressão que os
índios usam comummente), algo que era incomparavelmente bom e amorável, que ele
nunca antes tinha percebido; e isso "conquistou o seu coração, quer ele
quisesse, quer não". Todavia, conforme explicou, não sabia dizer do que se
tratava. Ele não chegou a dizer que era Jesus Cristo, mas era algo dotado de
muita glória e beleza, algo que nunca antes tinha percebido. Agora ele não
dependia mais de seu próprio coração, conforme antes tentara fazer; mas, tudo
funcionou por si mesmo, após aquela glória que havia descoberto. Antes ele
costumava tentar uma barganha com Cristo — entregar-Lhe
o seu
coração para que pudesse receber a vida eterna. Mas agora ele não
pensava coisa alguma sobre si mesmo, ou no que poderia acontecer daqui para
frente. Estava satisfeito, a sua mente totalmente envolvida com a ideia da
indizível excelência do que ele passara a perceber.
Após algum tempo, viu quão
admiravelmente satisfatório é o caminho da salvação através de Cristo,
parecendo-lhe algo indizivelmente desejável o ser salvo exclusivamente pela
graça de Deus, em Cristo. A consequência disso foi que ele parece ter retido
certo senso de satisfação com as realidades divinas, ao mesmo tempo que isso
lhe permite manter uma vida séria, de religiosidade autêntica.
28 de
Janeiro.
Os
índios deste território, no passado,
incorreram em pesadas dívidas, devido ao seu excessivo consumo de bebidas alcoólicas;
outros passaram a explorá-los, apertando-os e acusando-os, e lançando alguns
deles em cárcere privado; assim chegou-se a pensar que suas terras de caça
estavam em perigo, podendo ser arrancadas deles. Sentindo que eles não poderiam
manter-se juntos nesta região, a fim de se tornarem uma congregação evangélica
caso suas terras lhes fossem tomadas — o que era uma perspectiva razoável —
pensei que era meu dever esforçar-me ao máximo a fim de impedir tal evento.
Tendo contado o problema aos representantes desta missão, de acordo com as mais
fiéis informações que me foram dadas, eles pensaram que seria1 justo
se gastassem parte do dinheiro que vinham juntando para benefício religioso dos
índios, para saldar as dívidas dos índios e comprar estas terras, a fim de que
os índios não tivessem qualquer dificuldade em estabelecer e ampliar sua
congregação de índios crentes, neste território. Assim, tendo recebido ordens
deles, lancei a crédito dos índios a quantia de oitenta e duas libras e
cinco xelins, em moeda corrente de Nova Jersey, que vale oito xelins por
onça de peso; assim impedi esse perigo ou dificuldade.
Visto que Deus tem realizado uma
obra maravilhosa da graça entre os índios, e agora está inclinando outros procedentes de
lugares remotos a virem viver em comunidade, quase continuamente; e visto que
Ele abriu uma porta para impedir a dificuldade que acabamos de mencionar — a
qual parecia ameaçar enormemente seus interesses religiosos, bem como seu
bem-estar material — estou esperançoso que Deus estabeleça uma igreja para Si
mesmo entre esses índios, para que a posteridade deles herde a verdadeira
religião.
31 de
Janeiro.
Chegou hoje entre nós o homem que
escolhi para ser o professor dos índios, o qual foi calorosamente acolhido por
toda a minha gente. Diante disso distribui várias dúzias de cartilhas entre as
crianças e os jovens índios.
1o de Fevereiro. O professor
deu início
às suas actividades entre os índios. Ele conta com cerca de trinta crianças e
jovens em sua escola
que funciona durante o dia, e
cerca de cinco pessoas casadas, na sua escola nocturna. O número de pessoas
casadas seria Maior se eles pudessem permanecer mais constantemente em suas
casas, e se pudessem separar algum tempo de suas actividades de subsistência
para frequentarem as aulas.
A noitinha,
passei a catequizar, segundo o meu costume. Já no fim da mensagem, um surpreendente
poder pareceu reforçar a Palavra, especialmente no caso de certas pessoas. Um
homem idoso, que fora um alcoólatra notório, feiticeiro e assassino, e que
havia sido espiritualmente despertado alguns meses antes, agora chegava ao fim
de seus recursos, sob forte aflição de alma. Durante várias horas ele ficou trémulo,
ao compreender que estava à beira do inferno, sem qualquer capacidade de
resgatar ou aliviar a si mesmo. Diversos outros índios, à semelhança deste,
também manifestaram grande preocupação com suas almas, todos ansiosos por
passar pela transformação espiritual salvadora.
8 de Fevereiro. Passei boa parte do dia visitando minha gente de casa em casa,
conversando acerca dos interesses de suas almas. Muitos choraram enquanto eu
dialogava, parecendo que por nada se interessavam tanto como por obter união espiritual com o
Redentor. À noitinha, passei a catequizar, como já se tornou comum. A verdade
divina causou alguma impressão favorável entre os ouvintes, tendo provocado um
afectuoso interesse, no caso de alguns deles.
Dia do Senhor, 9 de Fevereiro.
Ensinei os
índios com base na história do cego, em
Marcos 10.46-52. A Palavra de Deus pareceu soar solene e poderosa para os
ouvintes, tendo impressionado consideravelmente a muitos deles,
particularmente a alguns que até então pareciam ignorantes e descuidados quanto
ao uso dos meios da graça. Mas agora foram despertados e prantearam
desconsoladamente.
Ao avizinhar-se a noite, iniciei o
doutrinamento usual, sendo este um período abençoado pelo
poder de Deus. Várias pessoas foram espiritualmente tocadas. Casos anteriores
de convicção foram poderosamente renovados. Houve um homem que foi notavelmente
despertado, tendo sido até então viciado em bebidas alcoólicas. Ele parecia
estar em grande aflição, pois chorava e tremia, tendo continuado assim até
perto da meia-noite. Também houve uma pobre alma sobrecarregada, que desde
muito tempo estivera sob intensa e constante angústia como eu nunca vira, mas
que agora descansou de maneira extraordinária, humilhando-se e reconciliando-se
com a soberania divina. Essa índia disse-me que agora sentia e percebia que era
justo que Deus fizesse com ela como Lhe parecesse melhor, que seu coração
sentia-se disposto e satisfeito ao pensar assim, ainda que, ultimamente, ela se
queixasse com Deus, porque Ele poderia enviá-la para o inferno, se assim Ele
quisesse, apesar de tudo quanto ela pudesse fazer. Acrescentou que a pesada
carga que tanto
havia esmagado sua alma, agora
tinha sido removida. Ela procurara recuperar sua preocupação e aflição, por
temer que o Espírito de Deus a estivesse
abandonando, deixando-a totalmente indiferente, no entanto, sem obter qualquer
resultado. Nada podendo fazer para salvar-se, sentia que teria de perecer para
sempre, se Cristo não fizesse por ela tudo quanto fosse necessário, ainda que
ela não merecesse qualquer ajuda divina e seria apenas justo se Ele a deixasse
perecer eternamente. Mas acabou percebendo que Cristo podia salvá-la, embora
ela nada pudesse fazer para redimir-se. Então ela pôde descansar.
Forks of Delaware, Fevereiro
de 1746
Dia do Senhor, 16 de Fevereiro.
Sabendo que um certo número de índios deste território são
obstinadamente contrários ao cristianismo, e que no passado alguns tinham se
recusado a me ouvir pregar, pensei que seria apropriado e benéfico para o
interesse cristão daqui, contar com alguns de meus índios salvos, para que
pudessem conversar com eles sobre assuntos religiosos. Isso fiz
na esperança que os índios daqui fossem convencidos da veracidade e importância
do cristianismo, ao verem e ouvirem alguns de sua própria nação falando sobre
as realidades divinas, manifestando grande desejo que outros fossem tirados das
trevas do paganismo, como eles mesmos o tinham sido. Com esse propósito, seleccionei
meia dúzia dos mais sérios e inteligentes dentre aqueles índios. E, tendo-os
trazido para Forks of Delaware, reuni-me hoje com eles e com os índios deste
lugar. Um bom número destes últimos não poderia ter sido convencido a assistir
à reunião não fora esses seis índios crentes que me acompanharam até aqui, para
darem seu testemunho. Alguns destes, que antes tinham se mostrado tão avessos
ao cristianismo, agora comportavam-se com sobriedade, embora houvesse outros
que riam e zombavam. Entretanto, a Palavra de Deus caiu com tal poder e vigor
sobre os ouvintes que vários deles pareciam aturdidos, tendo então expressado
o desejo de me ouvirem novamente sobre esses assuntos.
Depois disto, orei com eles e
dirigi um sermão aos brancos presentes; não pude deixar de observar alguns
efeitos visíveis da Palavra entre eles, como lágrimas e soluços. Terminado o
culto, gastei algum tempo esforçando-me a persuadir os escarnecedores sobre a
veracidade e a
importância daquilo sobre o que eu vinha ensinando com insistência; sendo
assim, empenhei-me em despertar a atenção deles para a verdade divina. Tenho
razão para pensar, com base naquilo que observei na ocasião e mais tarde, que
meus esforços obtiveram um considerável efeito sobre um dos piores dentre os
índios.
Aqueles poucos
índios que costumavam
ser meus ouvintes nesta região, alguns dos quais tinham se mudado para Crossweeksung, pareceram bem dispostos para comigo, alegres por me verem de novo.
Todavia, tendo sido muito atacados por alguns dos pagãos opositores,
estavam quase envergonhados ou temerosos de manifestar sua amizade por mim.
17 de
Fevereiro.
Depois de haver passado muito
tempo ensinando-os em suas respectivas casas, eu os reuni e reiterei e inculquei o que
lhes ensinara antes. Posteriormente, preguei alicerçado sobre o trecho
de Actos 8.5-8. Uma forte influência divina pareceu acompanhar a Palavra de
Deus. Diversos dos índios demonstravam ter sido despertados, manifestando
lágrimas e soluços não fingidos. Minha gente de Crossweeksung
tinha continuado com eles, dia e noite, repetindo e inculcando as verdades que
eu lhes tinha ensinado; e, algumas vezes, oravam e entoavam salmos entre eles.
Também conversavam diante deles sobre as grandes coisas que Deus tinha feito em
favor de si mesmos e dos
índios, de cujo meio eles tinham vindo. Conforme minha gente me disse, aquelas
conversas parecem ter produzido um Maior efeito sobre eles do que quando se
dirigiam directamente a eles.
18 de Fevereiro. Preguei a uma assembleia de colonos irlandeses, distante cerca de
vinte e quatro quilómetros de onde estavam os índios.
19 de Fevereiro.
Preguei novamente para os
índios,
depois de haver passado muito tempo conversando com eles em particular. Pareceu
sobrevir uma grande seriedade, bem como alguma preocupação e comoção entre os
índios deste território, sem falar em uma doce emoção entre aqueles índios que
tinham vindo em minha companhia. Um bom número de índios daqui parece ter-se desvencilhado de seus preconceitos e de sua aversão ao
cristianismo, mostrando-se agora bem dispostos e inclinados a dar ouvidos à
Palavra de Deus.
20 de Fevereiro.
Preguei a um pequeno grupo de holandeses da Igreja Alta, que quase nunca tinham
ouvido a pregação do evangelho, sendo que alguns deles, pelo menos, o ignoravam
totalmente. Mas vários deles, ultimamente têm inquirido com empenho pelo
caminho da salvação. Esses prestaram muita atenção ao sermão, e foram bastante
tocados pela Palavra. Mais tarde, conforme fui informado, disseram que nunca
antes, em toda a sua vida, tinham sido tão iluminados acerca do caminho da
salvação. Solicitaram-me que permanecesse com eles por alguns dias, ou então
que eu voltasse, a fim de anunciar-lhes de novo o evangelho. Entristeceu-me não
poder atender o pedido deles. Não pude evitar de ser afectado pelas
circunstâncias em que se encontravam, pois eram como "ovelhas que não têm
pastor". Alguns deles pareciam aflitos diante de seu estado pecaminoso,
carentes de uma assistência especial da parte de um guia espiritual experiente.
21 de Fevereiro.
Preguei a um bom número de pessoas,
muitas das quais da Igreja Baixa da Holanda. Vários dos já mencionados holandeses da Igreja Alta também estiveram presentes para ouvir o sermão,
embora tivessem de vir de treze a dezesseis
quilómetros de distância. Alguns índios que também residiam na mesma área
vieram, voluntariamente, acompanhando minha gente de Crossweeksung
para o culto. Dois dentre eles, em particular, que no
domingo anterior tinham feito oposição, ridicularizando o cristianismo, agora
se comportaram com sobriedade. Que estas encorajadoras manifestações continuem!
22 de Fevereiro. Preguei para os índios. Pareceram mais isentos de preconceitos e mais
cordiais ao cristianismo do que antes; alguns deles pareciam impressionados com
a verdade divina.
Dia do Senhor, 23 de Fevereiro.
Preguei aos índios usando o trecho de João 6.35-37. Terminado o culto público,
falei em particular com diversos deles e convidei-os a descerem a Crossweeksung em minha companhia, para se demorarem ali
pelo menos por algum tempo, pois sabia que ali estariam livres das zombarias e
das tentações dos pagãos que se opunham ao evangelho, além de poderem continuar
ouvindo as verdades divinas ensinadas, tanto colectiva quanto individualmente.
Alguns deles me prometeram fazer uma visita em breve, em Crossweeksung,
para continuarem a ser instruídos. Pareciam ter sido consideravelmente
iluminados, já bem despidos de seus preconceitos contra o cristianismo. Mas
temo que seus preconceitos revivam, a menos que continuem sendo instruídos
neste lugar, ou se mudem para onde possam usufruir dessa vantagem, distantes de
seus conhecidos pagãos.
Crossweeksung, Março de 1746
1o
de Março. Catequizei de acordo com o meu método usual de ensino.
Fiquei contente e fortalecido ao vê-los responder minhas perguntas com tão
grande prontidão, discrição e conhecimento. Já quase no fim de minhas
instruções a verdade divina causou considerável impressão na audiência,
produzindo lágrimas em alguns que estavam preocupados com suas almas; e, mais
especialmente, podia-se notar um doce e humilde enternecimento em outros, os
quais, tenho razão de pensar, receberam a graça divina.
Dia
do Senhor, 2 de Março.
Preguei alicerçado em João 15.16. "Não fostes vós
que me escolhestes..." Os presentes pareceram não estar dando tanta
atenção como era o costume, e nem estarem sendo tão tocados pela verdade divina
conforme se tornara comum entre nós. Alguns dentre a minha gente, que tinham
subido comigo a Forks of Delaware, tendo agora regressado, foram acompanhados por
dois dos índios pertencentes a Forks, os quais tinham
prometido visitar-me em breve. Que o Senhor esteja com eles aqui. Dificilmente,
agora, eles entram em uma casa na qual não encontrem conversação cristã, o que
me infunde a esperança de que eles possam ser instruídos e
despertados.
Novamente dirigi um sermão aos índios, à
tarde, e entre eles pude notar certa animação e dedicação no culto divino,
embora não com a mesma intensidade que por várias vezes temos visto por aqui.
Desconheço outra assembleia de crentes onde pareça haver tanto da presença de
Deus, onde o amor fraternal prevaleça tanto ou onde eu presencie tanto deleite
na adoração pública a Deus em geral, como vejo em minha própria congregação.
E isso embora não mais de nove meses atrás eles
estivessem adorando aos demónios e aos ídolos mudos, de acordo
com o poder das trevas e das superstições pagãs. Admirável mudança! Efectuada
nada menos do que pelo poder e a graça. É realmente um prodígio do Senhor e
coisa realmente magnífica aos nossos olhos.
8 de Março. Instruí os índios à
noitinha. Meu povo respondeu com desembaraço as perguntas que lhes fiz. Posso
ver que o conhecimento deles, quanto às verdades cristãs, aumenta a cada dia. E
o melhor ainda é que a influência divina, que se tem manifestado entre eles de
forma tão notória, parece continuar em boa medida. A presença do Senhor se fez
sentir durante a reunião, esta noite. Alguns, que penso já serem crentes
regenerados, ficaram compungidos com o senso da bondade divina, bem como de sua
própria esterilidade e ingratidão, parecendo odiar a si mesmos, conforme
um deles, mais tarde, expressou. Parece que as convicções do Espírito também
foram reavivadas em vários casos; e a verdade divina foi acompanhada por tal
efeito sobre a assembleia em geral que, esta noite, com toda a razão poderá ser
chamada de uma noite de poder divino.
Dia
do Senhor, 9 de Março. Preguei usando o trecho de Lucas 10.38-42. A Palavra de
Deus actuou com poder e energia sobre os ouvintes. Um bom número destes foi
positivamente afectado, os quais passaram a desejar obter o essencial, a
salvação. Diversos índios, que já haviam dado boas evidências de serem
receptores da graça de Deus, ficaram muito impressionados diante de sua falta
de espiritualidade, percebendo o quanto careciam crescer na graça. E a Maior
parte daqueles que, no passado, já tinham se deixado impressionar pelas coisas
divinas, parece ter recebido a renovação dessas impressões.
A tarde,
resolvi catequizar os índios segundo o meu método usual. Estávamos ainda proferindo a
primeira oração na língua indígena, como é o nosso costume, quando a Maior
parte da assembleia sentiu-se muito comovida e impulsionada pelas realidades
divinas, de tal modo que senti ser conveniente e apropriado deixar de lado,
desta vez, as perguntas que eu havia preparado, a fim de enfatizar melhor as
verdades mais práticas. Foi isso que fiz, elaborando um pouco mais a passagem
da Bíblia sobre a qual havia discorrido pela manhã. Então pareceu descer sobre
a congregação uma poderosa influência divina. Alguns dos índios,
que considero realmente piedosos, foram tão profundamente impressionados diante de
sua esterilidade espiritual e de seu mau tratamento para com o Redentor, que
passaram a encará-Lo como quem fora
trespassado
por eles mesmos; e puseram-se a lamentar, sim,
e alguns deles prantearam amargamente, como quem pranteia por um filho
primogénito.
Alguns pobres pecadores despertos
pareceram estar em angústia de alma, desejando obter comunhão com Cristo, pelo que houve
grande pranto na assembleia, com muitos gemidos profundos, soluços e
lágrimas! E um ou dois deles, recém-chegados entre nós, foram consideravelmente
despertados.
Chego a pensar que teria
refrigerado o coração de qualquer um, que realmente ama a causa de Sião, ter
presenciado essa operação divina e visto os efeitos dela sobre santos e
pecadores. O lugar de cultos parecia, ao mesmo tempo, agradável e solene, e
estava tão agraciado pela demonstração da presença e da graça de Deus que
aqueles que sentiam alguma satisfação com as coisas divinas não podiam deixar
de dizer: ''Quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos!'
(Salmo 84.1). Terminado o culto, várias pessoas vieram até a minha casa, onde
entoamos hinos e falamos sobre as realidades espirituais; e a presença do
Senhor também manifestou-se aqui entre nós.
Enquanto cantávamos, apareceu a
mulher mencionada em meu diário em 9 de Fevereiro. Aventuro-me a dizer, se é
que posso dizer tanto de qualquer pessoa que eu já tenha visto, que ela estava
tomada por uma "alegria indizível e cheia de glória", de tal maneira
que não conseguiu conter-se, mas prorrompeu em oração e louvores a Deus diante
de nós todos, em meio a muitas lágrimas. Falava, algumas vezes em inglês e
algumas vezes na língua dos índios: líOh,
Senhor bendito! vem, vem! Oh, leva-me daqui; deixa-me
morrer e ir para perto de Jesus Cristo! Tenho medo de continuar viva e pecar de
novo. Oh, deixa-me morrer agora! Oh, querido Jesus,
vem! Não posso ficar, não posso permanecer aqui! Como posso continuar vivendo
neste mundo? Tira a minha alma deste lugar pecaminoso! Oh, nunca mais deixes que eu peque contra Ti! Oh, que farei, que farei,
querido Jesus, querido Jesus?" A mulher continuou nesse êxtase por
algum tempo, proferindo essas e outras expressões similares sem cessar. O
grande argumento que ela usava com Deus, para tirá-la do mundo prontamente,
era: "Se eu continuar vivendo, posso pecar novamente". Quando ela quase
voltara ao seu estado de espírito normal, perguntei-lhe se agora Cristo parecia
doce e meigo para a sua alma. Diante da pergunta, voltando-se para mim com os
olhos marejados de lágrimas, e com todos os sinais da mais sincera humildade
que eu já vira em alguém, ela respondeu: "Por muitas vezes eu ouvi você
falar sobre a bondade e a doçura de Cristo, que Ele é melhor que o mundo todo.
Mas eu realmente não tinha entendido o que você queria
dizer. Eu não acreditava em você, não acreditava em você! Mas agora sei que é
verdade!" Ela continuou falando coisas assim. Então indaguei: "E
agora você vê em Cristo o bastante para os piores pecadores?" Ela
respondeu: "Oh, suficiente, suficiente para todos os pecadores do mundo,
se eles quiserem vir a Cristo". Quando perguntei se ela poderia falar a
outros sobre a bondade de Cristo, então, voltando-se para algumas pessoas sem
Cristo que estavam paradas perto de nós, parecendo muito interessadas, ela
disse: "Oh, há bastante em Cristo para vocês, se
vocês vierem a Ele. Esforcem-se, esforcem-se por entregar a Ele o seus corações".
Ao ouvir algo sobre a glória do céu, onde não há nenhum pecado, ela novamente
caiu em estado de êxtase, na alegria e no desejo pela volta de Cristo,
repetindo suas expressões anteriores: "Oh, querido Senhor, deixa-me ir
daqui! Que farei, que farei? Quero ir para Cristo. Não
posso continuar vivendo. Oh, deixa-me morrer". A
mulher continuou nesse estado mental por mais duas horas, antes de voltar para
casa. Eu bem sei que pode haver uma profunda alegria, que chegue até mesmo ao
ponto de êxtase, onde, ainda assim não hajam
evidências substanciais de estar bem fundamentada. Neste caso, porém, parece
que não faltavam evidências capazes para provar que aquela alegria tinha origem
divina, no que se refere aos fatos antecedentes, às circunstâncias dos acontecimentos
e às consequências.
Dentre todas as pessoas que tenho
visto estarem sob a influência do Espírito, raramente encontrei outra mais humilde e
quebrantada, sob convicção de pecado e miséria, do que esta mulher — indícios
usualmente reputados como uma obra preparatória. Também nunca vi alguém que
parecesse conhecer melhor o seu próprio coração do que ela, que frequentemente
se queixava a mim acerca da sua dureza e rebeldia. Ela disse que seu coração se
elevou e discutiu com Deus, quando pensou que Deus poderia fazer com ela o que
melhor Lhe parecesse, enviando-a para o inferno, apesar de suas orações, de seu
estado de espírito, etc; e que seu coração não se
dispunha a vir a Cristo para dEle receber a salvação,
mas tentava apelar para outros lugares para receber ajuda. E como parecia
notavelmente sensível para com sua teimosia e oposição a Deus, estando sob
convicção, assim também ela pareceu não menos submissa e reconciliada com a
soberania divina, antes de ter obtido qualquer alívio ou conforto. Desde então
ela tem dado mostras de viver num estado de espírito de uma alma regenerada.
Clamava por Cristo, não por medo do inferno, como antes, mas tendo forte desejo
de ir até Ele, como sua única porção satisfatória. E por muitas vezes tem
chorado e soluçado amargamente, porquanto conforme entende, ela não tem amado e
nem tem podido amar ao Senhor. Certa vez perguntei a ela por que parecia tão
entristecida; se não seria por receio do inferno. Então ela respondeu:
"Não, não me aflijo por causa disso; mas é que o meu
coração é tão iníquo que não posso amar a Cristo como devo". E,
assim dizendo, desmanchou-se em lágrimas. Mas embora esse tenha sido o seu
estado de espírito por diversas semanas em seguida, de tal modo que as
operações da graça, em sua vida, têm sido visíveis aos olhos de outras pessoas,
visto que ela mesma parecia totalmente insensível a essas operações antes, e
nunca sentira qualquer consolo Maior e satisfação tão sensível até esta noite.
Esse doce e surpreendente
êxtase parece ter-se
originado em uma autêntica descoberta espiritual da glória, da beleza
arrebatadora e da excelência de Cristo, e não de quaisquer noções imaginárias
grosseiras de sua natureza humana, como, por exemplo, vê-Lo
neste ou naquele lugar, em certa postura corporal, ou pendurado na cruz, ou
sangrando até morrer, ou sorrindo gentilmente, ou coisas semelhantes. Nessas
ilusões, algumas pessoas têm sido levadas. Também não é oriundo de sórdidos e
egoísticos entendimentos por qualquer benefício conferido a ela. Antes, provém
da visão da excelência pessoal de Cristo e de sua superior amabilidade, o que
produz aquele veemente desejo de desfrutar dEle,
conforme ela tem manifestado, fazendo-a desejar estar "ausente do corpo,
para estar presente com o Senhor".
Os acompanhamentos desse
arrebatador consolo têm sido tais que revelam que a sua origem é divina, como uma
autêntica "alegria no Espírito Santo". Agora ela encarava as verdades
divinas como realidades vivas, podendo dizer: "Sei que essas coisas são
assim; sinto que elas são verdadeiras!" Sua alma resignava-se a aceitar a
vontade do Senhor, mesmo no ponto mais sensível; de tal modo que quando eu lhe
perguntei: "E se Deus tirasse de você o seu marido, que está muito doente,
como você pensa que aceitaria tal coisa?", ela respondeu: "Ele
pertence a Deus, e não a mim; Ele pode fazer com meu marido o que melhor Lhe
pareça". Ela tem o mais perceptível senso da maldade do pecado, ao qual
tem a Maior aversão, preferindo morrer e ficar inteiramente livre da
possibilidade de pecar. Agora ela podia livremente confiar às mãos de Deus todo
o seu ser, para o tempo na vida presente e pela eternidade. Quando lhe
perguntei se estaria disposta a morrer e deixar o seu nené,
e o que ela pensava que aconteceria com a criança, ela retrucou: "Deus
cuidará dela. Ela pertence ao Senhor. Deus cuidará dela". Esta mulher
agora parece ter o mais humilde senso de sua própria vileza e indignidade, de
sua fraqueza e incapacidade de resguardar-se do pecado e de perseverar no
caminho da santidade, clamando: "Se eu continuar vivendo, acabarei
pecando". Então percebi que nunca vira manifestação similar de êxtase e
humildade concentrada em uma só pessoa, durante toda a minha vida.
As consequências
dessa alegria não são
menos desejáveis e satisfatórias do que seus acompanhamentos. Desde então a
mulher parece ser uma crente mui terna, quebrantada,
afectuosa, devota e humilde; tão
exemplar no
viver e no falar, quanto qualquer outro membro de minha congregação. Meu desejo é que
ela continue a crescer "na graça e no conhecimento de Cristo".
10 de
Março.
Ao aproximar-se a noite, os índios reuniram-se espontaneamente,
então cantaram, oraram e discorreram sobre as coisas divinas. Na oportunidade,
houve intensa emoção entre eles. Alguns deles, que espero sejam piedosos,
pareciam comovidos diante das realidades divinas, enquanto outros demonstravam
grande preocupação com suas próprias almas. Percebendo quão engajados e
dedicados estavam em seus afazeres religiosos, fui até eles, orei e lhes
ofereci uma palavra de exortação. Então pude observar dois ou três deles que
estavam um tanto comovidos e preocupados, os quais, antes, raramente
demonstraram estar sob qualquer impressão religiosa. Este pareceu ser o dia e a
noite do poder divino. Muitos deles haviam retido cálidas impressões deixadas
em suas mentes pelas verdades divinas, desde o dia anterior.
Dia do Senhor, 16 de
Março.
Preguei para a minha congregação, utilizando-me de Hebreus 2.1-3.
A verdade divina pareceu exercer considerável influência sobre alguns dos
ouvintes, produzindo muitas lágrimas, bem como profundos soluços e suspiros
entre aqueles que já deram provas de serem cristãos autênticos, além de outras
pessoas. As impressões sobre os ouvintes, de modo geral, pareceram profundas,
afectando-lhes os corações, de forma não superficial, ruidosa ou fingida.
Quando a noite ia chegando,
discursei novamente sobre a Grande Salvação. A Palavra de Deus novamente foi
abençoada com algum poder sobre os ouvintes. Um bom número deles chorou com
sentimento, aparentemente sem qualquer fingimento, de tal maneira que o
Espírito de Deus parecia movimentar-Se entre a
assembleia. A mulher mencionada em meu diário, no domingo passado, fez
profissão pública de fé, com uma atitude mental devota, humilde e excelente.
Estando minha casa lotada com a
minha gente, à noite, passei o tempo em práticas religiosas junto com eles, até
que minhas forças quase se esgotaram. Os membros de minha congregação são
incansáveis nos exercícios religiosos, mostrando-se insaciáveis em sua sede
pelo conhecimento cristão, ao ponto que algumas vezes dificilmente consigo
evitar de trabalhar, até quase exaurir minhas forças e o vigor.
19 de
Março.
Várias das pessoas
que foram comigo a Forks of
Delaware em Fevereiro passado, voltaram somente hoje,
tendo ficado detidas lá por causa de perigosa enfermidade que acometeu uma
delas. Diante disso, minha gente reuniu-se voluntariamente, a fim de passar
algum tempo em práticas religiosas, e, sobretudo, agradecer a Deus por sua
bondade preservadora em favor daqueles que tinham estado ausentes por várias
semanas, além de haver recuperado a pessoa que estivera doente, e agora todos
tinham retornado para cá em segurança.
Visto que eu estava ausente, eles
exprimiram o desejo de que o encarregado da escola os ajudasse em suas
solenidades religiosas. Depois ele me contou que se ocuparam em intenso e longo
tempo de orações, cânticos, etc.
22 de
Março.
Catequizei segundo meu método usual, à noitinha. Minha gente
respondeu às minhas perguntas, para minha grande satisfação. Nada houve de
excepcionalmente notável durante a assembleia, considerando-se o que tem sido
comum entre nós. Embora eu possa dizer que a grande atenção, a ternura e o afecto,
as muitas lágrimas e os soluços de partir o coração, que houve em grande
abundância entre nós, teriam sido notáveis, se Deus não os tivesse tornado
comuns em nosso meio, e mesmo entre desconhecidos, logo que chegam até nós.
Estou longe de pensar que cada manifestação e cada caso particular de comoção,
os quais tem ocorrido entre nós, têm sido verdadeiramente genuíno,
derivado do poder divino. Estou ciente da possibilidade do contrário, e
não duvido que possa ter havido alguma mistura corrupta, isto é, algum joio em
meio ao trigo, especialmente porque o interesse pelas questões
religiosas se tem generalizado por aqui.
Dia do Senhor, 23 de
Março.
Estiveram entre nós cerca de quinze desconhecidos, todos
pessoas adultas, diversas das quais nunca tinham estado antes em qualquer
reunião religiosa. Por isso, julguei próprio discorrer neste dia de uma maneira
peculiarmente adaptada às circunstâncias e ao conhecimento deles. Assim,
procurei explicar-lhes o trecho de Oséias 13.9:
"A tua ruína, ó Israel, vem de ti, e só de mim o teu socorro''. Pela manhã
esclareci o melhor que pude a apostasia e estado
arruinado do ser humano, após ter falado sobre algumas coisas referentes à
pessoa e às perfeições de Deus, como Ele criou o homem em estado de rectidão e
felicidade. À tarde, esforcei-me por mostrar a gloriosa provisão divina com
vistas à redenção de criaturas apostatadas, ao dar o
seu próprio Filho querido para sofrer em lugar delas e assim satisfazer a
justiça divina em favor delas.
Já quase ao pôr-do-sol, senti preocupação incomum, especialmente
pelos pobres desconhecidos, porquanto Deus muito havia contido a sua presença e
a poderosa influência de seu Espírito, durante os acontecimentos do dia. Isso
os privou de que tivessem aquele grau de convicção que eu esperava ver. Assim
preocupado, visitei várias casas, e expliquei o evangelho, com alguma apreensão
e intensidade, a várias pessoas em particular. Ao que parece, porém, sem grande
sucesso, até que cheguei em uma casa onde estavam hospedados vários dos recém-chegados.
Ali, finalmente, as solenes verdades que eu havia pregado, pareceram produzir
efeito, primeiramente em algumas crianças, e em seguida em vários adultos, que
tinham sido de alguma forma despertados anteriormente; e, finalmente, em
diversos dos visitantes pagãos.
Dei continuidade ao meu discurso,
de modo fervoroso, até quase cada pessoa da casa estar em lágrimas. Muitos começaram a
prantear em altas vozes, parecendo deveras interessados em obter os benefícios
de Cristo. Diante disso, um bom número de pessoas de outras casas se achegaram;
e tão grande ficou a multidão que fomos forçados a continuar
a reunião no local onde usualmente nos reunimos em adoração pública. A
congregação reuniu-se imediatamente, e muitos pareciam estar profundamente afectados,
quando então pude pregar por algum tempo usando o trecho de Lucas 19.10.
"Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido." Procurei
destacar a misericórdia, a compaixão e o amor de Cristo pelos pecadores
perdidos, impotentes e condenados. Houve muita comoção e emoção visíveis entre
os presentes, e não duvido que o poder de Deus tenha atingido os corações de
muitos, através do sermão. Houve cinco ou seis, entre os homens e mulheres que
nos visitavam, que pareceram ter sido consideravelmente despertados. Destaco
entre esses um jovem muito forte, ao qual aparentemente nada poderia afectar,
mas que agora tremia como o carcereiro filipense,
pondo-se a chorar por longo tempo.
Os pagãos que foram
despertados, pareceram desistir na mesma hora de sua
brutalidade selvagem e de suas maneiras tipicamente pagãs, tornando-se pessoas
sociáveis, ordeiras e humanas em todo o seu porte. Logo após sua chegada, tinha
exortado aos índios crentes que dessem atenção especial a eles, conforme, vez por outra, já tinham feito com outros recém-chegados
entre nós. Mas quando alguns de meus índios crentes tentaram aproximar-se dos
estranhos, estes logo levantaram-se e retiraram-se para outras casas, a fim de
evitarem ouvir a conversa dos crentes. Diante disso, alguns crentes sérios
concordaram que se dispersariam por diversos lugares do povoado, e assim por
onde quer que fossem, os visitantes recém-chegados ouviam algumas palavras
instrutivas ou calorosas dirigidas a eles acerca da salvação de suas almas.
Agora, entretanto, não há mais
necessidade de usar esse expediente para que possamos dialogar com eles acerca
de seus interesses espirituais; pois já estão tão convictos de seu estado de
perdição que aceitam voluntariamente conversar intimamente com os crentes a
respeito de seu pecado e miséria, ou de sua necessidade de conhecer e obter os
benefícios do grande Redentor.
24 de
Março.
Contei os índios para ver quantas pessoas Deus havia reunido aqui
desde que cheguei neste território; descobri que, ao todo, havia cerca de cento
e trinta pessoas, entre idosos e jovens. Talvez uns quinze ou vinte
dos que são meus ouvintes constantes estiveram ausentes nesta época. Se
todos esses estivessem juntos, o número seria considerável; especialmente se
levarmos em conta quão poucos podiam
ser reunidos
quando cheguei neste território — nada além de dez pessoas na ocasião.
Meus
índios saíram hoje
com o propósito de desmatar um trecho de suas terras, a cerca de vinte e cinco
quilómetros deste povoado, a fim de formarem uma colónia próxima, onde possam
gozar das vantagens de frequentar os cultos, de enviar seus filhos à escola,
e, ao mesmo tempo, de fazerem os seus plantios de maneira mais conveniente —
suas terras, onde nós residimos actualmente, são de pouco ou nenhum valor para
esse propósito. O desígnio de se estabelecerem assim em uma colectividade,
cultivando suas próprias terras, ao que pouco se tinham dedicado em seu estado
de paganismo, é uma questão de necessidade básica para seus interesses
religiosos e para seu bem-estar material. Eu tinha pensado ser apropriado
convocá-los para mostrar-lhes o dever de trabalhar com fidelidade e diligência
e que não deveriam ser "preguiçosos" em suas actividades, como
tinham sido em seu estado pagão. Procurei frisar quão importante é serem eles
laboriosos, diligentes e vigorosos na execução de suas actividades, sobretudo
na actual estação, quando a época do plantio se aproxima, para que tenham
condições de continuar vivendo juntos, desfrutando também dos meios da graça e
da instrução. Tendo-lhes dado instruções acerca do trabalho deles, instruções essas que muito desejavam
receber, bem como orientação sobre vários aspectos de comportamento; então
expliquei, entoei hinos e procurei inculcar-lhes o verso do Dr. Watt:
Se Deus negar-se a edificar a
casa, etc. e, tendo recomendado a Deus, em oração, tanto a eles
quanto o propósito de sua saída, despedi-os para irem realizar o seu trabalho.
A noitinha, li e expus aos
índios que permaneceram no povoado, bem como
aos visitantes, a essência de Actos 3. Alguns deles pareciam muito compungidos
ante a pregação da Palavra, especialmente quando eu falava sobre o versículo
19: "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos..." Vários dos visitantes
sentiram o poder da Palavra. Quando, mais tarde, lhes perguntei se não sentiam
que seus corações eram malignos, conforme lhes havia ensinado, uma das mulheres
respondeu que "agora se sentia assim". Essa mulher, antes de ter
vindo aqui, ao ouvir que eu ensinava aos índios que todos eles tinham corações
malignos por natureza, precisando ser transformados para se tornarem bons,
mediante o poder de Deus, tinha comentado: "Meu coração não é mau, e nunca
fiz qualquer coisa de ruim em toda a minha vida". De fato, em seu estado
de paganismo, assim pensam todos os índios. Não parecem ter consciência de
pecado e de culpa, a menos que possam acusar a si mesmos de certos actos
pecaminosos grosseiros, contrários aos mandamentos contidos na segunda tábua
da Lei.
27 de Março.
Preguei a um certo
número de minha gente em uma de suas casas, de maneira mais particular.
Investiguei particularmente o seu estado espiritual, a fim de ver quais
impressões estavam sentindo. Expus a eles os sinais de uma pessoa regenerada, e
também os sinais de uma pessoa não-regenerada;
procurei adaptar e orientar o meu discurso a cada um, individualmente, conforme
pude entender o estado de espírito deles. Antes de terminar minha apresentação,
já se havia reunido um considerável número de índios; vários deles pareciam
muito tocados pela Palavra, sobretudo quando encareci a necessidade e a
infinita importância do novo nascimento. Tenho averiguado que o trato
individual e íntimo com as pessoas, acerca de suas almas, na Maior parte das
vezes obtém sucesso.
31 de Março.
Convoquei a minha gente, conforme fizera na segunda-feira
anterior, e novamente lhes ensinei a necessidade e a importância do labor
diligente para poderem viver juntos, desfrutando dos meios da graça. Tendo
oferecido uma oração solene a Deus, entre eles, rogando as bênçãos divinas aos
seus esforços, despedi-os para o trabalho. Um bom número de índios, homens e
mulheres igualmente, pareceu oferecer-se voluntariamente para a execução dessa
tarefa; alguns pareciam estar desejosos que Deus fosse com eles, ajudando-os a
iniciar a sua pequena cidade, e que, mediante a sua bênção, fosse uma
localidade confortável para eles e para os seus familiares, no tocante tanto a
garantir as necessidades de vida como a garantir a sua frequência aos cultos
públicos.
5 de Abril.
Catequizei os índios à noitinha. Houve muita emotividade e fervoroso
envolvimento no culto divino entre todos os presentes, especialmente ao final
do meu sermão. Terminada a reunião, vieram à minha casa alguns índios que penso
serem crentes piedosos, os quais ansiavam por entender melhor as coisas
divinas. Enquanto conversava com eles acerca de seus estudos bíblicos,
observando-os e notando que a obra de Deus nos seus corações era
substancialmente a mesma que Ele realiza entre todos os seus filhos, e também
que suas provas e tentações eram iguais, passei a mostrar-lhes que estavam na
obrigação de se amarem mutuamente de forma toda peculiar; então, pareceram
sentir profundo afecto e ternura uns pelos outros. Penso que esse sinal
particular que demonstra serem discípulos de Cristo, ou seja, o amor que têm
uns aos outros, raramente tinha parecido mais evidente do que nesta ocasião.
6 de Abril.
Preguei em Mateus 7.21-23. Um bom número de crentes examinou, de modo
sério e detido, o seu estado espiritual, ao ouvirem que "nem todo o que me
diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus". À tarde, expliquei diante
deles a disciplina de Cristo em sua igreja, bem como o método de tratar com os
ofensores. Na oportunidade, os crentes se sentiram profundamente comovidos,
mormente ao ouvirem
que um ofensor, se continuasse em
sua obstinação, teria que ser considerado e tratado como "um publicano", um pagão interesseiro, que não tem parte e
nem sorte entre o povo visível de Deus. Acerca disso, os presentes pareceram
ser envolvidos pelos mais terríveis temores — um estado de paganismo, do qual
há tão pouco tempo haviam sido tirados, e que agora parecia horroroso.
Terminado o culto público, visitei
diversas casas para ver como eles passavam o resto do domingo, abordando, com
toda a solenidade, profundas questões referentes às suas almas. O Senhor
pareceu sorrir sobre meus esforços para tratar com vários indivíduos, fazendo
esses breves diálogos privados mostrarem-se mais eficazes para alguns do que os
meus sermões públicos.
7 de Abril. Discursei diante de
minha gente à noitinha, usando o trecho de 1 Coríntios 11.23-26. Procurei
explicar para eles a instituição, a natureza e as finalidades da Ceia do
Senhor, bem como as qualificações e preparações necessárias para uma correcta
participação nessa ordenança. Vários deles ficaram muito comovidos diante do
amor de Cristo, manifesto no fato que Ele fez provisões para a consolação de
seus discípulos, em um período durante o qual Ele mesmo estava começando a
entrar em seus mais agudos sofrimentos.
25 de Abril.
Separei este dia para jejum solene e oração, como preparação
para a administrar da Ceia do Senhor. Meu propósito foi o de implorar a bênção
do Senhor sobre a nossa renovação do pacto com Ele e uns com os outros, para
que andemos juntos no temor de Deus, em amor e companheirismo cristão, rogando-Lhe que a sua presença esteja connosco ao nos
aproximarmos de sua mesa; também que nos humilhemos diante de Deus, por causa
da aparente retirada, ao menos em certa medida, daquela bendita influência que
se tem feito sentir por tantas vezes sobre pessoas de todas as idades entre
nós. E para que nos humilhemos diante de Deus, por causa das crescentes
ocorrências de descuido, vaidade e vício, entre alguns que antes pareceram
tocados e afectados pela verdade divina, e levados a ter alguma sensibilidade
para com o seu estado natural de miséria e perdição. Foi determinado que
orássemos importunamente pelo estabelecimento pacífico dos índios em sua
própria comunidade, a fim de que ela se tornasse uma congregação cómoda para a
adoração a Deus, e a fim de que Deus derrotasse todas as tentativas que
porventura fossem feitas contra esse piedoso desígnio.1 A cerimónia
foi acompanhada com seriedade, não somente por aqueles que se propunham a
participar da Ceia do Senhor, mas também pela congregação inteira. Na primeira
parte do dia esforcei-me por explicar às pessoas a natureza e o motivo do
jejum, o que eu já tinha tentado fazer anteriormente de forma mais sumariada. À
tarde, insisti sobre as razões especiais pelas quais estávamos, agora,
engajados nestas solenes
actividades, tanto no tocante
à necessidade que
tínhamos da ajuda divina, a fim de nos prepararmos devidamente para essa
sagrada ordenança, da qual alguns dentre nós queriam participar, se assim o
permitisse a providência divina, como também no referente ao declínio manifesto
da obra de Deus por aqui, como a convicção de pecado e a conversão de
pecadores, porquanto, ultimamente, apenas poucos têm sido despertados de seu
estado de segurança própria. A adoração a Deus foi acompanhada por grande
solenidade e reverência, com muita ternura e lágrimas, por parte daqueles que
pareciam crentes genuínos. Também pareceu haver alguma manifestação do poder
divino, sobre aqueles que antes haviam sido despertados e que continuavam
debaixo de convicção.
Após reiterada oração e leitura da
Palavra de Deus, propus aos crentes, com o máximo de brevidade e clareza ao meu
alcance, a substância da doutrina da fé cristã, conforme já fizera, a qual
eles abraçaram com renovado ânimo. Então conduzi-os à solene renovação do pacto
deles, por meio do qual se tinham entregue, explícita e publicamente, a Deus
Pai, Filho e Espírito Santo, reconhecendo-O como seu
Deus, ao mesmo tempo em que renunciavam as suas vaidades pagãs e as suas
práticas idólatras e supersticiosas. Todos prometeram receber seriamente a
Palavra de Deus, até onde eles já a conheciam ou pudessem vir a conhecê-la,
como regra de suas vidas. Prometeram andar juntos em amor, vigiando cada qual a
si mesmo e aos irmãos, levando vidas sérias e devotas, e cumprindo os deveres
cristãos que cabiam a cada um.
Esse solene acordo fez-se
acompanhar por muita gravidade e seriedade, mas também por muita
prontidão, liberdade e animação; e uma união e harmonia de alma, muito
espiritual, veio coroar a solenidade toda. À noite, não pude deixar de pensar
que tinha havido sinais evidentes da presença divina connosco, durante todas as
nossas diversas actividades do dia, embora também fosse claro que, entre os
crentes, não houve aquele mesmo grau de interesse espiritual como, com
frequência, tem sido observado aqui.
26 de Abril.
Quase ao meio-dia orei com uma criança moribunda e exortei os presentes a
se prepararem para a hora da morte, o que parece ter surtido efeito em alguns.
À tarde preguei à minha gente com base em Mateus 26.26-30; falei sobre o autor,
a natureza e os desígnios da Ceia do Senhor; esforcei-me por salientar quem são
os receptores dignos da ordenança. Os crentes genuínos foram tocados, ficando
emocionados diante da verdade divina — tendo a visão do amor de Cristo em sua
morte.
À noitinha passei a instruir aqueles que tencionavam participar da
Ceia do Senhor no dia seguinte, e falei sobre a instituição, a natureza e a
finalidade dessa ordenança; fiquei muito satisfeito diante do conhecimento
doutrinário deles e reconheci estarem eles aptos para participarem
da mesma. Por igual modo, eles pareceram sentir, de modo geral, a
solenidade da sagrada ordenança, sentindo-se humildes sob a sensação de sua própria
indignidade de se aproximarem de Deus, bem como desejavam estar devidamente
preparados para participar dignamente da Ceia. Seus corações estavam plenos de
amor uns pelos outros, parecendo ser essa a atitude mental que queriam
conservar até chegarem diante da mesa do Senhor. Nos cânticos e orações que
tivemos após as instruções catequéticas,
manifestou-se uma apropriada ternura e emoção entre as pessoas, bem como sinais
de amor fraternal e afecto, que constrangeriam alguém a exclamar: "Senhor,
bom é estarmos aqui". Sim, é bom estar onde se manifestam essas
influências celestiais.
Dia do Senhor, 27 de Abril.
Preguei sobre o trecho de Tito 2.14: "...o qual a si
mesmo se deu por nós". Dessa vez, a Palavra de Deus foi acompanhada por sinais
do poder divino sobre todos os circunstantes, de tal maneira que a audiência
exibiu notável atenção e gravidade, especialmente no fim do culto, quando
muitas pessoas foram tocadas.
Administrei a Ceia do Senhor para vinte
e três
pessoas índias, sendo que o número de homens e mulheres era
praticamente o mesmo. Vários outros índios, em número de cinco ou seis,
estavam ausentes, visto acharem-se em Forks of Delaware, senão teriam
participado da Ceia junto connosco. A ordenança foi servida com grande
solenidade, em meio a desejável ternura e afecto. E notável que durante a
administração da ordenança, sobretudo quando da distribuição do pão, os
presentes tenham sido afectados da forma mais vívida, como se eles estivessem
estado presentes à crucificação de Cristo. E as palavras da instituição, quando
foram repetidas e ampliadas, por ocasião da administração, parecem ter surtido
idêntico efeito, com uma fé livre e plena e com afectuoso envolvimento da alma,
como se o próprio Senhor Jesus Cristo se tivesse feito presente para falar
pessoalmente com eles. A emoção dos comungantes, embora consideravelmente activada,
ainda assim manifestou-se de forma controlada, dentro de limites apropriados.
Assim houve sentimentos doces, gentis, afectuosos, sem qualquer exibição
impetuosa das paixões.
Depois de haver descansado por
algum tempo, após a administração da Ceia, estando extremamente cansado devido
às actividades do trabalho, fui caminhando de casa em casa, conversando em
particular com a Maior parte dos participantes, e descobri que quase todos
tinham se sentido renovados no espírito diante da Ceia do Senhor, como se
tivessem bebido "vinho novo". Eu nunca antes fora testemunha de tal exibição
de amor cristão entre as pessoas, por toda a minha vida. Tudo foi tão notável
que poderíamos exclamar com agradável surpresa: "Vede como eles se
amam". Penso que não poderia haver Maiores sinais de afecto mútuo entre o
povo de Deus, nos primeiros dias do cristianismo,
do que aquilo que se presenciou aqui. A cena era tão agradável e tão
harmonizada com o evangelho, que nada menos poderia ser dito senão que tudo era
um "feito do Senhor", uma genuína operação d’Aquele
que "é Amor".
Ao aproximar-se a noite, discursei
novamente sobre o texto acima mencionado, Tito 2.14, e insisti sobre a
finalidade imediata e o propósito da morte de Cristo, ou seja, remir o seu povo de
toda a iniquidade. Este pareceu ser um período de poder divino entre nós. Os
crentes se sentiram muito revigorados, parecendo notavelmente ternos e emocionados,
cheios de amor, alegria e paz, desejosos de serem completamente "remidos
de toda a iniquidade", de tal maneira que, posteriormente, alguns deles me
disseram que nunca antes se sentiram daquela maneira. Convicções também
pareceram ser reavivadas no caso de muitos; foram despertadas várias pessoas,
que nunca antes eu havia observado estarem sob qualquer impressão religiosa.
Tal foi a influência divina sobre a
nossa reunião e tão indizivelmente desejável a maneira pela qual muitos
desfrutaram do culto, que quase me pareceu uma ofensa encerrar a reunião. A
congregação, uma vez despedida, embora já estivesse escurecendo, não parecia
disposta a deixar o lugar e as actividades religiosas que lhes representavam
tanto, pelos benefícios experimentados quando a bendita influência reanimadora
veio sobre ele. De modo geral, devo dizer que tive muito prazer na
administração dessa ordenança, em vários aspectos. Tenho razões de sobra para
pensar que aqueles que participaram da Ceia do Senhor já possuem um bom grau de
conhecimento doutrinário sobre a natureza e o desígnio dessa ordenança, e que
eles agiram com entendimento quanto àquilo que fizeram.
Durante os cultos preparatórios, posso dizer,
com toda a verdade, que usufruí de uma incomum liberdade para explicar, de
acordo com a compreensão e a capacidade dos membros, o pacto da graça, bem como
a natureza desta ordenança. Os participantes também estavam bem cônscios
de que esta ordenança não é mais do que um símbolo, e não o corpo e o
sangue reais de Cristo, e que o propósito da Ceia visa ao refrigério e
edificação da alma, e não ao benefício do corpo. Também estavam
bem informados sobre a finalidade da ordenança, e de que foram chamados para
comemorar o amor de Cristo, que O impeliu à morte.
Essa competência quanto ao
conhecimento doutrinário, paralelamente à participação séria e decente dos
índios, na celebração da ordenança, sua emoção sincera e a doce e cristã
atitude que eles manifestavam, mesmo depois da cerimónia, infundiram-me imensa
satisfação acerca da administração da Ceia a eles. Oh, que momentos doces e
benditos foram aqueles! Estou persuadido de que o próprio Deus veio postar-se
no meio de seu povo. Não duvido que muitos, ao terminar
o dia, podiam dizer do fundo do coração: "Em verdade, um dia assim
passado na casa de Deus é melhor do que mil anos em qualquer outro lugar".
Parecia que estas pessoas piedosas estavam dotadas de um só coração. A
doce união, a harmonia e o terno amor e afeição subsistentes entre eles, no
meu entender, servem como um dos mais vívidos símbolos que eu já vira do mundo
celestial.
28 de Abril.
Concluí a solenidade da Ceia do Senhor com um sermão baseado em João
14.15: "Se me amais, guardareis os meus mandamentos". Nessa ocasião,
houve uma agradável ternura sobre os presentes em geral, mas especialmente
sobre os comungantes. Oh, quão espontâneos, quão engajados e afectuosos eles
pareceram, durante o culto! Pareciam dispostos a deixar suas orelhas serem
furadas nos umbrais da porta da casa de Deus, tornando-se seus servos para
sempre (Êxodo 21.6).
Observando um bom número de pessoas
nesse excelente estado de espírito, e, de maneira geral, a assembleia comovida
pela influência divina, pensei ser apropriado aproveitar do momento, conforme Ezequias fez por ocasião da grande celebração pascal (2
Crónicas 31), a fim de promover a bendita reforma iniciada no meio deles, e
estimular na perseverança aqueles que pareciam sérios e piedosos. De acordo
com isso, propus à minha gente que eles deveriam renovar sua aliança com Deus,
vigiando sobre si mesmos e uns aos outros, a fim de que não desonrassem o nome
de Cristo, caindo em práticas pecaminosas e impróprias; e em especial que se
acautelassem do pecado da embriaguês — "o pecado
que tão facilmente os assedia", e das tentações que conduzem ao
alcoolismo, evitando a aparência do mal. Concordaram alegremente com a
proposta, e explicitamente uniram-se no propósito de renovarem o seu pacto. Em
vista disso, invoquei a Deus como testemunha, no tocante ao sagrado compromisso
deles, da maneira mais solene que fui capaz. Relembrei-lhes a gravidade da
culpa em que incorreriam se violassem os seus votos; também testifiquei
que Deus seria testemunha terrível contra aqueles que presumissem assim
proceder, no grande e terrível dia do Senhor. Foram momentos de admirável
solenidade; sobreveio profunda reverência na fisionomia de todos na
congregação quanto a esse propósito. Sinceros soluços, suspiros e lágrimas eram
agora frequentes na audiência; não duvido que muitos clamores silenciosos
foram então enviados para o alto, para a Fonte da graça, pedindo por um
suprimento suficiente da graça divina para que pudessem cumprir tão solene
compromisso.
Dia do Senhor, 4 de Maio.
Visto que agora minha gente se retirara para as suas
terras, conforme mencionei em meu diário no dia 24 de Março, onde desde então têm
estado ocupados em preparar-se para se estabelecerem próximos uns dos outros, a
fim de poderem desfrutar de forma mais conveniente do evangelho e de outros
meios de instrução,
bem como de melhores confortos na
vida material, resolvi visitá-los hoje. Tive de ficar hospedado na residência de uma
família inglesa, a alguma distância de onde estavam os meus índios. Pela manhã,
preguei a eles com base em Marcos 4.5. "Outra caiu em solo rochoso, onde a
terra era pouca..." Esforcei-me por mostrar-lhes a razão para sentirem
temor, a fim de que muitos sinais e começos prometedores na área religiosa não
se tornem abortivos, como na ilustração da semente que caíra sobre terreno
rochoso.
À tarde, preguei alicerçado em Romanos 8.9: "Esse alguém não
tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele". Tenho motivos para julgar
que esse sermão foi especialmente oportuno e que exerceu excelente efeito sobre
alguns dos ouvintes. Depois, passei várias horas em conversas particulares, e
labutei para regularizar certas coisas que percebi serem impróprias entre
alguns deles.
5 de Maio.
Visitei novamente a minha gente, cuidando de seus interesses
materiais; oferecendo conselhos acerca dos seus negócios. A cada dia
venho descobrindo, mais e mais, quão importante é, para os seus interesses
religiosos, que se tornem laboriosos e industriosos, afeitos às lides da
agricultura e capazes de suprirem entre eles mesmos as suas necessidades e
conforto da vida diária; pois sua actual maneira de vida os expõe grandemente a
tentações de toda ordem.
9 de Maio.
Preguei a partir do trecho de João 5.40, ao ar livre, em plena
floresta. Isso porque os índios ainda não têm um templo neste lugar, e quase
nem dispõem de abrigos para morar. A verdade divina exerceu considerável
impressão sobre a audiência, e esta foi uma ocasião de grande solenidade,
ternura e afeição.
No dia de hoje recebi como membro
o ex-feiticeiro e ex-assassino, mencionado em meu diário a 8 de Agosto de
1745 e 1o de Fevereiro de 1746, que parece ser um caso tão notável
da graça divina que não posso deixar de apresentar aqui um breve relato sobre
ele. Ele vivia nas proximidades e algumas vezes vinha às minhas reuniões em Forks of Delaware,
pelo espaço de mais de um ano. No entanto, como a Maioria dos índios, era muito
viciado em bebida forte, em nada parecendo ser afectado pelos meios que eu
usava entre eles para sua instrução e conversão. Naquela época, ao assassinar
um jovem índio, foi lançado numa espécie de horror e desespero, pelo que
mantinha-se distante de mim, recusando-se a ouvir-me pregar por vários meses
seguidos, até que um dia tive a oportunidade de conversar abertamente com ele,
encorajando-o que o seu pecado poderia ser perdoado na pessoa de Cristo. Depois
disso, ele voltou a frequentar, vez por outra, as nossas reuniões.
Mas o pior aspecto de sua conduta
era a feitiçaria.
Ele era um daqueles que os índios costumam designar de powaw; e apesar de frequentar nossas
reuniões e ouvir-me pregar, continuava pondo em prática
os seus encantamentos e feitiçarias, "procurando mostrar ser um
grande personagem, a quem todos davam ouvidos", supondo ser dotado de
grande poder. Por várias vezes, estando eu a instruir os índios acerca dos milagres
operados por Cristo na cura de enfermos, mencionando-os como provas de sua
missão divina e da veracidade de sua doutrina, eles imediatamente falavam sobre
as maravilhas de curas que aquele homem realizava com os seus encantamentos.
Assim, tinham-no em alta conta, por causa de suas noções supersticiosas. Isso
parecia um obstáculo fatal a alguns deles, quanto a aceitação do evangelho. Por
muitas vezes cheguei a pensar que seria um grande favor em prol da
evangelização dos índios, se Deus tirasse do mundo aquele ímpio, pois eu quase
não tinha mais esperança de que um dia fosse transformado. Mas Deus, cujos
pensamentos não são os pensamentos do homem, resolveu usar um método muito
mais eficaz com aquele índio, um método consoante a sua natureza misericordiosa,
e, creio eu, vantajoso para os seus próprios interesses entre os índios, além
de eficiente para a salvação da pobre alma daquele homem. A Deus, pois, seja a
glória por isso.
O primeiro genuíno interesse daquele
homem por sua alma foi despertado quando viu meu intérprete e sua mulher
professarem fé em Cristo, publicamente, em Forks of Delaware, a 21 de Julho de
1745. Isto o deixou tão impressionado que, por convite de um índio que já era
favorável ao cristianismo, ele me seguiu até Crossweeksung
nos primeiros dias de Agosto, a fim de ouvir-me pregar; e ali continuou por
diversas semanas, durante o período do mais notável e poderoso despertamento que já tinha havido entre os índios. Naquela
ocasião foi despertado ainda mais e colocado sob grande preocupação com a sua
alma. Conforme ele mesmo testificou, ao "sentir
a Palavra de Deus em seu coração", seu espírito de encantamento abandonou-o
totalmente, de maneira que, desde então, não tem poder algum nessa área.
Conforme ele afirma, agora nem mais sabe como usava os encantamentos e feitiçarias,
e que mesmo que o desejasse, não conseguiria fazer qualquer conjuração.
Ele continuou sob a convicção de seu estado
pecaminoso e perdido, preocupando-se muito com sua alma, durante todo o Outono
e a primeira parte do inverno passado. Mas, não chegou a ser profundamente
tocado senão em certo tempo do mês de Janeiro, quando a Palavra de Deus passou
a dominá-lo de tal modo que caiu em profunda aflição, sem saber o que fazer, e
nem para onde voltar-se. Nessa ocasião me disse que quando costumava ouvir-me
pregar, o que acontecia vez por outra durante o Outono do ano passado, minha
pregação feria seu coração, deixando-o muito intranquilo, porém, não ao
ponto de angustiá-lo, porquanto ainda esperava que poderia fazer algo para
aliviar a si próprio. Mas agora, disse ele, sentira-se de tal forma acuado por meus sermões,
sem ter para onde ir, que não podia evitar a aflição de alma. Prosseguia
sob uma carga pesada e sob a pressão de um espírito ferido, até que, por fim,
caiu em forte angústia e intensa agonia de alma, conforme mencionei em meu
diário, a 1o de Fevereiro. Esse estado prosseguiu por aquela noite e
por parte do dia seguinte. Depois disto foi levado a mais total calma e
serenidade mental; seu trémulo e pesado fardo foi removido e, agora, ele
parecia perfeitamente sereno, mesmo que não sentisse a mínima esperança de
salvação.
Notei que ele parecia bastante
quieto. Então lhe perguntei como estava passando. Ele respondeu:
"Acabou, acabou, agora acabou tudo". Perguntei-lhe o que queria
dizer. E ele respondeu: "Não posso fazer nada mais para me salvar, acabou
tudo para sempre. Não posso fazer mais nada". Indaguei se ele não poderia
fazer algo mais, ao invés de ir para o inferno. Ele replicou: "Meu coração
está morto. Nunca poderei ajudar a mim mesmo". Perguntei-lhe o que achava
que iria acontecer com ele, em vista disso. Ele respondeu: "Só me resta ir
para o inferno". Indaguei também se ele pensava que era justo Deus
enviá-lo para o inferno. E a resposta foi: "Certamente. O diabo tem estado
em mim desde que nasci". Indaguei se ele sentira dessa maneira quando
estava em tão grande aflição na noite anterior. Ele disse: "Não, naquela
hora eu não pensava que fosse justo. Eu pensava que Deus me mandaria para o
inferno, e que eu já estava caindo nele. Mas meu coração discutia com Deus, não
querendo admitir que era justo enviar-me para lá. Agora, porém, reconheço que
isso é justo, pois eu sempre servi ao diabo e meu coração agora não contém
bondade nenhuma, mas continua ruim como sempre foi". Pensei que raramente
havia visto alguém que tivesse sido levado mais eficazmente a desistir da
dependência de si mesmo e de seus esforços quanto à salvação, ou que mais
claramente tenha se prostrado aos pés da misericórdia soberana do que aquele
índio.
Ele continuou nessa atitude mental
por vários
dias, condenando-se e reconhecendo o tempo todo que seria justo se fosse
condenado, merecendo isso por causa da gravidade de seus pecados. No entanto,
era claro que ele possuía uma esperança secreta por misericórdia, embora não
percebesse tal coisa, o que o preservou não apenas de se desesperar, mas também
de qualquer preocupação angustiante. E assim, ao invés de entregar-se à
tristeza e ao desânimo, sua fisionomia parecia aprazível e conformada.
Estando ele nesse estado, por
diversas vezes perguntou-me quando eu iria pregar novamente. Parecia desejar
ouvir a Palavra de Deus todos os dias. Perguntei-lhe por qual razão queria ouvir-me
pregar, visto que seu coração estava morto e estava tudo acabado; e que nunca
poderia ajudar a si mesmo, esperando somente o inferno. Ele replicou:
"Gosto muito de ouvir você falar que Cristo é para todos". Eu
acrescentei:
"Mas de que lhe adiantará isso, se afinal
você tem de ir para o inferno?" — usando a própria linguagem dele. Antes
eu havia tentado da melhor maneira possível expor a ele as excelências de
Cristo, sua total suficiência e disposição para salvar pecadores perdidos, como
era o caso dele, sem que isso lhe tivesse dado qualquer conforto. Ele
respondeu: "É que, mesmo que eu tenha de ir para o inferno, quero que
outras pessoas venham a Cristo". Era admirável que ele parecesse ter tanto
amor pelo povo de Deus. E nada o deixava mais perturbado do que a ideia de
ficar separado deles. Essa pareceu ser uma parte realmente assustadora do
inferno ao qual se via condenado. Também era digno de atenção que, durante esse
período, ele se mostrasse muito diligente no uso de todos os meios para a
salvação da alma, embora ele tivesse ideia clara sobre a ineficácia dos meios
para prestar-lhe ajuda. Com frequência ele dizia que tudo quanto fazia nada
significava, mas nunca antes se mostrara tão constante em observar diariamente
a oração particular e doméstica, e, surpreendentemente, mostrava-se diligente e
atento ao ouvir a Palavra de Deus, de tal modo que ele nem abandonava a ideia
de receber misericórdia, nem presumia em depender de seus próprios actos, mas
usava os meios determinados por Deus para a salvação, e também esperava em Deus
à sua própria maneira.
Depois de continuar nesse estado
por mais de uma semana, enquanto eu pregava publicamente, ele pareceu receber
uma visão
vivificante da excelência de Cristo e do caminho da salvação por intermédio d’Ele, o que o levou às lágrimas, enchendo-o de admiração,
consolo, satisfação e louvor a Deus. Desde então ele tem sido um crente
humilde, devoto e afectuoso, sério e exemplar em sua conversação e comportamento.
Frequentemente ele se queixa de sua esterilidade, de sua falta de calor, vida e
actividades espirituais, apesar de, por muitas vezes, ser favorecido por uma
influência reanimadora e restauradora. Em tudo, até onde sou capaz de avaliar,
ele estampa as marcas de alguém que "foi criado de novo em Cristo Jesus,
para as boas obras".
Seu zelo pela causa de Deus me foi
agradável
quando esteve comigo em Forks of
Delaware, no último mês de Fevereiro. Ali havia um
índio idoso. Quando preguei, este ameaçou enfeitiçar-me, bem como aos índios
crentes que me acompanharam até ali. Então, o índio convertido desafiou-o a
fazer o pior que conseguisse, dizendo-lhe que ele próprio havia sido um
feiticeiro, igualmente poderoso, mas que, no entanto, assim que sentira em seu
coração a Palavra que os crentes amam, isto é, a Palavra de Deus, seu poder de conjurador imediatamente o abandonou. E disse ao outro: "Assim
aconteceria também com você, se ao menos uma vez você sentisse a Palavra em seu
coração. Na verdade você não tem poder para causar dano aos crentes, não
podendo nem ao menos tocar neles". Assim, posso concluir este meu relato
observando, em alusão àquilo que foi dito do apóstolo Paulo, que com o mesmo
zelo defende e, praticamente, "prega a fé que outrora procurava
destruir" (Gálatas 1.23), ou que colocava-se como instrumento para
obstruir. Que Deus receba toda a glória pela admirável transformação ocorrida
em sua vida.
19 de Maio.
Visitei minha gente e preguei em Actos 20.18,19, procurando
corrigir as noções deles acerca das atracções religiosas. Mostrei-lhes, por um
lado, quão desejáveis são as emoções religiosas, a ternura de espírito e o fervor
na adoração a Deus e no serviço cristão, quando essas emoções fluem de uma
autêntica revelação da glória divina, de um justo senso das excelências e
perfeições transcendentais do Deus bendito, bem como de uma visão da glória e
da beleza de nosso grande Redentor. Essa perspectiva das realidades divinas,
naturalmente, nos estimula a "servir ao Senhor com muitas lágrimas, com
muito afecto e fervor, mas também com toda a humildade".
Por outro lado, salientei a pecaminosidade em se buscar fortes emoções em primeiro
lugar, ou seja, fazer dessas emoções o objecto sobre o qual nossos olhos e
nossos corações se concentrem acima de tudo, quando a glória de Deus é que
deveria ser esse objecto. Mostrei-lhes que se o nosso coração fixar-se directa
e principalmente em Deus, e a nossa alma empenhar-se em glorificá-Lo,
haverá algum grau de emoção religiosa como consequência. Mas que buscar as
emoções, directa e principalmente, fixar o coração acima de tudo nessas
emoções, é pôr tais emoções no lugar de Deus e de sua glória. E se buscamos
essas emoções para que outras pessoas as observem, admirando a nossa
espiritualidade e avanço na vida religiosa, isso é, então, um abominável
orgulho; e se as buscamos somente a fim de sentir o prazer de estarmos sendo
tocados, então é idolatria e auto-gratificação. Também esforcei-me por mostrar
quão desagradáveis são aquelas emoções que, algumas vezes, são forjadas nas
pessoas pelo poder da imaginação, em seus próprios esforços para produzi-las.
Ao mesmo tempo procurei recomendar aquelas emoções religiosas, o espírito de
fervor e devoção, que deveriam acompanhar toda a nossa prática religiosa, sem
o que, a religião será apenas um nome vazio e uma carcaça sem vida. Parece que
este foi um sermão oportuno, mostrando-se muito satisfatório para alguns dos
ouvintes que antes tinham encontrado alguma dificuldade em relação a isto. Mais
tarde cuidei da minha gente, oferecendo algumas orientações acerca de suas actividades
seculares.
7 de Junho.
Tendo o Pastor William Tennent expresso o seu desejo que eu fosse seu assistente
na administração da Ceia do Senhor, hoje pela manhã cavalguei até Freehold, a fim de prestar-lhe essa ajuda. E visto que a
minha gente também tinha sido convidada a participar da cerimónia, alegremente
aproveitaram a oportunidade e hoje estiveram comigo nos cultos preparatórios.
Dia do Senhor, 8 de Junho.
A Maior parte de minha gente, que havia participado da
mesa do Senhor antes desta ocasião, participou agora com outros da santa
ordenança, e, conforme creio, segundo o desejo e para a satisfação e consolo de
um bom número do povo de Deus, os quais tinham anelado por ver este dia, e
cujos corações tinham se regozijado nesta obra da graça entre os índios, a
qual preparou o caminho para o que pareceu tão agradável nesta ocasião. Aqueles
dentre minha gente que participaram da Ceia pareciam, de modo geral, ternamente
tocados diante da mesa do Senhor, alguns deles consideravelmente movidos pelo
amor de Cristo, embora não estivessem tão notavelmente animados e deleitados,
nesta ocasião, como quando administrei essa ordenança somente para a nossa
própria congregação. Alguns dos assistentes ficaram comovidos ao verem
aqueles que, estando antes "separados da comunidade de Israel, e estranhos
às alianças da promessa", os quais tinham vivido "não tendo
esperança, e sem Deus no mundo" (Efésios 2.12), agora se aproximaram de
Deus, como seu povo declarado, através de uma solene e devota participação
nessa sagrada ordenança. Assim, como um bom número dentre o povo de Deus se
sentia revigorado diante desta cena, e desta forma impulsionados a bendizer a
Deus pela ampliação de seu reino no mundo, também outros, conforme fui
informado, foram despertados, compreendendo o perigo em que estavam de, ao
final, serem lançados fora; enquanto viam outros, chegados do oriente e do
ocidente, preparando-se ou já na expectativa de estarem preparados, em boa
medida, para sentarem-se no reino de Deus.
9 de Junho.
Um bom número dentre os meus índios reuniu-se cedo, em um lugar retirado
na floresta, onde oraram, cantaram hinos e conversaram sobre as coisas divinas.
Neste local, alguns religiosos de raça branca viram-nos sendo tocados e
emocionados, alguns deles ao ponto de derramar lágrimas.
Depois de terem participado das
cerimónias
finais da Ceia do Senhor, meus índios voltaram para casa; muitos deles se
regozijavam por toda a bondade de Deus que tinham visto e sentido. Assim,
parece que esses foram momentos proveitosos e consoladores para vários membros
de minha congregação. Conforme penso, foi para a glória de Deus e para o interesse da religião
cristã neste território que eles estiveram presentes na ocasião, participando
da mesa do Senhor em companhia de outros crentes. Pois, vários deles,
aparentemente por este meio foram despertados.
13 de Junho.
Preguei aos índios acerca da nova criatura, usando o trecho de 2
Coríntios 5.17. A presença do Senhor pareceu estar na assembleia. Foi uma
reunião doce e agradável, na qual o povo de Deus foi refrigerado e fortalecido,
ao contemplar os seus rostos no espelho da Palavra de Deus, percebendo, em si
mesmos, as marcas e os sinais
da nova criatura. Alguns
pecadores já impressionados pela Palavra, também foram tocados novamente e
mais uma vez se envolveram na procura de seus interesses eternos.
Na ocasião, foram recebidos
na comunhão três índios. Um deles foi a mui idosa
índia sobre cujas lutas espirituais fiz um relato em meu diário, no dia 26
de Dezembro. Depois ela me apresentou uma narrativa bem detalhada, racional e
satisfatória sobre a notável mudança que havia experimentado alguns meses após
o início de seu despertamento, tudo o que me pareceu
serem operações genuínas do Espírito de Deus, até onde sou capaz de avaliar.
Por já parecer estar caducando, devido à sua muita idade, nada me foi possível
fazer para interrogá-la, e nem pude fazê-la entender qualquer coisa do que lhe
perguntei. Contudo, quando a deixei prosseguir com a sua própria história, ela
apresentou-me um relato perfeitamente distinto e pormenorizado sobre os muitos e variados conflitos pelos
quais passara em sua alma, lutas que deixaram impressões profundas sobre a sua
mente. Tenho grande razão em pensar que ela nasceu de novo, estando em idade
tão avançada, conforme presumo, acima de oitenta anos.
19 de Junho.
Visitei os meus índios acompanhado por dois pastores que eram
representantes da missão. Passei algum tempo em conversa sobre assuntos
espirituais com os índios; e também procurei cuidar de seus interesses
materiais.
Hoje está completando exactamente
um ano desde que preguei pela primeira vez a estes índios, em Nova Jersey.
Quantas coisas notáveis Deus tem operado nesse espaço de tempo em favor dessa
pobre gente! Que transformação surpreendente nota-se no seu temperamento e
conduta! O quanto foram transformados esses morosos e selvagens pagãos, nesse
breve período, tornando-se cristãos agradáveis, afectuosos e humildes! E os
gritos selvagens que soltavam em suas bebedeiras, transformaram-se em louvores
devotos e fervorosos a Deus! Aqueles que antes estavam nas trevas, agora se
tornaram "luzes no Senhor". Que eles possam "andar como filhos
da luz e do dia!" E agora, Àquele que tem o poder de firmá-los segundo o
evangelho e a pregação de Cristo — o Deus todo-sábio
— seja a glória, por meio de Jesus Cristo, para todo o sempre. Amém.
Anotações gerais sobre este
período
No encerramento desta narrativa,
gostaria de fazer algumas observações gerais sobre aquilo que, para mim,
parece ser digno de atenção, relacionado à contínua obra da graça entre o meu
povo.
1. Não posso deixar de ressaltar que, em
geral, desde a primeira vez que cheguei entre os índios de Nova Jersey, tenho
sido favorecido
com aquela ajuda que, para mim,
é incomum, ao pregar
a Cristo crucificado, fazendo dEle o centro
e o alvo para onde se dirigem todos os meus sermões e explicações
entre os índios.
Após ter ensinado aos índios algo sobre
o Ser e as perfeições de Deus, como Ele criou o homem em estado de rectidão e
felicidade, e como o género humano, desde então, ficou sujeito ao dever de amá-Lo e honrá-Lo, o escopo e o
intento principal de todos os meus discursos, durante vários meses, foi
levá-los ao conhecimento de seu próprio estado deplorável por natureza, na
posição de criaturas decaídas; de sua incapacidade de se desvencilharem
e livrarem por si mesmos desse estado; da total insuficiência de quaisquer
reformas e melhorias externas de vida, ou de quaisquer práticas religiosas que
possam realizar, estando nesta condição, a fim de conduzi-los ao favor divino e
de criar neles um desejo pela misericórdia eterna. Daí, procurei mostrar-lhes a
sua absoluta necessidade de Cristo, a fim de serem remidos e salvos da miséria
de seu estado decaído — esclarecendo a toda-suficiência
de Cristo e sua disposição para salvar até o principal dos pecadores — a
gratuidade e as riquezas da graça divina, oferecidas "sem dinheiro e sem
preço", a todos quantos queiram aceitar o oferecimento. Então passei a
exortá-los a recorrerem, sem demora, à pessoa de Cristo, estando eles sob o
senso de seu estado de miséria e condenação, para receberem alívio e salvação
eterna — e também lhes mostrei o abundante encorajamento proposto pelo
evangelho aos pecadores necessitados, impotentes, que estão na perdição,
procurando persuadi-los a vir a Cristo. Tenho, vez por outra, reiterado e
insistido principalmente sobre essas verdades.
Por frequentes vezes tenho assinalado, com admiração, que, sem
importar qual a questão eu estivesse ventilando, após usar o tempo suficiente
para explicar e ilustrar as verdades ali contidas, eu era natural e facilmente
guiado a falar sobre Cristo, como a parte essencial de cada assunto. Se eu
estivesse abordando o Ser e as gloriosas perfeições de Deus, dali eu era
naturalmente levado a discursar sobre Cristo, como o "único caminho para o
Pai". Se eu tentasse explicar a deplorável miséria de nosso estado caído
no pecado, era natural que dali eu passasse a mostrar a necessidade de Cristo
interceder por nós, de expiar nossos pecados e de redimir-nos do poder exercido
por eles. Se eu estivesse ensinando os mandamentos de Deus, mostrando como os
temos violado, isso me conduzia, da forma mais suave e natural, a falar sobre o
Senhor Jesus Cristo, recomendando-o como Aquele que tinha "magnificado a
lei', a qual havíamos quebrado, tornando-Se Ele mesmo
"o fim da lei, para justiça de todo aquele que crê". Eu nunca encontrei
tanta desenvoltura e ajuda para fazer harmonizarem-se as várias linhas de meus
discursos, e para centralizá-las na pessoa de Cristo, da forma que tenho feito
por muitas vezes entre os índios.
Frequentemente, quando pensava em
pregar algumas palavras sobre um determinado assunto, sem achar ocasião, nem mesmo lugar,
para qualquer ampliação daquele assunto, aparecia uma fonte de graça do
evangelho que brilhava, ou que resultava naturalmente, de uma simples
explicação daquele assunto; e Cristo parecia, de tal modo, estar sendo
apresentado como o conteúdo daquilo que eu estava considerando e explicando.
Então, eu era atraído, de um modo não apenas fácil, natural e adequado, mas
também quase inevitável, a falar sobre Ele, com relação a sua obra, sua encarnação,
sua suficiência e sua admirável competência para a obra de redenção do homem, e
sobre a infinita necessidade que os pecadores têm de se interessarem por Ele. E
isto abria o caminho para uma contínua proclamação do convite do evangelho às
almas perdidas, para que viessem vazios e nus, fracos e sobrecarregados, e se
lançassem aos cuidados dEle.
Em minha pregação tenho sido
notavelmente influenciado e ajudado a falar sobre o Senhor Jesus Cristo e
sobre o caminho da salvação por meio dEle, e tenho sido,
às vezes, surpreendentemente suprido com matéria pertinente a Ele e ao desígnio
de sua encarnação. Muitas vezes tenho sido ajudado, de maneira admirável, ao
procurar explicar os mistérios da graça divina, e ao mostrar claramente as
excelências infinitas e as "insondáveis riquezas de Cristo", bem como
ao exortar a pecadores para que o aceitem. Também tenho sido capacitado a expor
a glória divina, a infinita preciosidade e a transcendental amabilidade de
nosso grande Redentor, bem como a suficiência de sua pessoa em garantir o
suprimento para as necessidades e para os mais profundos desejos de almas
imortais. Da mesma maneira tenho sido ajudado ao explicar as infinitas riquezas
de sua graça e o admirável encorajamento oferecido no evangelho para pecadores
indignos e incapazes; ao convocar, convidar e rogar que os pecadores venham e
se entreguem a Cristo, reconciliando-se com Deus por meio dEle,
ao debater com os pecadores acerca de como negligenciam Alguém tão
infinitamente amorável e gratuitamente oferecido. E isso de tal maneira, com
tão grande liberdade, pertinência, sentimento e aplicação às consciências que,
estou certo, eu nunca poderia ter feito por mim mesmo, ainda que mui assiduamente aplicasse a minha mente. Por muitas vezes,
em tais oportunidades, tenho sido surpreendentemente ajudado para adaptar os
meus sermões à capacidade de meu povo indígena, apresentando-lhes todas essas
verdades de maneira fácil, com expressões familiares, inteligíveis até mesmo
para os pagãos.
Não estou mencionando essas coisas como
uma recomendação de minhas realizações; pois reconheço que não dispunha de
qualquer habilidade ou sabedoria compatíveis com minha grande tarefa; nem sabia
como escolher "palavras aceitáveis" e adequadas ao nível dos
pobres e ignorantes
índios. Mas, agradou a Deus ajudar-me a não
saber qualquer outra coisa entre os pagãos, excepto "Jesus Cristo, e este
crucificado". Assim, pude mostrar-lhes a sua condição de miséria como
pecadores longe de Cristo, expondo-lhes quão apto Ele é para redimi-los e salvá-los.
Essa foi a pregação que Deus usou
para despertar pecadores e para propagação dessa "obra da graça"
entre os índios. E digno de nota que, vez por outra, ao ser favorecido com
desenvoltura ao falar sobre "a habilidade e disposição de Cristo para salvar
os pecadores", bem como "a necessidade que eles tinham de um tão
grande Salvador", era então que se manifestava mais fortemente o poder
divino, despertando aqueles que se sentiam seguros em si mesmos, promovendo a
convicção de pecado ou consolando os aflitos.
Antigamente, ao ler o sermão de Pedro na casa
de Cornélio (Actos 10), eu me admirava de vê-lo
apresentar, logo de início, a pessoa do Senhor Jesus Cristo, continuando a
falar sobre Ele praticamente o sermão inteiro. Nisto o apóstolo diferiu imensamente
de muitos de nossos pregadores modernos. Recentemente, porém, isso não me tem
parecido uma táctica estranha, porquanto reconheço que Cristo é o próprio âmago
do evangelho e o centro para onde confluem todas as diversas linhas da
revelação bíblica. Apesar disso, sou sensível à necessidade de serem ditas
muitas outras coisas a pessoas que estão sujeitas às trevas do paganismo, a
fim de que haja uma devida introdução do nome de Cristo e de sua realização em
favor do homem caído.
2. É digno de ser frisado que muitos índios são levados a uma estrita
anuência às regras da moralidade e da sobriedade, bem como a uma realização
consciente dos deveres externos do cristianismo, mediante o poder interno e
a influência da verdade divina — a acção das peculiares doutrinas da graça
sobre as suas mentes, e isso antes mesmo que esses deveres morais sejam
expostos repetidas vezes e inculcados a eles, e sem que seus vícios sejam
evidenciados e combatidos. Já destaquei qual tem sido o tom e o rumo de minha
pregação entre os índios; quais as verdades que mais tenho acentuado, e como
tenho sido impelido a estender-me, com certa frequência, a respeito das
doutrinas peculiares da graça. Essas doutrinas, que têm a mais directa
tendência para humilhar a criatura humana, mostrando-lhe a miséria de seu
estado natural, levando-a aos pés da misericórdia soberana de Deus e exaltando
o nosso grande Redentor — desvendam a sua excelência transcendental, a sua
infinita preciosidade, e assim recomenda-o diante do pecador, para que o aceite
— sim, essas doutrinas têm sido o tema do que foi entregue aos índios, em
público ou particularmente, sendo que, de tempos em tempos, as tenho reiterado
e frisado.
Deus se agradou em conferir com
essas verdades divinas uma tão poderosa influência sobre as mentes dos índios, e de
tal modo abençoar a um grande número deles, despertando-os de modo eficaz, que
suas vidas foram rapidamente transformadas, sem que eu tenha tido necessidade
de insistir sobre os preceitos morais, ou de gastar tempo em discursos enfadonhos
sobre os deveres externos dos cristãos. De fato, não havia espaço para qualquer
outra espécie de discurso, senão para o que abordasse esses pontos essenciais
da religião cristã e o conhecimento experimental das realidades divinas. Pois,
diariamente eles me dirigiam muitas indagações, não acerca de como deveriam
regulamentar a sua conduta externa (pois as pessoas com disposição honesta de
cumprir os deveres, quando estes se tornam conhecidos, facilmente recebem
respostas satisfatórias), mas, sim, como poderiam escapar da ira divina, que
tanto temiam e sentiam merecer, como poderiam obter transformação eficaz de
coração e como obteriam os benefícios de Cristo, vindo assim a desfrutar da
bem-aventurança eterna. Assim sendo, minha grande tarefa ainda era guiá-los a
uma visão mais ampla de sua total condenação em si mesmos, e da total
depravação e corrupção de seus corações; mostrar que não havia neles qualquer
vestígio de bondade, nem boas disposições nem bons desejos, nem amor a Deus,
nem deleite em seus mandamentos, mas, bem pelo contrário, apenas ódio,
inimizade e toda maneira de iniquidade reinante entre eles. Ao mesmo tempo, meu
dever era esclarecer sobre o glorioso e completo remédio providenciado em
Cristo para os pecadores condenados, e oferecido gratuitamente àqueles que não
têm qualquer bondade própria, nem obras de justiça que possam ter realizado,
nem coisa alguma que os recomende aos olhos de Deus.
Esse tem sido o contínuo traço de minha
prédica; esse, também, o meu constante esforço e grande interesse, procurando
iluminar as mentes dos índios, buscando atingir os seus corações e, tanto
quanto possível, conferir a eles o senso e a
percepção
dessas preciosas doutrinas da graça, pelo
menos até onde os meios usados possam contribuir para isso. Essas são as
doutrinas e esse o método de pregação que têm sido abençoados por Deus, para o despertamento e a salvação, conforme espero, de um bom
número de almas; e que têm servido de meios para a realização de uma
extraordinária mudança entre os ouvintes, de maneira geral.
Quando essas verdades atingiram os
corações,
então não houve vício que não fosse abandonado, e nenhum dever cristão externo
que fosse negligenciado. O alcoolismo, o vício mais constante, foi descontinuado,
tendo-se conhecimento apenas de alguns casos raros entre meus ouvintes, por
meses a fio. A prática abusiva, seja do homem ou da mulher, de
deixar o cônjuge, a fim de se unir a outra pessoa, foi prontamente abandonada.
Há três ou quatro casais, que voluntariamente deixaram
as pessoas a quem se tinham ajuntado e voltaram aos seus cônjuges, vivendo
juntos agora, em amor e paz. E outro tanto pode ser dito de diversas outras
práticas viciosas. A reforma de costumes foi geral — tudo oriundo da influência
interna da verdade divina sobre seus corações, e não de restrições
impostas de fora, ou porque essas práticas tenham sido mostradas
detalhadamente e combatidas. Algumas dessas práticas, de fato, nunca ao menos
cheguei a mencionar. Quero particularizar a questão da infidelidade conjugal.
Antes, alguns índios, uma vez despertadas suas consciências pela Palavra de
Deus, vieram até mim expor sua própria iniciativa confessaram-se
culpados quanto a esse pecado. Assim, quando porventura eu mencionava as suas
práticas malignas e pecados como contrários à natureza, não o fazia com um
desígnio em mente, nem com a esperança de conseguir entre eles alguma mudança
de conduta, e isso porque sabia que enquanto a árvore permanecesse corrupta,
seu fruto naturalmente seria podre. Meu propósito era orientá-los, levando-os a
ver a pecaminosidade de suas próprias vidas, tendo em
vista conscientizá-los da corrupção de seus corações,
para então convencê-los sobre a necessidade de uma renovação de sua natureza
interior, e despertá-los a buscar, com a Maior diligência possível, aquela
profunda transformação que, uma vez obtida, eu sabia que naturalmente
produziria mudança nas maneiras e nos costumes deles em todos os aspectos.
E assim como todo vício foi abandonado
pelos índios, por haverem sentido em seus corações o poder dessas verdades,
assim também os deveres externos do cristianismo foram aceitos e cumpridos
conscienciosamente, com base na mesma influência interna que os afectara.
Passaram a pôr em prática a oração em família, exceptuando apenas casos de
índios chegados mais recentemente, que ainda sentiram pouco dessa influência
divina. Esse dever era constantemente cumprido, mesmo em algumas famílias onde
só havia mulheres. E entre cerca de cem índios convertidos, apenas alguns não
tinham adoptado essa prática de oração. O domingo também era observado
religiosa e seriamente entre os índios, e os pais cuidavam para que seus filhos
respeitassem esse dia de descanso. E isso, não porque eu os tivesse forçado a
tal observância de tanto frisar tais deveres, mas por haverem sentido o poder
da Palavra de Deus em seus corações — tendo sido sensibilizados para o seu
próprio pecado e miséria, pelo que não podiam fazer outra coisa, senão
dedicarem-se à oração, e cumprir tudo quanto sabiam ser seu dever, baseando-se
naquilo que sentiam dentro de si mesmos. Uma vez tocados os seus corações com a
preocupação com o seu estado eterno, eles podiam orar com grande liberdade e
fervor, sem que tivessem de primeiro aprender fórmulas fixas com esse
propósito. Alguns dentre eles, subitamente despertados assim que chegaram entre
nós, foram levados a clamar e a orar por
misericórdia, com a mais
pungente importunação, sem jamais terem sido
instruídos quanto ao dever de orar, e sem que antes fossem dirigidos a fazer
qualquer oração.
Os efeitos gratificantes dessas
doutrinas peculiares da graça sobre este povo, demonstram, e até mesmo comprovam
que, ao invés de abrirem as portas para a licenciosidade, conforme alguns têm
erroneamente imaginado e caluniosamente têm insinuado, elas exercem um efeito
precisamente contrário. De forma que, uma aplicação precisa dessas doutrinas,
bem como uma compreensão e apreciação das mesmas, exercerá a mais poderosa
influência para uma renovação e transformação eficaz, tanto do coração
quanto da vida.
A própria experiência, bem como a Palavra
de Deus e o exemplo de Cristo e de seus apóstolos, têm me ensinado que o exacto
método de pregação, que é o mais adequado para despertar no ser humano o senso
e a vívida compreensão de sua depravação e miséria em um estado decaído —
impulsionando as pessoas a buscarem zelosamente a mudança de coração e a
correrem para o refúgio da graça soberana e gratuita em Cristo, como a única
esperança que lhes resta — é também o método que obtém Maior sucesso na mudança
da conduta externa das pessoas. Tenho descoberto que o diálogo pessoal, com
solenes aplicações da verdade divina à consciência humana, é o método que fere,
na raiz, todas as inclinações para o vício. Por outro lado, discursos suaves e
plausíveis, que exaltam as virtudes morais e os deveres externos, quando muito
conseguem apenas podar os vários ramos da corrupção humana, enquanto que a raiz
de todos os vícios permanece não afectada.
Uma percepção do bendito efeito
dos esforços honestos para imprimir as verdades divinas nas consciências, ao
ponto de afectar os corações dos homens, por muitas vezes me tem feito
relembrar aquelas palavras de nosso Senhor, as quais penso que servem de uma
apropriada exortação aos ministros quanto à sua maneira de tratar com o
próximo, e ainda servem para as pessoas em geral, no tocante a si mesmas.
"Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu
exterior fique limpo" (Mateus 25.26). Jesus, pois, ensinou que se deve
limpar o interior, para que o exterior também fique limpo. É como se Ele
tivesse dito que a única maneira eficaz de limpar o exterior é começar pelo
interior; e que se a fonte for purificada, a corrente ficará naturalmente pura.
O indiscutível é que se pudermos despertar nos pecadores um vívido senso de sua
corrupção e depravação internas — sua necessidade de mudança de coração — e
assim engajá-los na busca pela purificação interior, então a sua contaminação
externa será naturalmente purificada, os seus vícios serão corrigidos, sua
conduta e conversação serão ajustadas.
Embora eu não possa afirmar que
a reforma entre a minha gente
em todos os casos se
derive de uma mudança salvadora do coração, contudo, posso dizer em verdade que ela
flui de alguma visão e senso de transformação do coração, conferidos
pelas verdades divinas, que todos eles experimentaram em Maior ou menor grau.
Por meio daquilo que afirmo aqui, não pretendo dar a entender que a pregação da
moralidade, que pressiona as pessoas à realização externa dos deveres
cristãos, seja algo desnecessário e inútil, sobretudo quando o poder divino
acompanha os meios da graça com menos intensidade, ou quando, por ausência de
influências internas, tornem-se necessárias as restrições externas. Sem dúvida,
essa é uma das coisas que precisam ser feitas, sem exclusão de outras. Porém, o
que mais pretendi dizer com essa observação foi esclarecer um fato, a saber,
que a reforma, a sobriedade e a anuência externa às regras e deveres do
cristianismo, que têm ocorrido entre o meu povo, não são o resultado de
qualquer mera instrução doutrinária, ou de mera perspectiva racional da beleza
da moralidade, mas resultam da influência e do poder que as doutrinas da graça,
que humilham a alma, têm exercido em seus corações.
3.
É notável que Deus tenha de tal forma continuado
e renovado as chuvas de sua graça entre nós, que Ele tenha
estabelecido, com tanta rapidez, o seu reino visível por aqui, e que
tenha favorecido os índios com a capacidade de adquirir conhecimentos, tanto
divinos quanto humanos. Faz agora quase um ano que começou esse gracioso
derramamento do Espírito de Deus entre os índios; e embora pareça, às vezes,
ter diminuído e declinado por algum breve período de tempo — conforme poderá
ser observado em diversos trechos de meu diário, onde tenho me esforçado em
anotar os fatos nas sequência dos acontecimentos, conforme eles têm parecido
ser para mim — contudo, esse derramamento parece ter-se renovado, reavivando
uma vez mais a actuação da graça divina. A influência divina continua a
acompanhar patentemente os meios da graça, em Maior ou menor grau, em quase
todas as nossas reuniões públicas, e isso tem refrigerado, fortalecido e
firmado os crentes — convicções de pecados têm sido rememoradas e promovidas em
muitos casos, e algumas poucas pessoas são despertadas, vez por outra. Porém,
devemos reconhecer que, de forma geral, nos últimos tempos, houve um declínio
bem mais acentuado dessa obra. Agora, parece-nos que o Espírito de Deus, até
certo ponto, tem se retirado, sobretudo no tocante à sua influência
despertadora, a tal ponto que os estranhos que têm chegado por aqui
ultimamente, já não são tomados por uma preocupação com suas vidas como antes;
e alguns daqueles que, no passado, pareciam profundamente tocados pelas
verdades divinas, agora não parecem tão profundamente impressionados. Ainda
assim, bendito seja Deus, continuam havendo manifestações da graça e do poder
divino, um desejável
grau de enternecimento dos corações, emoções
legitimamente espirituais e grande devoção em nossas reuniões.
Assim como Deus tem dado continuidade
à chuva
de sua graça entre esse povo, renovando-a de vez em quando, também tem estabelecido
o seu reino visível com uma incomum rapidez, levantando para Si mesmo
uma igreja entre os índios. Quinze pessoas, desde a conclusão de meu
último diário, fizeram pública profissão de fé em Cristo, totalizando trinta
e oito pessoas no período de onze meses, todas as quais parecem ter passado
por uma obra da graça especial em seus corações. Com isso dou a entender não
somente a experiência do despertamento espiritual,
mas, julgando por um ângulo mais apropriado, a influência regeneradora e
renovadora do Espírito de Deus. Há muitas outras pessoas que se encontram sob
uma solene preocupação por suas almas, e sob uma profunda convicção acerca de
seu pecado e miséria, mas que ainda não ofereceram evidências decisivas,
conforme o esperado, de uma transformação salvadora.
Pelo que sei, do tempo em que
alguns deles estavam participando de festas idólatras
e sacrifícios em
honra aos demónios, até ao tempo em que passaram a sentar-se diante da
mesa do Senhor, confio que, para honra de Deus, não se tenha passado mais que um
ano inteiro. Por certo, o pequeno rebanho de Cristo que temos aqui, tão
repentinamente colhido dentre os pagãos, pode afirmar com certeza, na linguagem
usada pela igreja dos tempos antigos: "O Senhor tem feito grandes coisas
por nós, pelo que estamos alegres".
Muito da bondade de Deus também tem se manifestado
em relação à aquisição de conhecimentos por parte dos índios, tanto no campo religioso
quanto nas actividades da vida comum. Tem prevalecido entre eles uma admirável
sede pelo conhecimento cristão, e um desejo ávido pela instrução quanto
à doutrina e às maneiras cristãs. Isso os tem impelido a fazer muitas
perguntas apropriadas e importantes, cujas respostas muito têm contribuído para
iluminar as suas mentes e para promover o seu conhecimento sobre as verdades
divinas. Muitas das doutrinas que lhes tenho ensinado, eles têm examinado
juntamente comigo, a fim de obterem Maior esclarecimento e discernimento quanto
às mesmas; e, vez por outra, pelas respostas às perguntas que lhes são
formuladas em minhas instruções catequéticas, têm
demonstrado possuir uma boa compreensão a respeito delas.
Por igual modo, eles me têm indagado a
respeito de um método apropriado de oração, bem como sobre os
assuntos apropriados para as orações, além de expressões adequadas que
devem ser usadas nesse exercício religioso. E também têm se esforçado para
cumprir com entendimento esse dever. Por igual modo, têm se empenhado e parecido
notavelmente aptos para entoar hinos baseados nos Salmos, sendo agora
capazes de cantar com excelente grau de decência na adoração a
Deus. Eles também têm adquirido um considerável grau de conhecimento útil
quanto às questões da vida colectiva, de tal modo que agora parecem criaturas
racionais, preparados para viver na sociedade humana, livres daquelas
grosserias e daquela estúpida brutalidade que os tornava muito desagradáveis,
quando ainda estavam em seu estado de selvageria.
Eles parecem ambicionar obter um
bom conhecimento da língua inglesa, e com esse fim falam frequentemente em inglês entre
si. Muitos têm obtido boa fluência em inglês, desde que cheguei entre eles, de
tal modo que a Maioria deles pode compreender uma boa parte, e alguns entendem
a essência de meus sermões, sem a intervenção de qualquer intérprete, estando
já acostumados com as minhas expressões simples e familiares, embora tenham
alguma dificuldade em entender outros ministros evangélicos.
Assim como desejam ser instruídos, mostrando-se
surpreendentemente capazes disso, assim também a providência divina tem sido
favorável para com eles no tocante aos meios apropriados para tanto. As
tentativas de se estabelecer uma escola entre eles têm obtido extraordinário
êxito, e a bondosa providência divina lhes enviou um professor, acerca de quem
posso dizer, com plena razão, que desconheço outro homem com igual disposição
para cuidar do estado deles. Ele tem cerca de trinta ou trinta e
cinco crianças em sua escola; e quando ministrava aulas à tardinha, na
época que demorava mais para escurecer, uns quinze ou vinte adultos,
entre casados e solteiros, costumavam frequentá-las.
As crianças aprendem com
surpreendente prontidão, de tal maneira que, conforme me diz o professor, ele
nunca antes havia ensinado uma turma de fala inglesa que aprendesse com tanta
rapidez. Não houve mais que dois, entre trinta, embora alguns índios ainda
fossem bem pequenos, que não puderam aprender todas as letras do alfabeto três
dias depois do professor ter começado o seu trabalho; e diversos deles, nesse
mesmo espaço de tempo, aprenderam a soletrar consideravelmente bem. Alguns
índios, em menos de cinco meses, aprenderam a ler com facilidade o Saltério ou
o Novo Testamento.
Os
índios são instruídos duas vezes por semana
no Catecismo, às quartas-feiras e aos sábados. Desde quando começaram a
receber instrução no final de Fevereiro passado, alguns conseguiram decorar
mais da metade do catecismo; e a Maioria deles tem demonstrado um bom
aproveitamento.
Por igual modo, eles têm sido instruídos quanto ao dever da oração
secreta; e a Maioria dos índios ora pela manhã e à noite, e também informa
zelosamente ao seu mestre, quando descobre que qualquer um de seus colegas está
negligenciando esse exercício religioso.
4.
É digno de nossa atenção e para louvor
da graça soberana, que, em meio a tão grande obra de convicção — tanto despertamento e comoção religiosa — não tenha havido a prevalência,
e nem mesmo qualquer manifestação de religiosidade falsa — como imaginação
exagerada, zelo descontrolado ou orgulho espiritual, e também que tenha havido
casos de comportamento irregular ou escandaloso entre as pessoas que se
mostraram sérias quanto às questões espirituais.
Essa obra da graça, acima de tudo,
tem sido efectuada com um surpreendente grau de pureza, isenta de qualquer
mistura corrupta. A preocupação espiritual dos índios tem sido, de modo geral,
racional e justa, originada no senso de seus pecados, e no reconhecimento do
desprazer divino por causa desses pecados, e também por causa de sua total
incapacidade de se livrarem, por si mesmos, da miséria que eles sentiam e
temiam. Muitos passaram pelo mais vívido senso de sua própria condenação e
experimentaram grande aflição e angústia de alma. E, no entanto, mesmo no auge
dessas manifestações, nunca houve qualquer caso de desespero — nada que fosse
capaz de desencorajá-los, ou que de alguma forma tenha servido de empecilho
quanto ao uso mais diligente de todos os meios apropriados para a sua conversão
e salvação. Por isso, é evidente que não há o perigo de pessoas serem
conduzidas ao desespero quando estão experimentando inquietação espiritual,
excepto nos casos de profunda e habitual melancolia, mesmo que os homens em
geral estão sempre prontos a imaginar o contrário.
A consolação que as pessoas
têm obtido após a sua passageira aflição, por igual modo tem parecido sólida,
bem fundamentada, bíblica, originada na iluminação espiritual e sobrenatural da
mente — uma visão sobre as realidades divinas, até certo ponto, como elas são;
uma complacência de alma diante das perfeições divinas; e uma satisfação
singular pelo caminho da salvação, através da livre graça soberana do grande
Redentor.
As alegrias sentidas por minha
gente parecem ter sido despertadas por uma certa variedade de percepções e considerações
acerca das coisas divinas, embora, substancialmente, sejam sempre a mesma
coisa. Alguns deles que, sob a força da convicção, parecem ter enfrentado os
mais duros conflitos interiores causados pela rebeldia de seus corações contra
a soberania divina, desde o alvor de sua consolação parecem ter-se regozijado
de maneira toda peculiar naquela perfeição divina — deleitando-se em pensar que
eles mesmos e todas as demais coisas estavam nas mãos de Deus, na certeza de
que Ele se disporia deles "conforme melhor Lhe parecesse".
Outros, que pouco antes de
receberem a consolação sentiram-se tremendamente oprimidos sob o senso de sua própria
condenação e pobreza, tendo sentido, por assim dizer, como quem já estava se
precipitando
na condenação irremediável,
deleitaram-se, antes de tudo, com a visão da liberdade e da riqueza da graça
divina, bem como do oferecimento da salvação feita a pecadores que perecem, e
tudo isso "sem dinheiro e sem preço".
Alguns deles, inicialmente,
regozijavam-se na sabedoria de Deus desvendada no caminho da salvação por meio de
Cristo, parecendo-lhes este "um novo e vivo caminho", um caminho
acerca do qual nunca tinham ao menos pensado, sobre o qual não tinham nenhuma
noção correia, até ser revelado pela influência especial do Espírito divino.
Alguns deles, depois de lhes ter sido descoberto, de maneira vívida, esse
caminho da salvação, quedaram-se admirados diante de sua insensatez no
passado, quando ainda procuravam a salvação por outros meios, sem conseguirem
perceber o verdadeiro caminho da salvação, o qual agora lhes parecia tão claro
e fácil, e, de igual modo, excelente.
Ainda outros receberam uma visão mais geral da
beleza e excelência de Cristo, e suas almas ficaram deleitadas ante a
compreensão de sua glória divina, que ultrapassava indizivelmente a tudo quanto
tinham antes concebido, ainda que não salientassem qualquer uma das perfeições
divinas em particular; de modo que, embora a sua consolação parecesse ter se
originado de uma variedade de pontos de vista e considerações sobre a glória
divina, ainda assim, eram concepções espirituais e sobrenaturais dessa
glória, e estas é que eram a fonte de suas alegrias e consolações, e não as
fantasias destituídas de base.
Não obstante, devemos reconhecer que
quando essa obra se tornou mais ampla e prevalecente, obtendo crédito geral e
estima entre os índios, ao ponto de parecer que Satanás não conseguiria
qualquer vantagem, caso se manifestasse contra essa obra sem qualquer disfarce,
então ele se transformou em um "anjo de luz", procurando com fortes
tentativas introduzir turbulentas comoções de paixão, em lugar da genuína convicção
de pecado, e noções imaginárias e fantasiosas sobre Cristo, como se Ele se
aproximasse dos olhos da imaginação com um formato humano, em alguma postura
particular, etc, ao invés dos desvendamentos espirituais
e sobrenaturais de sua glória e excelência divinas, sem falar em muitas outras
formas de ilusão. Tenho razão de pensar que, se essas ilusões tivessem sido
aceitas mansamente ou com encorajamento, teria havido uma considerável colheita
de falsas conversões entre nós.
O orgulho espiritual
também se fez presente em várias ocasiões. Algumas pessoas, cujos
sentimentos tinham sido intensamente estimulados, pareciam muito desejosas de
serem julgadas como pessoas extraordinariamente bondosas; e essas pessoas,
quando não pude mais evitar de expressar os meus temores acerca de seu estado
espiritual, deixaram vir à tona, em grau considerável, o seu ressentimento.
Também surgiu, entre um ou dois dos índios, uma indevida ambição de serem
mestres dos outros. Assim, Satanás tem sido um adversário muito activo,
aqui e em outros lugares. Contudo, bendito seja Deus, pois que, embora algo
dessa natureza tenha surgido, nada disso prevaleceu e nem fez qualquer progresso
considerável. Meu povo já está familiarizado com essas coisas, sabendo que
Satanás "transformou-se em um anjo de luz" no primeiro grande
derramamento do Espírito divino nos dias dos apóstolos, e de que algo dessa
mesma natureza, em Maior ou menor grau, tem acompanhado quase cada reavivamento
e notável propagação do cristianismo verdadeiro, desde então. Meus índios têm
aprendido a distinguir entre o ouro e a escória, a fim de que esta última seja
"pisada como a lama das ruas", e visto que esse tipo de questão acaba
morrendo por si mesmo, agora quase não há manifestações dessa ordem.
Assim como não tem havido a
predominância de fervor desordenado, de noções imaginárias, de orgulho
espiritual e de ilusões satânicas entre o meu povo, assim também tem havido
pouquíssimos casos de comportamento escandaloso e irregular entre aqueles que
têm professado a sua fé, ou mesmo entre os que têm demonstrado certa seriedade.
Não pude encontrar mais do que três ou quatro pessoas, desde que vieram a
conhecer o cristianismo, que se tenham tornado culpadas de qualquer conduta
imprópria, de forma aberta; e não conheço qualquer deles que persista em
qualquer conduta dessa natureza. Talvez a notável pureza desta obra quanto a
esse último aspecto — a isenção de casos frequentes de escândalos —
muito se deva à sua pureza quanto ao primeiro aspecto, ou seja, à sua
isenção de misturas corruptas de orgulho espiritual, de fervor incontrolável e
ilusões, tudo o que, naturalmente, lança o alicerce para práticas escandalosas.
Que esta bendita obra, em seu poder e pureza, prevaleça entre os pobres
índios daqui, e que se espalhe também por outros lugares, até que a mais remota
tribo indígena conheça a salvação de Deus! Amém.
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Notas:
1 Por este tempo surgiu um terrível clamor contra os índios, em vários
lugares do país, além de insinuações de que eu os estaria treinando para cortar
as gargantas das pessoas. Muitos civilizados desejavam ver os índios banidos
deste território e alguns faziam pesadas ameaças, na esperança de assustá-los e
impedi-los de se estabelecerem nos melhores e mais convenientes trechos de suas
próprias terras, ameaçando-os de perturbá-los por meio da lei, alegando terem
direito sobre essas terras, embora nunca as tivessem comprado dos índios.